19 de junho de 2021

São cabíveis medidas executivas atípicas, de cunho não patrimonial, no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-695-stj.pdf


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - São cabíveis medidas executivas atípicas, de cunho não patrimonial, no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa 

É cabível a apreensão de passaporte e a suspensão da CNH no bojo do cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa. Em regra, a jurisprudência do STJ entende ser possível a aplicação de medidas executivas atípicas na execução e no cumprimento de sentença comum, desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. Na ação de improbidade administrativa, com ainda mais razão, há a possibilidade de aplicação das medidas executivas atípicas, pois se tutela a moralidade e o patrimônio público. No que diz respeito à proporcionalidade, o fato de se tratar de uma ação de improbidade administrativa deve ser levado em consideração na análise do cabimento da medida aflitiva não pessoal no caso concreto, já que envolve maior interesse público. STJ. 2ª Turma, REsp 1.929.230-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

O Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa em face de João, servidor público. Após o trâmite processual, o pedido foi julgado procedente, e a sentença condenou João às sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). Vale ressaltar que foram aplicadas contra João duas sanções de natureza pecuniária: a) Ressarcimento integral do dano; b) Multa civil. 

Com o trânsito em julgado da sentença, o Ministério Público requereu o cumprimento da sentença para a execução das sanções aplicadas contra João. Ocorre que não foram encontrados bens penhoráveis de João, de maneira que restaram frustradas todas as tentativas de medidas executivas ordinárias. Diante disso, o Ministério Público requereu a aplicação de duas medidas executivas atípicas, quais sejam: a) a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação; e b) a retenção do passaporte. 

O Parquet argumentou que seria uma forma de coação indireta para que João cumprisse o que foi determinado na sentença condenatória. 

O STJ considerou cabível o pedido do Ministério Público? É possível a aplicação de medidas atípicas no cumprimento de sentença no âmbito da ação de improbidade administrativa? SIM. 

São cabíveis medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa. STJ. 2ª Turma, REsp 1.929.230-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Sanções aplicáveis na ação de improbidade administrativa 

A ação de improbidade administrativa encontra previsão legal no art. 17 da Lei nº 8.429/92. Trata-se de uma ação de natureza cível que visa a apuração do suposto ato de improbidade administrativa, e a consequente condenação às sanções previstas na Lei. O art. 37, §4º, da Constituição Federal prevê as consequências decorrentes da prática de atos de improbidade administrativa: 

Art. 37 (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. 

O art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, por sua vez, enumera as sanções que deverão ser aplicadas a cada espécie de ato de improbidade. As sanções previstas na Lei são as seguintes: 

1) perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente ímprobo; 

2) ressarcimento integral do dano; 

3) perda da função pública; 

4) suspensão dos direitos políticos; 

5) multa civil; 

6) proibição de contratar com o Poder Público direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; 

7) proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; 

8) proibição de receber benefícios ou incentivos creditícios direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. 

Todas as sanções acima devem ser impostas ao réu na ação de improbidade administrativa, por meio de provimento judicial de natureza condenatória. 

Cumprimento da sentença de improbidade administrativa 

Como mencionado, a sentença proferida na ação de improbidade administrativa possui cunho condenatório. De acordo com a classificação tradicional ternária, as sentenças declaratórias e constitutivas são autossatisfativas, ou seja, não precisam de qualquer comportamento do réu para que o direito do credor seja satisfeito. Por outro lado, as sentenças condenatórias não são autossatisfativas, de modo que ensejam a execução. No âmbito Lei nº 8.429/92, não há qualquer dispositivo específico prevendo o procedimento de execução das sentenças proferidas nas ações de improbidade administrativa. Ressalta-se apenas o art. 18 da Lei, que prevê a destinação do pagamento dos danos ou a reversão dos bens perdidos em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito: 

Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito. 

Assim, não havendo previsão específica sobre o cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa, deve-se aplicar subsidiariamente as disposições sobre o cumprimento de sentença, previstas nos arts. 513 e seguintes, do Código de Processo Civil. 

Em tese, é possível que o juiz, no cumprimento de sentença ou em um processo autônomo de execução comum, determine a suspensão do passaporte e da CNH do executado? 

