19 de julho de 2021

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.663.952 - RJ: VOTO VENCIDO

 EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.663.952 - RJ (2020/0035662-1) RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO EMBARGANTE : DOMINGOS MATHEUS CHAVES DE CASTRO CORREA (PRESO) ADVOGADOS : JOSÉ MARCELO CARVALHO CORTES - RJ136776 ERIC FERREIRA PARAIZO - RJ224571 EMBARGADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO VOTO-VISTA A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de embargos de divergência em agravo em recurso especial interpostos por DOMINGOS MATHEUS CHAVES DE CASTRO CORREA, por meio do qual se pretende, em síntese, a uniformização do entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da situação jurídica caracterizada pela duplicidade de intimações da parte (pelo portal eletrônico e por publicação no Diário de Justiça Eletrônico – DJe) e sobre qual delas deverá prevalecer, sustentando o recorrente a tese de que há prevalência da intimação da parte pelo portal eletrônico em detrimento da publicação no DJe. Voto do e. Relator, Min. Raul Araújo: deu provimento aos embargos de divergência para reconhecer a tempestividade do recurso especial, ao fundamento de que, havendo duplicidade de intimações, deverá prevalecer a realizada no portal eletrônico (art. 5º, caput, da Lei nº 11.419/2006), o que, inclusive, encontraria recente amparo na regra do art. 272, caput, do CPC/15. Revisados os fatos, decide-se. 01) Como se depreende do voto do e. Relator, a questão de direito controvertida está situada em uma aparente antinomia entre duas regras contidas na Lei nº 11.419/2006 (arts. 4º, §2º, e 5º, caput), que assim dispõem, verbis: Art. 4º Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral. (...) §2º A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal. (...) Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico. 02) A tese segundo a qual, havendo duplicidade de intimações, deverá prevalecer aquela realizada pelo portal eletrônico também teria sido encampada pelo CPC/15, que, em seu art. 272, dispõe que “quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial”. 03) A respeito da controvérsia sobre qual deverá ser a intimação a prevalecer na hipótese de duplicidade, anote-se que existem três diferentes posicionamentos desta Corte, conforme amplo levantamento realizado pelo e. Relator em seu judicioso voto: (i) deverá prevalecer a intimação realizada no portal eletrônico; (ii) deverá prevalecer a intimação realizada por publicação no Diário de Justiça Eletrônico; (iii) deverá prevalecer a primeira intimação validamente realizada. 04) Ocorre que, se é verdade que a tese de que deverá prevalecer a intimação no Diário de Justiça Eletrônico está presente no acórdão embargado e a tese de que deverá prevalecer a intimação no portal eletrônico está presente nos acórdãos paradigmas, não é menos verdade que a tese de que deverá prevalecer a primeira intimação válida, independentemente de ser no portal ou no diário, não está presente nos acórdãos embargado e paradigma. 05) Daí decorre a necessidade de a Corte Especial definir, preliminarmente ao mérito, uma questão que, salvo melhor juízo, ainda não foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, a saber, se, em julgamento de embargos de divergência, é admissível a chamada decisão de terceira via, adotando-se uma tese jurídica diversa daquelas existentes nos acórdãos embargado e paradigma. 06) A esse respeito, sublinhe-se, inicialmente, que não se pode confundir a adoção de tese jurídica distinta das existentes nos acórdãos embargado e paradigma (decisão de terceira via) com a cognoscibilidade de questão jurídica nova e distinta daquela que é objeto dos embargos de divergência. 07) Com efeito, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, em embargos de divergência, “é vedado analisar qualquer outra questão que não tenha sido objeto de dissídio entre os acórdãos em cotejo”. (AgInt nos EREsp 1.368.018/DF, Corte Especial, DJe 27/02/2019), ainda que se trate de matéria de ordem pública e, como tal, conhecível de ofício (AgInt nos EREsp 1.482.089/PA, 2ª Seção, DJe 01/03/2019). 