7 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Reclamação por usurpação de competência - Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero

 Cabe reclamação sempre que se vislumbrar a usurpação de competência de tribunal, a violação de autoridade de decisão, a ofensa à autoridade de precedentes das Cortes Supremas (desde que esgotadas as instâncias ordinárias, art. 988, § 5.º, II, CPC/2015) e de jurisprudência vinculante. A opção legislativa a respeito do seu cabimento tem uma clara vinculação, portanto, não só com a prestação da tutela dos direitos em sua dimensão particular, isto é, para busca de uma decisão de mérito justa e efetiva para o litígio (arts. 6.º e 988, I e II, CPC/2015), mas também com a promoção da unidade do direito, isto é, com a tutela dos direitos em sua dimensão geral (arts. 926 e 988, III e IV, CPC/2015). Rigorosamente, no entanto, a reclamação deveria constituir apenas e tão somente instrumento de tutela da decisão do caso concreto. Dito de outro modo: ela não deveria ser vista como meio de tutela do precedente ou da jurisprudência vinculante. Isso porque semelhante modo de ver o seu papel pode ocasionar o fenômeno inverso àquele que se pretende evitar com a instituição de filtros recursais: o abarrotamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça com reclamações que, per saltum, visam a outorgar força ao precedente – essa, aliás, a razão pela qual a Lei 13.256, de 2016, deu nova redação aos incs. III e IV do caput do art. 988 e ao seu § 5.º, do CPC/2015. Nada obstante, até que as Cortes Supremas, as Cortes de Justiça e os juízes de primeiro grau assimilem uma efetiva cultura do precedente judicial, é imprescindível que se admita a reclamação com função de outorga de eficácia de precedente. E foi com esse objetivo deliberado que o novo Código ampliou as hipóteses de cabimento da reclamação. Essa finalidade fica muito clara não só com a leitura dos incs. III e IV do caput do art. 988 do CPC/2015, mas também com a dos seus §§ 4.º e 5.º, inc. II, que expressamente destinam a reclamação ao controle da aplicação indevida de precedentes e da ausência de sua aplicação, desde que devidamente esgotadas as instâncias ordinárias. A propósito, embora o art. 988, § 5.º, inc. II, CPC/2015, fale em “acórdão” oriundo de julgamento de “recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida” e em “acórdão proferido em julgamento de recurso extraordinário ou especial repetitivos”, é certo que a reclamação tutela todo e qualquer precedente constitucional e federal, pouco importando a forma repetitiva. A restrição que interessa aí diz respeito à necessidade de esgotamento da instância ordinária para o cabimento da reclamação. Diante do direito anterior, a Constituição permitia reclamação apenas diante das Cortes Supremas. O Supremo Tribunal Federal entendeu ainda que era cabível a reclamação diante dos Tribunais de Justiça, desde que as respectivas Constituições estaduais assim o permitissem. O novo Código permite a reclamação para preservação da competência e para garantir a autoridade da decisão de “qualquer tribunal” (art. 988, § 1.º, CPC/2015). Vale dizer: permite também reclamação diante dos Tribunais Regionais Federais. (p. 140/141)


MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 976 a 1.044. Dir. Luiz Guilherme Marinoni. Coord. Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, vol. XVI

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