18 de outubro de 2021

Constitui ofensa ao art. 942 do CPC a dispensa do quinto julgador, integrante necessário do quórum ampliado, sob o argumento de que já teria sido atingida a maioria sem possibilidade de inversão do resultado

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-705-stj.pdf


TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO - Constitui ofensa ao art. 942 do CPC a dispensa do quinto julgador, integrante necessário do quórum ampliado, sob o argumento de que já teria sido atingida a maioria sem possibilidade de inversão do resultado 

Exemplo hipotético: a Câmara Cível do Tribunal de Justiça, composta por 3 Desembargadores, estava julgando uma apelação. O Desembargador “A”, relator, proferiu voto negando provimento à apelação. O Desembargador “B” acompanhou o relator. O Desembargador “C” divergiu do relator. Assim, o placar estava 2x1. Diante disso, foi designada uma nova sessão para aplicação do art. 942 do CPC. Segundo a redação do art. 942 do CPC, deveriam ser convocados 2 novos Desembargadores para votar. Isso porque o dispositivo fala que outros julgadores serão “em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial”. Desse modo, foram convocados os Desembargadores “D” e “E”. Ocorre que somente o Desembargador “D” compareceu. O Desembargador “E” não pode ir nesta sessão. O Desembargador “D” proferiu logo seu voto, também acompanhando o relator. Com isso, o placar fixou 3 x 1. O Presidente da Câmara Cível prolatou o resultado argumentando que não seria necessária mais a participação do Desembargador “E”, já que, mesmo se ele votar acompanhando a divergência, não haverá a possibilidade de inversão do resultado inicial. O máximo que o placar poderá atingir será 3 x 2. Dessa feita, foi dispensada a participação do quinto julgador. A providência adotada pelo TJ não foi correta. A técnica do art. 942 do CPC não pode ser reduzida a uma mera busca pela maioria de votos, como fez o TJ. Ao adotar tal postura, a Corte estadual descumpriu a proposta de ampliação dos debates em sua inteireza e tornou ineficaz o disposto no § 2º do art. 942 do CPC/2015, que autorizou expressamente que “os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento”. Em outras palavras, o Desembargador “E”, se votasse contra o relator, poderia trazer argumentos jurídicos que convenceriam os demais Desembargadores a acompanhá-lo, havendo chance potencial de alteração do resultado. Assim, não é possível presumir que o quinto julgador não teria nenhuma influência sobre o resultado final do acórdão. Essa conclusão precipitada é equivocada e contraria frontalmente a proposta da técnica ampliada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.890.473-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/08/2021 (Info 705). 

Técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015 

O resultado do julgamento da apelação pode ser unânime (quando todos os Desembargadores concordam) ou por maioria (quando no mínimo um Desembargador discorda dos demais). Se o resultado se der por maioria, o CPC prevê uma nova “chance” de a parte que “perdeu” a apelação reverter o resultado. Como assim? Se o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em uma nova sessão, que será marcada e que contará com a presença de novos Desembargadores que serão convocados, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. Ex: o resultado da apelação foi 2x1; 2 Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João) e um Desembargador votou pela manutenção da sentença (em favor de Pedro); significa dizer que deverá ser designada uma nova sessão e para essa nova sessão serão convocados dois novos Desembargadores, que também irão emitir votos; neste nosso exemplo, foram convocados 2 porque a convocação dos novos julgadores deverá ser em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial (se os dois novos Desembargadores votarem com a minoria, o placar se inverte para 3x2). Veja a previsão legal: 

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. 

A previsão deste art. 942 é chamada de “técnica de complementação de julgamento não unânime” ou “técnica de ampliação do colegiado”. Vamos verificar outras informações sobre esta técnica. 

Prosseguimento na mesma sessão 

Sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942). 