08) Entretanto, a hipótese em exame é substancialmente diferente da situação antes retratada, pois aqui não se introduzirá ao debate uma questão nova e não examinada nos acórdãos embargado e paradigma, mas, ao revés, apenas se examinará uma tese jurídica nova exatamente sobre a mesma questão que é objeto dos embargos de divergência. 09) Quanto ao ponto, lecionam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: Para a fixação da nova tese jurídica sobre matéria sobre a qual até então divergiam os órgãos fracionários do STF ou STJ, o tribunal poderá prestigiar um ou outro entendimento daqueles órgãos, ou ainda criar um novo entendimento com outros fundamentos. Por isso é que, nos EmbDiv, o tribunal, depois de afirmar a existência de divergência, fixará a nova tese jurídica e a aplicará ao caso concreto. É nisso que reside o comando previsto no CPC 1034, quando se refere a “aplicar o direito [à espécie]”, porque os EmbDiv são uma espécie de continuação do julgamento do RE e do REsp. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2.396/2.397). 10) No mesmo sentido é a lição de Pedro Miranda de Oliveira: Admitidos os embargos, o respectivo Tribunal Superior pode prestigiar o entendimento da decisão recorrida ou da decisão paradigma ou criar um novo entendimento com outros fundamentos. Ressalte-se: nos embargos de divergência, uma vez comprovado o dissídio, cabe ao órgão colegiado aplicar o direito à espécie, podendo chegar a conclusão diversa, independentemente das teses encontradas nos acórdãos em confronto. Afinal, o caput do art. 1.034 do CPC em vigor positiva a Súmula 456 do STF, cujo teor é o seguinte: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie”. (OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Comentários ao Novo Código de Processo Civil (Coords: Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer). Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1.549). 11) Dessa forma, se a função principal dos embargos de divergência é, na sempre precisa lição de José Carlos Barbosa Moreira, “propiciar a uniformização da jurisprudência interna do tribunal quanto à interpretação do direito em tese”, não faria sentido, data venia, uniformizar apenas a partir das teses ventiladas nos acórdãos embargado e paradigma, sem considerar tese efetivamente existente em precedentes da Corte, que se aplica à questão que se pretende pacificar e que somente não foi suscitada pela embargante porque não seria capaz de lhe trazer, concretamente, situação jurídica mais vantajosa. A uniformização da jurisprudência há de ser total e definitiva, não parcial e provisória. 12) Superada a questão relativa à possibilidade jurídica de prolação de uma decisão de terceira via em embargos de divergência, passa-se ao exame da matéria de fundo. 13) Nesse aspecto, é bem verdade que, após o detalhado exame dos arts. 4º, §2º, e 5º, ambos da Lei nº 11.419/2006, percebe-se que os referidos dispositivos tratam, na realidade, de questões distintas, de modo que sequer há antinomia entre eles. 14) Com efeito, é preciso lembrar que, antes da entrada em vigor da Lei nº 11.419/2006, as intimações das partes ocorriam mediante publicação em Diário de Justiça impresso, físico e confeccionado em papel, salvo as hipóteses em que se exigia a intimação pessoal. 15) É nesse contexto que se insere a então novidade constante do art. 4º, caput, que prevê a possibilidade de criação de um Diário de Justiça eletrônico, a ser inserido no sítio eletrônico do respectivo Tribunal na internet e que, na forma do art. 4, §2º, substituirá qualquer outro meio e publicação oficial (isto é, substituirá as publicações impressas), salvo as hipóteses em que se mantém a exigência de intimação pessoal. 16) Em síntese, o art. 4º, caput e §§, da Lei nº 11.419/2006, disciplina tão somente as intimações em Diário de Justiça, promovendo apenas a necessária transição de um modelo impresso e físico (Diário de Justiça em papel) para um modelo eletrônico (Diário de Justiça em um arquivo situado na página do Tribunal na internet). 