19 de junho de 2021

Cabe agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nas ações de improbidade administrativa

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-695-stj.pdf


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - Cabe agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nas ações de improbidade administrativa 

Aplica-se à ação de improbidade administrativa o previsto no art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular, segundo o qual das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento. A decisão interlocutória proferida no bojo de uma ação de improbidade administrativa pode ser impugnada por agravo de instrumento, com base no art. 19, §1º, da Lei nº 4.717/65, ainda que a hipótese não esteja prevista no rol do art. 1.015 do CPC. Nas ações de improbidade administrativa, o CPC aplica-se apenas subsidiariamente, privilegiando-se as normas do Microssistema Processual Coletivo, para assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos. STJ. 2ª Turma. REsp 1.925.492-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

O Ministério Público ingressou com Ação de Improbidade Administrativa contra João, servidor público. Durante a fase de instrução processual, o Ministério Público requereu o depoimento pessoal de João. O depoimento pessoal, previsto no art. 385 do CPC, deve ser requerido pela parte contrária. Trata-se de meio de prova pelo qual uma parte busca a confissão da outra: 

Art. 385. Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício. 

O juiz, contudo, indeferiu o requerimento do Ministério Público. Diante disso, o Promotor de Justiça interpôs agravo de instrumento impugnando a decisão interlocutória proferida pelo magistrado. Ocorre que o Tribunal de Justiça não conheceu o agravo de instrumento, sob o argumento de que a decisão recorrida não se enquadra no rol taxativo do art. 1.015 do CPC. 

O STJ concordou com a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça? NÃO. O STJ entendeu que seria, sim, possível a interposição de agravo de instrumento em face da decisão do juiz que indeferiu o pedido de depoimento pessoal do réu. Vamos entender as razões para essa conclusão. 

Proteção constitucional dos interesses difusos e coletivos 

A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua efetividade. Como exemplos disso, podemos citar a previsão do mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), da ação popular (art. 5º, LXXII) e a constitucionalização da ação civil pública (art. 129, III). No âmbito infraconstitucional, o sistema protetivo dos interesses difusos e coletivos nasceu com a edição da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65) e foi ampliado com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85). O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) foi mais uma evolução legislativa, trazendo maior efetividade à proteção dos interesses difusos e coletivos. O art. 90 do CDC, somado ao art. 21 da LACP, estabeleceu um verdadeiro microssistema processual coletivo, com destaque para a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública: 

Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições. 

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. 

Esse microssistema significa que as normas desses diplomas deverão ser aplicadas mutuamente a fim de se garantir uma proteção mais efetiva dos interesses difusos e coletivos. A aplicação do microssistema é importante, pois não existe um diploma que englobe normas comuns a todas as ações que tutelam direitos coletivos. Assim, o intercâmbio das normas existentes nas leis sobre a tutela coletiva é essencial para a maior proteção dos direitos difusos e coletivos na atualidade. O microssistema processual coletivo já foi reconhecido pelo STJ. Confira: 

Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela (art. 83 do CDC). STJ. 1ª Turma. REsp 695.396/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27/4/2011. 

CPC deve ser aplicado apenas subsidiariamente 

O STJ possui posição consolidada no sentido de que “o Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei de Improbidade Administrativa” (STJ. 2ª Turma. REsp 1.217.554/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 22/8/2013). Assim, somente se buscará o CPC se não houver regra específica no microssistema de tutela coletiva. 

Não se aplica a regra do CPC, mas sim o art. 19, § 1º da Lei de Ação Popular 

O STJ considerou que, no caso, não deveria ser aplicado o art. 1.015 do CPC ao agravo de instrumento na ação de improbidade administrativa. Deve-se dar preferência à aplicação das normas das leis que tutelam igualmente interesses coletivos, em observância do Microssistema de Tutela Coletiva. Assim, no caso apresentado, é mais adequada a aplicação do art. 19, §1º, da Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular), a respeito do cabimento do agravo de instrumento. 

E o que diz a Lei de Ação Popular sobre o agravo de instrumento? 

O art. 19, §1º, da Lei de Ação Popular prevê o amplo cabimento do agravo de instrumento para impugnar as decisões interlocutórias: 

Art. 19 (...) § 1º Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento. 

Observa-se que o dispositivo acima não contém qualquer tipo de rol sobre hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Isso confere maior amplitude ao recurso. 

Esse art. 19, § 1º, da Lei de Ação Popular foi afetado com a edição do CPC/2015 e, em especial, pela regra do art. 1.015? 

NÃO. A jurisprudência do STJ considera que a norma da Lei de Ação Popular que prevê a impugnação de decisões interlocutórias por agravo de instrumento não é afastada pelo rol taxativo do CPC. Assim, o amplo cabimento do art. 19, § 1º da Lei de Ação Popular permaneceu em vigor mesmo após o advento do CPC/2015. Vale ressaltar, inclusive, que o inciso XIII do art. 1.015 do CPC/2015 contempla o cabimento do agravo de instrumento em “outros casos expressamente referidos em lei”. Assim, a previsão de cabimento do agravo de instrumento na Lei de Ação Popular não confronta com a regra do art. 1.015 do CPC. 

STJ já havia determinado a aplicação do art. 19 da LAP para a ação de improbidade no caso do reexame necessário invertido 

Em sentido semelhante, o STJ possui julgado aplicando o reexame necessário invertido, previsto no art. 19 da Lei nº 4.717/65, às ações de improbidade administrativa. O entendimento é o mesmo, ou seja, que as disposições da lei sobre tutela coletiva, qual seja, a Lei da Ação Popular, devem ser aplicadas às ações de improbidade administrativa. Relembre: 

A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de improbidade administrativa está sujeita ao reexame necessário, com base na aplicação subsidiária do CPC e por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65. STJ. 1ª Seção. EREsp 1220667-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/5/2017 (Info 607). 

Em suma: Aplica-se à ação de improbidade administrativa o previsto no art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular, segundo o qual das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento. A decisão interlocutória proferida no bojo de uma ação de improbidade administrativa pode ser impugnada por agravo de instrumento, com base no art. 19, §1º, da Lei nº 4.717/65, ainda que a hipótese não esteja prevista no rol do art. 1.015 do CPC. Nas ações de improbidade administrativa, o CPC aplica-se apenas subsidiariamente, privilegiando-se as normas do Microssistema Processual Coletivo, para assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos. STJ. 2ª Turma. REsp 1.925.492-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695).

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