19 de julho de 2021

DIREITOS REAIS (CONDOMÍNIO COMUM) - No exercício do direito de preferência legal, é possível que o condômino contraia um empréstimo para o cumprimento do requisito de depósito do preço do bem

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-698-stj-1.pdf


DIREITOS REAIS (CONDOMÍNIO COMUM) - No exercício do direito de preferência legal, é possível que o condômino contraia um empréstimo para o cumprimento do requisito de depósito do preço do bem 

O art. 504 do CC enumera taxativamente os requisitos necessários para o exercício do direito de preferência: a) a indivisibilidade da coisa; b) a ausência de prévia ciência, pelo condômino preterido, acerca da venda realizada a estranho; c) o depósito do preço, que deve ser idêntico àquele que fora pago pelo estranho na aquisição; e d) a observância do prazo decadencial de 180 dias. O fato de o condômino tomar um empréstimo para cumprir o requisito de depósito do preço do bem, por si só, não é suficiente para a configuração de abuso de direito. A origem do dinheiro utilizado para o depósito do preço do bem não tem qualquer relevância para o exercício do direito de preferência. É possível, portanto, que o montante necessário seja obtido pelo condômino através de empréstimo. A declaração de nulidade do negócio jurídico por simulação não pode se fundamentar apenas em deduções ou suspeitas. No empréstimo, a comprovação de renda ou a prestação de garantia são faculdades do mutuário. A não exigência de garantias não é suficiente para a constatação da existência de simulação do negócio jurídico. Assim, tais fundamentos baseados na origem do depósito, no abuso de direito ou na simulação, não são hábeis a tolher o exercício do direito de preferência do condômino. STJ. 3ª Turma. REsp 1.875.223-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/05/2021 (Info 698). 

Condomínio comum 

Condomínio consiste na copropriedade exercida sobre um mesmo bem. É o exercício simultâneo do direito de propriedade por duas ou mais pessoas sobre uma mesma coisa. 

Direito de preferência 

Se um dos condôminos de uma coisa indivisível decidir vender a sua parte, ele terá que, antes de efetivada a venda, dar ciência aos demais condôminos, os quais terão preferência na aquisição da quota, desde que assim requeiram, no prazo decadencial de 180 dias, depositando o preço equivalente àquele ofertado ao terceiro. Trata-se do direito de preferência, previsto no art. 504 do CC: 

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência. 

O direito de preferência é baseado na função social da propriedade, ou seja, o objetivo da norma foi o de estimular que a propriedade permaneça somente com os titulares originários, evitando desentendimentos com a entrada de um estranho no grupo. 

A partir de quando se inicia esse prazo de 180 dias? Inicia-se com a notificação feita pelo alienante ao outro condômino. 

E se não for feita essa notificação? Se não houver a notificação, o prazo decadencial do exercício do direito de preferência inicia-se com o registro da escritura pública de compra e venda da fração ideal da coisa comum indivisa. 

O prazo decadencial de 180 dias para o exercício do direito de preferência do condômino, previsto no art. 504 do CC, inicia-se com o registro da escritura pública de compra e venda da fração ideal da coisa comum indivisa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.628.478-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 03/11/2020 (Info 683). 

Requisitos do direito de preferência: 

1) a indivisibilidade da coisa; 2) a ausência de prévia ciência, pelo condômino preterido, acerca da venda realizada a estranho; 3) o depósito do preço, que deve ser idêntico àquele que fora pago pelo estranho na aquisição; e 4) a observância do prazo decadencial de 180 dias. 

Assim, cumpridos os requisitos exigidos pelo art. 504, CC, inclusive o depósito do preço, cria-se verdadeiro direito potestativo do condômino reivindicar a propriedade das demais frações ideais que haviam sido vendidas. 

Esse direito de preferência é o mesmo previsto nos arts. 513 a 520 do Código Civil? NÃO. O direito de preferência ou preempção, tratado nos arts. 513 a 520 do CC, é o contratual, ou seja, dependerá de um ajuste entre as partes. O direito de preferência objeto deste julgado é o direito de preferência legal, previsto no art. 504 do CC, não dependendo de qualquer contrato ou ajuste entre as partes. 