17) Paralelamente a isso, a Lei nº 11.419/2006 instituiu também, em seu art. 5º, caput e §§, a possibilidade de promover as intimações das partes de outro modo, distinto do Diário de Justiça (eletrônico ou impresso), que são as chamadas intimações eletrônicas. 18) Por intermédio dessa ferramenta, que pode ou não ser adotada pelos Tribunais, deverá o patrono da parte realizar um cadastramento em uma determinado portal/plataforma que será utilizada não apenas para consulta processual e para o peticionamento eletrônico, mas também para que sejam efetivadas as suas próprias intimações de atos processuais, dispensando-se, nessa hipótese, a publicação no Diário de Justiça eletrônico referido no art. 4º, caput e §§, da Lei nº 11.419/2006. 19) Para melhor elucidar a questão, observe-se que, ainda hoje, na Justiça Estadual de São Paulo (que adota a plataforma denominada e-SAJ), o patrono da parte realiza consultas processuais e peticionamentos na plataforma, mas não há intimações eletrônicas, que ocorrem mediante publicação no Diário de Justiça eletrônico, na forma do art. 4º, caput e §§, da Lei nº 11.419/2006. 20) De outro lado, na Justiça Estadual do Paraná (que adota a plataforma denominada ProJudi), o patrono da parte realiza consultas processuais, peticionamentos e também é intimado eletronicamente, de modo a dispensar a publicação no Diário de Justiça eletrônico, nos termos do art. 5º, caput e §§, da Lei nº 11.419/2006. 21) Diante desse cenário, examinando-se estritamente o modelo desenvolvido pelo legislador, não há que se falar em antinomia entre as regras, pois, em regra, ou deveria haver a publicação no Diário de Justiça eletrônico disponível no sítio do Tribunal na internet (sem a intimação eletrônica na plataforma) ou deveria haver a intimação eletrônica na plataforma disponibilizada pelo Tribunal e na qual o patrono se cadastrou (sem a publicação no Diário de Justiça eletrônico). 22) Conquanto não haja, do ponto de vista estritamente jurídico, espaço para a sobreposição das regras, fato é que há Tribunais, especialmente aqueles que adotam o modelo de intimações eletrônicas na plataforma, que também intimam as partes mediante publicação no Diário de Justiça eletrônico, gerando o fenômeno da duplicidade de intimações que propõe o e. Relator seja resolvido no sentido de sempre fazer prevalecer àquela realizada na plataforma a que se refere o art. 5º, caput e §§, da Lei nº 11.419/2006. 23) Todavia, a questão controvertida não consiste apenas na identificação acerca de qual é o sistema de intimação a ser observado em cada situação, mas, ao revés, consiste em verificar se obrigatoriamente deverá haver uma relação de prevalência e de exclusão absoluta entre eles, do que decorre a necessidade de investigar se o uso inadequado de um dos sistemas acarretaria, sempre, uma nulidade da intimação efetivada sem a observância das prescrições legais. 24) Nesse contexto, é importante destacar, de início, que as legislações processuais modernas tem se preocupado menos com a forma do ato processual e mais com a investigação sobre ter sido atingido o objetivo pretendido pelo ato processual defeituosamente produzido. Diz-se que “não se prestigia, portanto, a forma pela forma, mas o fim atingido pelo ato”, razão pela qual “a desobediência às formalidades estabelecidas na legislação processual só pode acarretar o reconhecimento da invalidade do ato quando a sua finalidade estiver comprometida em virtude do vício verificado, trazendo prejuízo a qualquer das partes da relação processual” (AgRg no HC 560.741/RS, 6ª Turma, DJe 19/05/2020).  