21 de agosto de 2021

Os créditos decorrentes de contratos a termo de moeda submetem-se aos efeitos da recuperação judicial, ainda que seus vencimentos ocorram após o deferimento do pedido de soerguimento

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-700-stj.pdf

 

RECUPERAÇÃO JUDICIAL - Os créditos decorrentes de contratos a termo de moeda submetem-se aos efeitos da recuperação judicial, ainda que seus vencimentos ocorram após o deferimento do pedido de soerguimento 

Exemplo: em 02/02/2017, a sociedade empresária Fertilizantes Heringer S/A celebrou com o Banco do Brasil um contrato a termo de moeda. Em 15/03/2017, ou seja, logo depois da celebração desse contrato, a Fertilizantes Heringer S/A ingressou com pedido de recuperação judicial. Em 02/05/2017, depois de deferido o pedido de recuperação judicial, ocorreu o vencimento do contrato a termo de moeda e isso resultou um crédito de R$ 1 milhão em favor da instituição financeira. Esse crédito está sujeito aos efeitos da recuperação judicial mesmo que seu vencimento tenha ocorrido após o deferimento do pedido de recuperação. O contrato a termo de moeda, espécie de instrumento derivativo, possibilita proteção de riscos de mercado decorrentes da variação cambial. Por meio dele, assume-se a obrigação de pagar a quantia correspondente à diferença resultante entre a taxa de câmbio contratada e a taxa de mercado da data futura estabelecida na avença. A existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica estabelecida entre credor e devedor, devendo-se levar em conta, para sua aferição, a ocorrência do respectivo fato gerador, isto é, a data da fonte da obrigação. A fonte (fato gerador) da obrigação de pagar a quantia que vier a ser liquidada na data do vencimento do contrato a termo de moeda é o próprio contrato firmado com a instituição bancária. A oscilação do parâmetro financeiro (taxa de câmbio) constitui evento previsto e traduz risco deliberadamente assumido pelas partes, não sendo ela, todavia, a fonte da obrigação. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1.924.161-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/06/2021 (Info 700). 

Recuperação judicial 

A recuperação judicial consiste em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. 

Fases da recuperação 

De forma resumida, a recuperação judicial possui 3 fases: 

a) Postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; 

b) Processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; 

c) Execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. 

Plano de recuperação 

Em até 60 dias após o despacho de processamento da recuperação judicial, o devedor deverá apresentar em juízo um plano de recuperação da empresa, sob pena de convolação (conversão) do processo de recuperação em falência. Este plano deverá conter: 

• discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados (art. 50);

• demonstração de sua viabilidade econômica; e 

• laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. 

Habilitação dos créditos 

Depois que a recuperação judicial é decretada, ocorre a habilitação dos créditos que deverão ser pagos pela empresa recuperanda. Assim, as pessoas que tiverem créditos para receber da empresa em recuperação deverão apresentá-los ao administrador judicial, na forma do art. 9º da Lei nº 11.101/2005. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética adaptada: 

A sociedade empresária Fertilizantes Heringer S/A celebrou com o Banco do Brasil um contrato a termo de moeda. 

O que é o contrato a termo de moeda (non-deliverable forward – NDF)? 

O contrato a termo de moeda é um ajuste que tem por objetivo estabelecer, antecipadamente, a taxa cambial que será adotada para uma data futura. Na data do vencimento da obrigação, a liquidação será feita pela diferença entre a taxa a termo contratada e a taxa de mercado definida como referência. Trata-se de espécie do gênero contrato derivativo, que pode ser definido, segundo Rachel Sztajn como sendo o “contrato que tem como substrato um outro contrato, ativo ou posição financeira sujeito ao risco de flutuação de preço, que precisa ser enfrentado para que se possa acrescer algum benefício aos contratantes” (Futuros e swaps: uma visão jurídica. São Paulo: Cultural Paulista, 1999, p. 215). O contrato a termo de moeda (non-deliverable forward – NDF) se caracteriza como um contrato derivativo cuja negociação não envolve entrega física de moeda estrangeira, isto é, possui apenas liquidação financeira em Real, a qual é realizada pela diferença entre a taxa a termo contratada e a taxa de mercado. Essa taxa de mercado, no caso do câmbio, é a PTAX (divulgada pelo Banco Central) do dia útil anterior ao do vencimento. 

Exemplo de NDF 

Um importador precisa pagar uma dívida de 500 mil dólares daqui a 60 dias. O preço atual do dólar está em R$ 5,00, mas o importador teme que o dólar dispare e que daqui a 60 dias esteja bem mais alto. Ele, então, celebra um NDF com o banco, “travando” a cotação em R$ 5,00. Se a cotação da moeda estrangeira estiver em R$ 5,25 no vencimento, o importador terá uma dívida maior, em Reais em face do vendedor daqueles produtos. Todavia, como firmou contrato a termo de moeda, receberá essa diferença da instituição financeira, desembolsando ao final, portanto, o mesmo valor que desembolsaria caso o Dólar estivesse no mesmo patamar da taxa acordada (R$5,00). Por outro lado, se a cotação estiver mais baixa na data do vencimento, sua dívida em relação ao vendedor, denominada em Reais, será menor, mas, em contrapartida, deverá pagar a diferença relativa à taxa de câmbio ao banco contratado. Conforme se depreende do exemplo, não ocorre desembolso de numerário quando da contratação do NDF, uma vez que o ajuste e a apuração do resultado (positivo ou negativo) são diferidos para a data de vencimento ou de liquidação, quando, enfim, deverão ser pagos ou recebidos, pela instituição financeira, os valores correspondentes à diferença da taxa de câmbio. Disso se pode concluir que, à época em que tais contratos são celebrados, além da ausência de definição do valor pelo qual serão liquidadas as obrigações assumidas, também inexiste determinação de quem será o beneficiado pelo ajuste a ser efetivado, haja vista que o resultado das operações NDF está vinculado diretamente à taxa de câmbio futura. 