DIREITO DE PREFERÊNCIA LEGAL (art. 504 do CC) 

É o direito que o condômino tem de adquirir a fração ideal do outro condômino que deseje alienar sua fração ideal a terceiros. 

Recai sobre coisa indivisível em condomínio. 

Não depende de previsão contratual (decorre da lei). 

É um direito real. 

O condômino deve efetuar o pagamento e requerer para si a propriedade, no prazo de 180 dias. 

Caso o condômino não observe o dever de notificação, o condômino preterido deverá propor uma ação anulatória. 

Por ser um direito real, transmite-se aos herdeiros junto com a coisa. 


DIREITO DE PREFERÊNCIA CONTRATUAL (arts. 513 a 520 do CC) 


É uma cláusula contratual que obriga o comprador a oferecer ao vendedor a coisa, caso resolva aliená-la no futuro a terceiro. 

Recai sobre qualquer coisa alienável. 

Depende de previsão contratual (é uma expressão da autonomia privada). 

É um direito contratual. Caso a cláusula esteja registrada, terá oponibilidade erga omnes. 

As partes poderão ajustar os prazos. Todavia, o prazo máximo de vigência da cláusula será de: - 180 dias para móveis - 2 anos para imóveis Já o prazo para responder à notificação (ou seja, para requerer para si a propriedade), não havendo previsão contratual, será de: - 3 dias para móveis - 60 dias para imóveis; 

Caso o comprador venda o bem sem ter dado ciência ao vendedor, este poderá ajuizar ação indenizatória, requerendo o pagamento das perdas e danos. 

Por ser um direito obrigacional personalíssimo, não se pode ceder nem passa aos herdeiros. 


Feita esta necessária revisão sobre o tema, imagine a seguinte situação hipotética: 

João e Regina viviam em união estável há mais de 40 anos. João tinha dois filhos (Joaquim e José), que não eram filhos de Regina. João faleceu e deixou uma fazenda como único bem a ser partilhado. Assim, os três herdeiros (Regina, Joaquim e José) viraram proprietários da fazenda, cada um possuindo 1/3 da fração ideal do bem. Desse modo, no caso concreto, existe um condomínio comum. 

Alienação do imóvel 

Joaquim e José, mesmo sabendo da existência da união estável, alienaram a fazenda por R$ 300 mil, para a empresa ABC Ltda., sem dar ciência a Regina. Regina resolveu exercer seu direito de preferência, dentro do prazo de 180 dias, conforme autoriza o art. 504 do Código Civil. Como Regina não tinha R$ 300 mil, ela tomou emprestado o dinheiro com uma incorporadora imobiliária. Com a quantia na conta, ela fez depósito do preço do bem. Os demais coproprietários alegaram que o contrato de empréstimo firmado entre Regina e a incorporadora imobiliária teria sido uma simulação. Isso porque Regina não possuía patrimônio suficiente e a empresa não exigiu qualquer garantia ou comprovação da renda. Assim, haveria suspeitas da realização do negócio simulado e abuso de direito no exercício do direito de preferência. 

É possível a tomada de empréstimo para o cumprimento do requisito do depósito do preço para o exercício do direito de preferência? 

SIM. O simples fato da coproprietária tomar um empréstimo para o depósito do valor não é apto, por si só, a configurar o abuso de direito. É irrelevante a origem do dinheiro para o depósito exigido no direito de preferência. De acordo com o STJ, não se podem admitir deduções ou suspeitas como ensejadoras de nulidade do negócio jurídico. A exigência de comprovação da renda ou a prestação de garantia é uma faculdade do mutuário. O fato de ser concedido um empréstimo sem comprovação da renda ou sem a prestação de garantia, por si só, não é suficiente para se considerar o negócio jurídico simulado ou a existência de abuso de direito. 