SIM. Tais providências são classificadas como medidas executivas atípicas (meios executivos atípicos). A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que cumpridos os seguintes requisitos: 

• existam indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável (bens que podem ser penhorados); 

• essas medidas atípicas sejam adotadas de modo subsidiário; 

• a decisão judicial que a determinar contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta; 

• sejam observados o contraditório substancial e o postulado da proporcionalidade. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1788950/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/04/2019. 

Efetividade do processo, princípio do resultado na execução e atipicidade das medidas executivas 

O principal fundamento para isso seria o art. 139, IV, do CPC/2015, que representou uma importante novidade do Código e que teve por objetivo dar mais efetividade ao processo: 

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; 

No caso do processo de execução, a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias apresenta-se como um importante instrumento para permitir a satisfação da obrigação que está sendo cobrada (obrigação exequenda). Com isso, podemos dizer que esse dispositivo homenageia (prestigia) o “princípio do resultado na execução”. Veja alguns enunciados doutrinários a respeito deste inciso: 

Enunciado 48 da ENFAM. O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais. 

Enunciado 12 do FPPC. A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II. 

Enunciado 396 do FPPC. As medidas do inciso IV do art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º. 

Esse dispositivo representa a adoção, pelo CPC, de um modelo de atipicidade das medidas executivas. O que isso quer dizer? As medidas que o juiz pode determinar para a execução dos comandos judiciais não precisam estar expressamente previstas na lei, podendo o magistrado impor outras medidas que não estão listadas no Código. 

E nas ações de improbidade administrativa, também é possível a aplicação de medidas executivas atípicas? 

SIM. O STJ considerou que, sendo cabível a aplicação de medidas executivas atípicas em ações meramente patrimoniais, com mais razão o uso dos meios atípicos na ação de improbidade administrativa, pois se tutela a moralidade e o patrimônio público. O cumprimento de sentença na ação de improbidade administrativa, além de visar ao ressarcimento, busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública. Portanto, para a aplicação das medidas executivas atípicas no cumprimento de sentença em ação de improbidade também devem ser observados os parâmetros utilizados pelo STJ: 

• existam indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável (bens que podem ser penhorados); 

• essas medidas atípicas sejam adotadas de modo subsidiário; 

• a decisão judicial que a determinar contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta; 

• sejam observados o contraditório substancial e o postulado da proporcionalidade. 

Princípio da proporcionalidade 

A análise da proporcionalidade não deve ser realizada em abstrato, mas sim à luz do caso concreto, buscando-se evitar medidas que sejam extremamente gravosas. Deve-se ponderar se as medidas aplicáveis de cunho pessoal ao devedor são adequadas e necessárias para se garantir o interesse do credor. O fato de se tratar de uma ação de improbidade administrativa é uma importante questão do caso concreto para definir o cabimento ou não da medida atípica, já que existe um maior interesse público na satisfação do débito. Em outras palavras, na ação de improbidade administrativa, o inadimplemento do devedor, em tese, é ainda mais grave, pois atenta contra o interesse público, contra os princípios da Administração Pública e contra a sociedade. O interesse do credor envolve, na realidade, o interesse público, o que incrementa os postulados da necessidade e da adequação. No caso concreto, o STJ entendeu que seria proporcional a aplicação das medidas de suspensão do passaporte e da CNH para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação fixada na sentença de improbidade administrativa. Assim, são cabíveis medidas executivas atípicas no cumprimento da sentença de improbidade administrativa, desde que proporcionais, levando em consideração o interesse público relacionado à tutela da moralidade administrativa e do patrimônio público. 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES 

Na execução fiscal não cabe a retenção de passaporte ou a suspensão da CNH como forma de compelir o executado a pagar o débito 

A lógica de mercado não se aplica às execuções fiscais, pois o Poder Público já é dotado, pela Lei nº 6.830/80, de privilégios processuais. Assim, são excessivas as medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, quando aplicadas no âmbito de execução fiscal. STJ. 1ª Turma. HC 453.870-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25/06/2019 (Info 654). 

Em resumo: É possível, em tese, a aplicação das medidas executivas atípicas (ex: suspensão do passaporte e da CNH)? 

• Nas execuções e cumprimentos de sentença comuns: SIM 

• Nas ações de improbidade administrativa: SIM 

• Na execução fiscal: NÃO

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