25) No âmbito da legislação processual civil, por exemplo, é correto afirmar que não vigora o princípio da tipicidade das formas, de maior rigidez, mas, sim, o princípio da liberdade das formas, como destacam Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr.: 1. Liberdade das formas. Vigora o princípio da liberdade das formas dos atos processuais, sua atipicidade, como expressa o art. 188 deste Código: “Os atos e termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”. Pela disciplina legal é mais importante o atingimento pelo ato do objetivo para o qual predestinado do que a propriamente a forma de sua exteriorização. Importa mais que o projétil (ato) acerte o alvo (objetivo) do que sua eventual trajetória. Logo, o para quê do ato processual condiciona o quê processual. O fim que inspira o ato processual serve-lhe para condicionar sua forma. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2015. p. 718). 26) Essa atipicidade formal, como regra, do direito processual fica mais evidente quando se verifica que o legislador conferiu às partes o poder de flexibilizar formalidades convencionalmente (art. 190 do CPC/15), concedeu ao juiz o poder de flexibilizar formalidades relacionadas aos prazos e à ordem de produção de provas unilateralmente (art. 139, VI, do CPC/15) e concedeu às partes e ao juiz, conjuntamente, o poder de flexibilizar formalidades para calendarizar a prática de atos processuais (art. 191 do CPC/15). 27) A mudança de parâmetro quanto às formas processuais é tamanha que, especificamente quanto às intimações, há a possibilidade de o advogado intimar o advogado da outra parte acerca de um ato processual pelos correios (art. 269, §1º, do CPC/15), novidade de aplicabilidade prática discutível, mas que bem representa esse novo paradigma. 28) De outro lado, anote-se que nem mesmo a ressalva que indicava a possibilidade de convalidação somente dos defeitos de menor gravidade (art. 244 do CPC/73) foi mantida na legislação processual vigente, pois o art. 277 do CPC/15 prevê serem suscetíveis de convalidação quaisquer vícios, independentemente de sua gravidade, desde que a alcançada a finalidade buscada pelo ato processual: CPC/73 – Art. 244 CPC/15 – Art. 277 Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, Ihe alcançar a finalidade. Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. 29) Quanto ao ponto, leciona Antonio do Passo Cabral: Outro dado que entendo relevante mencionar é a importante alteração empreendida pelo art. 277 do CPC/2015 em relação ao art. 244 do CPC/1973. Este dizia que “quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”. Por causa da expressão “sem cominação de nulidade”, entendia-se predominantemente que a regra da instrumentalidade (ou da finalidade) não se aplicaria às nulidades ditas cominadas, e por consequência às absolutas. Pois o art. 277 do novo CPC mudou a regra, suprimindo a expressão “sem cominação de nulidade”. Portanto, a nós parece que a evidente intenção do legislador foi estender a instrumentalidade para qualquer tipo de vício, mesmo aqueles que poderiam, no sistema anterior, levar às nulidades absolutas. Endosso as lições do Prof. José Roberto Bedaque, em tese de titularidade apresentada nesta Faculdade [Universidade de São Paulo], quando já no sistema do CPC/1973 defendera que deveria ser aplicada a instrumentalidade mesmo em casos de nulidades absolutas e cominadas. (CABRAL, Antonio do Passo. Teoria das nulidades processuais no direito contemporâneo in Revista de Processo: RePro, ano 41, vol. 255, São Paulo: Revista dos Tribunais, maio 2016, p. 136/137). 30) Disso decorre a necessidade de se compreender o sistema de nulidades a partir de novos e diferentes pressupostos, a saber: (i) a regra é a liberdade de formas; (ii) a exceção é a necessidade de uma forma prevista em lei; (iii) a inobservância de forma, ainda que grave, pode ser sempre relevada se o ato alcançar a sua finalidade. 31) Assim, é apenas preciso investigar, na hipótese, somente se a intimação da parte de modo distinto ao previsto em lei é válida, caso em que, havendo duplicidade, ela será considerada para fins de cômputo dos prazos processuais, ou se é nula, caso em que, havendo duplicidade, somente a intimação realizada na forma prescrita em lei servirá para fins de cômputo dos prazos processuais. 