Voltando ao caso hipotético: 

Em 02/02/2017, a sociedade empresária Fertilizantes Heringer S/A celebrou com o Banco do Brasil um contrato a termo de moeda. Em 15/03/2017, ou seja, logo depois da celebração desse contrato, a Fertilizantes Heringer S/A ingressou com pedido de recuperação judicial. Em 02/05/2017, depois de deferido o pedido de recuperação judicial, ocorreu o vencimento do contrato a termo de moeda e isso resultou um crédito de R$ 1 milhão em favor da instituição financeira. O administrador judicial afirmou que esse crédito seria extraconcursal e que não estaria sujeito aos efeitos do processo de recuperação judicial. Isso porque o fato gerador do crédito seria a liquidação da obrigação, que ocorreu em 02/05/2017, ou seja, após o pedido de recuperação. O fundamento invocado pelo administrador judicial foi o art. 49 da Lei nº 11.101/2005, que prevê o seguinte: 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. 

Para o administrador judicial, o crédito ainda não existia na data do pedido de recuperação. A empresa devedora insurgiu-se contra essa conclusão. Para a empresa, o crédito surgiu no momento da assinatura do contrato (e não na data da liquidação). Como a assinatura foi antes do pedido, o crédito deverá estar sujeito aos efeitos da recuperação judicial. 

A questão chegou até o STJ. O tribunal acolheu a argumentação do administrador judicial? Trata-se de crédito extraconcursal? 

NÃO. Realmente, por força do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, os créditos posteriores ao pedido de recuperação judicial não se submetem aos seus efeitos. Foi o que decidiu o STJ: 

Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador. STJ. 2ª Seção. REsp 1842911-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/12/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1051) (Info 684). 

Assim, o administrador judicial está certo quando afirma isso. 

Qual foi, no entanto, o seu equívoco? 

Considerar que o crédito do banco surgiu apenas com a liquidação da obrigação. Isso não é verdade. Para se definir se um crédito existe, ou não, na data do pedido de recuperação, é necessário analisar a data do fato gerador desse crédito, ou seja, a data da fonte da obrigação (TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 100). No contrato a termo de moeda, a fonte/fato gerador da obrigação de pagar a quantia que vier a ser liquidada na data do vencimento do contrato a termo de moeda é o próprio contrato firmado com a instituição bancária. O fato gerador que deu origem a esse crédito em favor do banco foi a celebração do contrato (e não a liquidação da obrigação no futuro). Desde a assinatura (celebração do negócio) ocorre a eficácia plena do contrato a termo de moeda, independentemente de prever vencimento a posteriori. Não se pode dizer que a obrigação de pagar da empresa só será constituída na data da liquidação da operação. Essa obrigação existe desde o momento em que o negócio jurídico é travado entre as partes contratantes. Até porque, conforme já vimos acima, o art. 49 da Lei nº 11.101/2005 fala em “créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. No momento da assinatura do contrato, já são combinados os efeitos que as partes irão suportar,restando apenas a apuração do saldo definitivo no vencimento. A produção desses efeitos não depende da prática de qualquer outro ato adicional das partes. Logo, é impositivo reconhecer que a origem, a fonte, o fato gerador da obrigação é o próprio contrato, cuja eficácia plena se manifesta desde a assinatura. Vale registrar, outrossim, que, consoante o princípio da retroatividade da condição, a condição pactuada contratualmente, uma vez implementada, faz com que o direito correspondente seja considerado “existente desde a celebração do negócio” (Código Civil Comentado. Coord. Cezar Peluso, 11ª ed. Barueri: Manole, 2017, p. 94). Desse modo, contratadas as operações de proteção ao risco cambial, por meio dos contratos NDF, antes do pedido de recuperação judicial, o crédito apurado na data da liquidação em favor da instituição financeira está sujeito à recuperação judicial, a teor do art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005. Entendimento em sentido diverso iria quebrar o tratamento isonômico que deve existir entre os credores de uma mesma classe. Isso porque créditos decorrentes de contratos celebrados numa mesma data teriam tratamentos diferentes (concursalidade x extraconcursalidade) simplesmente em função dos vencimentos das operações contratadas, circunstância que atentaria contra a coerência do microssistema recuperacional. 

Em suma: Os créditos decorrentes de contratos a termo de moeda submetem-se aos efeitos da recuperação judicial ainda que seus vencimentos ocorram após o deferimento do pedido de soerguimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.924.161-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/06/2021 (Info 700).

Nenhum comentário:

Postar um comentário