Irrelevância da origem do depósito 

O STJ considerou, ainda, que não tem relevância a discussão a respeito da origem do depósito do preço. O art. 504 do CC exige apenas que o condômino preterido realize o depósito do preço da coisa. Não se faz qualquer menção a respeito da origem do dinheiro. Portanto, é plenamente possível a tomada de empréstimo para o cumprimento do requisito do depósito do preço, não se configurando abuso de direito. 

Boa-fé 

Apesar de os coproprietários terem argumentado que houve abuso de direito por parte de Regina, o STJ entendeu que, na verdade, quem agiu de má-fé foram os herdeiros que alienaram o imóvel. Joaquim e José tinham pleno conhecimento da união estável de Regina com João, tanto pela longa duração da relação, como pela existência da sentença reconhecendo a união estável. Mesmo assim, eles alienaram totalmente o imóvel, sem respeitar o direito de preferência, e sem respeitar a fração ideal de propriedade da condômina. 

Em suma: 

O exercício do direito de preferência, previsto no art. 504 do CC, exige a observância dos seguintes requisitos: 1) a indivisibilidade da coisa; 2) a ausência de prévia ciência, pelo condômino preterido, acerca da venda realizada a estranho; 3) o depósito do preço, que deve ser idêntico àquele que fora pago pelo estranho na aquisição; e 4) a observância do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias. O fato de o condômino tomar um empréstimo para cumprir o requisito de depósito do preço do bem, por si só, não é suficiente para a configuração de abuso de direito. A origem do depósito do preço do bem não tem relevância para o cumprimento do requisito previsto no art. 504 do CC. É possível, portanto, que o montante necessário seja obtido pelo condômino através de empréstimo. Ademais, a declaração de nulidade do negócio jurídico por simulação não pode se fundamentar apenas em deduções ou suspeitas. No empréstimo, a comprovação de renda ou a prestação de garantia são faculdades do mutuário. A não exigência de garantias não é suficiente para a constatação da existência de simulação do negócio jurídico. Assim, tais fundamentos baseados na origem do depósito, no abuso de direito ou na simulação, não são suficientes para tolher o exercício do direito de preferência do condômino. STJ. 3ª Turma. REsp 1.875.223-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/05/2021 (Info 698). 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES 

Caso Joaquim tivesse vendido sua fração ideal para José, e não para um terceiro, Regina, ainda assim, poderia exercer o direito de preferência? NÃO. O direito de preferência previsto no art. 504 do CC aplica-se ao contrato de compra e venda celebrado entre condômino e terceiro, e não àquele ajustado entre condôminos. STJ. 4ª Turma. REsp 1.137.176-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 16/2/2016 (Info 577). 

A literalidade do art. 504 demonstra que o direito de preferência deve ser observado somente nos casos em que o contrato de compra e venda seja celebrado entre o condômino e um estranho. Não se aplica, portanto, às hipóteses de venda entre os consortes (condôminos). O objetivo da norma foi o de estimular que a propriedade permaneça somente com os titulares originários, evitando desentendimentos com a entrada de um estranho no grupo. A alienação da fração ideal de um condômino para o outro não ofende a finalidade intrínseca do direito de preferência do art. 504 do CC, uma vez que não se tratará de hipótese de ingresso de terceiro/estranho à comunhão. Pelo contrário, serão mantidos os consortes, apenas com alterações no percentual da parte ideal daquele que adquiriu a parcela de outrem. 

Este direito de preferência do art. 504 do CC aplica-se também nos casos de condomínio edilício? Ex: em um prédio, se um dos moradores quiser vender seu apartamento, terá que oferecer primeiro aos demais condôminos? NÃO. A regra do art. 504 do CC aplica-se somente ao condomínio tradicional e não ao condomínio edilício. “Assim, um condômino em prédio de apartamentos não precisa dar preferência aos demais proprietários. Mas se a unidade pertencer também a outras pessoas, estas devem ser notificadas para exercer a preferência legal, pois instaurou-se, nesse caso, um condomínio tradicional dentro do horizontal” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 242).



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