20 de junho de 2021

Não gera direito à indenização a publicação de artigos de caráter informativo e opinativo que, apesar de serem extremamente ácidos e irônicos, não desbordaram os limites do exercício regular da liberdade de expressão

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-696-stj.pdf


RESPONSABILIDADE CIVIL - Não gera direito à indenização a publicação de artigos de caráter informativo e opinativo que, apesar de serem extremamente ácidos e irônicos, não desbordaram os limites do exercício regular da liberdade de expressão 

Não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada. Pessoas públicas estão submetidas à exposição de sua vida e de sua personalidade e, por conseguinte, são obrigadas a tolerar críticas que, para o cidadão comum, poderiam significar uma séria lesão à honra. Assim, a crítica a pessoas públicas somente pode gerar responsabilidade civil em situações nas quais é imputada, injustamente e sem a necessária diligência, a prática de atos concretos que resvalem na criminalidade. STJ. 5ª Turma. REsp 1.729.550-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/05/2021 (Info 696). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

O jornalista Leonardo escreveu alguns artigos publicados no site “Brasil 247” nos quais faz críticas a Mário, outro conhecido jornalista. Mário ajuizou ação de indenização por danos morais contra Leonardo e a empresa proprietária do site. Na ação, o autor afirmou que os demandados, em diversas matérias e notas, extrapolaram o exercício do jornalismo crítico, ao divulgarem informações inverídicas e desprovidas de interesse público, o que evidenciaria a intenção de macular a sua honra e a sua imagem. O juiz julgou parcialmente procedente a pretensão autoral, condenando os réus, solidariamente, ao pagamento de R$ 40 mil a título de danos morais. O Tribunal de Justiça manteve a condenação. Os condenados interpuseram recurso especial. 

O que decidiu o STJ? A condenação foi mantida? NÃO. O STJ afirmou que: 

Não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada. STJ. 5ª Turma. REsp 1.729.550-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/05/2021 (Info 696). 

Conflito aparente entre direitos fundamentais 

O caso analisado pelo STJ trata sobre o conflito aparente entre direitos fundamentais, consagrados na Constituição Federal de 1988 e regulamentados pela legislação infraconstitucional, quais sejam: 

• a liberdade de imprensa, corolário da liberdade de informação e da liberdade de manifestação do pensamento; e 

• os direitos da personalidade, como a privacidade, a honra e a imagem, envolvendo em ambos os polos da ação experientes jornalistas. 

Liberdade (direito) de informação é o mesmo que liberdade de expressão? 

A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) trata ambas conjuntamente. No entanto, no Brasil, alguns autores estabelecem distinções: 

• liberdade de informação: diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado; 

• liberdade de expressão destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano. 

É possível extrair um ponto relevante de distinção entre liberdade de informação e liberdade de expressão: no exercício do direito de informação não é possível prescindir-se da verdade. (BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Disponível em: ). 

O exercício do direito de informar apenas será digno de proteção quando presente o requisito interno da verdade, revelado quando a informação conferir ciência da realidade. Assim, o direito de informar não serve como garantia para a propagação de informações falsas. 

Verdade subjetiva 

Vale ressaltar, contudo, que não se exige, para a proteção do direito de informar, que se busque uma “verdade absoluta”. O direito de informar é protegido desde que estejamos diante da chamada “verdade subjetiva”. Podemos falar que só existe a “verdade subjetiva” quando se constata a diligência do informador, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos. Assim, para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão de falsidade. 

Veracidade do fato 

A “veracidade do fato” significa um compromisso ético com a informação verossímil - o que pode, eventualmente, abranger algumas informações não totalmente precisas. Por outro lado, o requisito da verdade não subordina o direito de expressão (em sentido estrito), que consiste na liberdade básica de expressar qualquer manifestação do pensamento humano, tais como ideias, opiniões, críticas e crenças. O direito de expressão consiste no poder de se manifestar favorável ou contrariamente a uma ideia, mediante a realização de juízo de valor e de crítica, garantindo-se a participação efetiva dos cidadãos na condução dos assuntos públicos do país. 

Liberdade de imprensa (ou liberdade de informação jornalística) 

A liberdade de imprensa constitui modalidade qualificada das liberdades de informação e de expressão; por meio dela, assegura-se a transmissão das informações e dos juízos de valor pelos jornalistas ou profissionais integrantes dos veículos de comunicação social de massa, notadamente emissoras de rádio e de televisão, editoras de jornais e provedores de notícias na internet. Para o STJ, a liberdade de imprensa subdivide-se em: a) o “direito de informar” e o “direito de buscar a informação” (ambos decorrentes da liberdade de informação que, como pontuado, tem compromisso com a verdade ainda que subjetiva); e b) o “direito de opinar” e o “direito de criticar”, que refletem a liberdade de expressão em sentido estrito. 

Liberdade de imprensa não é um direito absoluto 

Por mais que seja livre a divulgação de informações, conhecimento ou ideias, esse direito não é absoluto ou ilimitado, sendo possível a responsabilização pelo abuso constatado quando, a pretexto de se expressar o pensamento, são afrontados os direitos da personalidade, com lesão à dignidade de outras pessoas. Nesses casos, o ordenamento jurídico prevê a responsabilização cível e criminal pelo conteúdo difundido, além do direito de resposta. 

Pessoas públicas são obrigadas a tolerar críticas 

Nessa linha de raciocínio, não se pode esquecer que, além do requisito da “verdade subjetiva” - consubstanciado no dever de diligência na apuração dos fatos narrados (ou seja, o compromisso ético com a informação verossímil) -, a existência de interesse público também constitui limite genérico ao exercício da liberdade de imprensa (corolária dos direitos de informação e de expressão). Pessoas públicas estão submetidas à exposição de sua vida e de sua personalidade e, por conseguinte, são obrigadas a tolerar críticas que, para o cidadão comum, poderiam significar uma séria lesão à honra. Assim, a crítica a pessoas públicas somente pode gerar responsabilidade civil em situações nas quais é imputada, injustamente e sem a necessária diligência, a prática de atos concretos que resvalem na criminalidade. 

Conclusão 

Nesse contexto, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada. 

Análise do caso concreto 

No exame dos autos, o STJ entendeu que não ficou caracterizado o alegado animus injuriandi vel diffamandi (intenção de injuriar ou difamar) dos réus. O que houve foi apenas animus narrandi e animus criticandi, tendo em vista o caráter informativo e opinativo dos artigos que, apesar de serem extremamente ácidos e irônicos, não desbordaram os limites do exercício regular da liberdade de expressão — em sentido lato — compreendida na informação, na opinião e na crítica jornalística.

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