32) A esse respeito, sublinhe-se que o núcleo essencial da intimação é a ciência pelos destinatários acerca do conteúdo do ato processual que se pretende seja comunicado. Por isso, é imprescindível que se certifique, em primeiro lugar, que a informação foi efetivamente entregue ao receptor e que seu conteúdo é límpido e inteligível, de modo a não suscitar dúvida sobre qual ato ou providência deverá ser adotada a partir da ciência e no prazo fixado em lei ou pelo juiz. 33) Perceba-se que, ao mesmo tempo em que privilegia o princípio da liberdade das formas, a legislação determina que a comunicação dos atos e termos do processo deverá, em algumas hipóteses, ocorrer de uma forma específica (como, por exemplo, quando se confere a um determinado ente a prerrogativa de ser cientificado pessoalmente). 34) A lógica subjacente às regras especiais de comunicação dos atos processuais não é outra senão tentar garantir, com a maior acuracidade possível, que a finalidade do ato seja alcançada, a saber, dar ciência plena e inequívoca acerca da decisão judicial. 35) É evidente que, para que essa comunicação seja realmente eficaz e cumpra sua finalidade, determinados elementos formais são imprescindíveis, porque são aptos a certificar a própria existência da ciência inequívoca, de modo que a ausência desses elementos acarreta a nulidade da comunicação e, em se tratando especificamente da intimação das partes na pessoa de seus advogados, é iterativa a jurisprudência desta Corte no sentido de que a nulidade somente deve ser decretada se o defeito efetivamente impedir a ciência. 36) Daí porque já se decidiu ser válida a intimação quando correto o nome da parte, o número do processo e o número da inscrição na OAB, mas não integralmente indicados o segundo nome e o sobrenome do advogado (AgInt no AgRg no AREsp 481.059/BA, 4ª Turma, DJe 16/05/2018). 37) De igual modo, há precedentes desta Corte no sentido de que o erro de grafia no sobrenome do advogado não resulta em nulidade da intimação realizada se todos os demais elementos identificadores estão corretos (EDcl no AgRg no AREsp 410.962/SP, 3ª Turma, DJe 12/12/2014, AgRg no AREsp 652.823/SP, 4ª Turma, DJe 27/11/2019 e AgInt nos EDcl no AREsp 1.026.648/DF, 1ª Turma, DJe 06/10/2017). 38) Ademais, há tese repetitiva fixada no julgamento dos temas 285 e 286, no sentido de que “a ausência ou o equívoco quanto ao número da inscrição do advogado na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB não gera nulidade da intimação da sentença, máxime quando corretamente publicados os nomes das partes e respectivos patronos, informações suficientes para a identificação da demanda” (REsp 1.131.805/SC, Corte Especial, DJe 08/04/2010). 39) Se as intimações defeituosas quanto aos seus elementos identificadores deverão ser reputadas válidas se não houver o comprometimento do núcleo essencial da comunicação, que é a ciência inequívoca pelo receptor, com muito mais razão será válida a intimação hígida quanto aos seus elementos identificadores, que fora veiculada em meio oficial (Diário de Justiça eletrônico) somente distinto daquele que a lei dizia ser o mais apropriado, pois igualmente inexistente o comprometimento da ciência inequívoca pelo receptor. 40) Especificamente quanto ao ponto, não se poderia cogitar, como de fato não se cogita nos embargos de divergência, que a parte não teria sido regularmente cientificada da decisão pela publicação no Diário de Justiça eletrônico (o que poderia dar azo à discussão sobre a eventual invalidade da intimação), mas, ao revés, apenas se pretende a decretação da nulidade pelo simples fato de que a via adequada seria a intimação pelo portal eletrônico, que somente fora posteriormente realizada. 41) De toda forma, cabe afastar, de antemão, eventuais argumentações nesse sentido, inclusive aquelas porventura existentes em outros processos, na medida em que é dever do advogado, absolutamente ínsito à profissão, acompanhar diariamente as publicações efetivadas em seu nome no Diário de Justiça eletrônico nas comarcas, estados e regiões em que atua. 42) A propósito, ressalte-se que essa tarefa essencial se torna particularmente mais simples quando se verifica que o serviço de leitura informatizada de intimações, ferramenta imprescindível à atividade advocatícia, é prestado por centenas de empresas no Brasil e é oferecido, inclusive gratuitamente, por algumas Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil. 43) Diante desse cenário, não há que se falar em prejuízo pelo simples fato de a intimação, que deveria ocorrer no portal eletrônico, ter sido efetivada no Diário de Justiça eletrônico. 44) Sublinhe-se que descabe objetar a conclusão de ausência de prejuízo ao fundamento de que a intempestividade recursal seria a própria constatação de sua ocorrência. 45) Com efeito, o exame sobre a ocorrência de prejuízo deve se circunscrever apenas ao ato de intimação e à sua validade, devendo-se perquirir somente se a intimação efetivada por meio oficial distinto daquele previsto em lei impediu a ciência inequívoca da decisão pela parte. Se o defeito houvesse impedido a ciência, a intimação seria nula apenas se intempestivo o recurso, mas seria válida se o recurso houvesse sido interposto tempestivamente. 46) Na hipótese, todavia, a questão controvertida está situada em campo distinto, pois a parte foi inequivocamente cientificada da decisão, razão pela qual é irrelevante a consequência jurídica da inobservância do prazo para o qual foi validamente intimada. 47) Finalmente, é preciso destacar que velhos problemas, mas em novas roupagens, nem sempre exigirão soluções inovadoras e distantes da nossa história e de nossos próprios precedentes. 48) Esta Corte, examinando a hipótese em que as partes foram intimadas pessoalmente de uma sentença por duas vezes, a primeira lavrada manuscritamente pelo juiz e a segunda após a sua datilografia, consignou ser válida a primeira intimação realizada, contando-se a partir dela o respectivo prazo (REsp 294.209/BA, 1ª Turma, DJe 22/10/2001). 49) Também esta Corte, examinando a hipótese em que um procurador autárquico foi intimado de uma decisão por duas vezes, a primeira pessoalmente e a segunda por publicação no Diário de Justiça, concluiu ser válida a primeira intimação realizada, contando-se a partir dela o respectivo prazo (AgRg no REsp 334.189/RS, 6ª Turma, DJe 01/07/2005). 50) Igualmente esta Corte, examinando a hipótese em que uma autarquia foi intimada de uma decisão por duas vezes, a primeira pessoalmente e a segunda por publicação no Diário de Justiça, concluiu ser válida a primeira intimação realizada, contando-se a partir dela o respectivo prazo (EDcl no REsp 1.296.420/PB, 2ª Turma, DJe 05/05/2014). 51) Tratando de hipóteses de intimações pessoais da parte e de posteriores intimações de seus advogados por publicação no Diário de Justiça, esta Corte compreendeu ser válida a primeira intimação realizada, contando-se a partir dela o respectivo prazo (AgInt no REsp 1.768.740/PE, 2ª Turma, DJe 27/11/2019 e AgRg no AgRg no REsp 1.536.847/PB, 2ª Turma, DJe 13/11/2015). 52) Em comum entre todos os precedentes acima mencionados, há o reconhecimento: (i) da prática de atos de intimação que, por diferentes modos, foram defeituosos; (i i) que os defeitos não impediram a ciência inequívoca pelo receptor da informação, a parte ou seu advogado; (iii) que alcançada a finalidade das intimações, que é a ciência da parte ou de seu advogado, o ato é válido e não há decretação de nulidade. 53) Extraídas as rationes decidendi dos mencionados precedentes, não há, a meu juízo e respeitosamente, nenhuma razão para que não se adote a mesma solução jurídica na hipótese em exame, eis que presentes exatamente as mesmas circunstâncias que ensejaram a formação do referido modo de pensar desta Corte. 54) Forte nessas razões, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO aos embargos de divergência por fundamentação distinta da existente nos acórdãos embargado e paradigma, fixando a tese de que, havendo duplicidade de intimações (no portal eletrônico e no Diário de Justiça eletrônico), deverá prevalecer aquela que for primeiramente efetivada de forma válida.

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