Juízo de retratação 

Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º do art. 942). Ex: o resultado da apelação foi 2x1; dois Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João); por outro lado, um Desembargador (Des. Raimundo) votou pelo desprovimento da apelação (contra João); designou-se, então, um novo dia para prosseguimento do julgamento ampliado, tendo sido convocados dois Desembargadores de uma outra Câmara Cível do Tribunal (Desembargadores Cláudio e Paulo); logo no início, antes que Cláudio e Paulo votassem, o Des. Raimundo pediu a palavra e disse: olha, melhor refletindo nesses dias, eu gostaria de evoluir meu entendimento e irei acompanhar a maioria votando pelo provimento da apelação. Mesmo que isso ocorra, ou seja, que alguém mude de opinião, ainda assim deverão ser colhidos os votos dos Desembargadores convocados. Nesse sentido: 

Enunciado 599-FFPC: A revisão do voto, após a ampliação do colegiado, não afasta a aplicação da técnica de julgamento do art. 942. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

A Câmara Cível do Tribunal de Justiça, composta por 3 Desembargadores, estava julgando uma apelação. O Desembargador “A”, relator, proferiu voto negando provimento à apelação. O Desembargador “B” acompanhou o relator. O Desembargador “C” divergiu do relator. Assim, o placar estava 2x1. Diante disso, foi designada uma nova sessão para aplicação do art. 942 do CPC. Segundo a redação do art. 942 do CPC, deveriam ser convocados 2 novos Desembargadores para votar. Isso porque o dispositivo fala que outros julgadores serão “em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial”. Desse modo, foram convocados os Desembargadores “D” e “E”. Ocorre que somente o Desembargador “D” compareceu. O Desembargador “E” não pode ir nesta sessão. O Desembargador “D” proferiu logo seu voto, também acompanhando o relator. Com isso, o placar fixou 3 x 1. O Presidente da Câmara Cível prolatou o resultado argumentando que não seria necessária mais a participação do Desembargador “E”, já que, mesmo se ele votar acompanhando a divergência, não haverá a possibilidade de inversão do resultado inicial. O máximo que o placar poderá atingir será 3 x 2. Dessa feita, foi dispensada a participação do quinto julgador. 

Agiu corretamente o TJ ao adotar essa solução? 

O STJ entendeu que não. 

Constitui ofensa ao art. 942 do CPC/2015 a dispensa do quinto julgador, integrante necessário do quórum ampliado, sob o argumento de que já teria sido atingida a maioria sem possibilidade de inversão do resultado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.890.473-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/08/2021 (Info 705). 

Conforme já explicado, a técnica de ampliação do colegiado previu a inclusão de julgadores adicionais, conforme dispõe o art. 942 do CPC/2015, “em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores”. A doutrina de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha descreve que o quórum ampliado será composto, pelo menos, por 3 (três) membros do órgão colegiado mais - no mínimo - 2 (dois) julgadores convocados segundo as regras do regimento interno do tribunal: 

“(...) A decisão na apelação deve ser tomada, no órgão colegiado, pelo voto de três membros (art. 941, § 2º, CPC). Um julgamento não unânime, nesse caso, é uma decisão com dois votos vencedores e um voto vencido. Logo, hão de ser convocados mais dois julgadores para que se possa, eventualmente, ser invertida a conclusão, agregando-se os dois novos votos ao vencido, tendo-se um resultado 2 x 3. Mas também é possível que os novos votos se somem aos votos até então vencedores, tendo-se um resultado de 4 x 1, ou ainda é possível que um dos novos votos se some aos votos até então vencedores e o outro, ao vencido, mantendo-se o resultado até então obtido, só que com uma votação de 3 x 2. Os outros dois julgadores devem ser convocados de acordo com definição prévia constante de regra do regimento interno. Em outras palavras, o regimento interno deve estabelecer critérios prévios e objetivos para a convocação dos julgadores que irão complementar o julgamento iniciado, mas ainda não concluído totalmente. Essa definição prévia é fundamental e atende às exigências do princípio do juiz natural”. (Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 78) 

O fundamento da mencionada composição do colegiado ampliado está relacionado não só com o respeito ao princípio do juízo natural, mas também com a possibilidade de, com a inclusão de 2 (dois) e não apenas 1 (um) Desembargador, maximizar e aprofundar as discussões jurídicas ou fáticas a respeito da divergência então instaurada, possibilitando, para tanto, inclusive, nova sustentação oral. Isso porque a técnica do julgamento tem como intenção privilegiar, sobretudo, o debate ampliado de ideias, com o reforço do “contraditório, assegurando às partes o direito de influência para que possam ter a chance de participar do convencimento dos julgadores que ainda não conhecem o caso” (ob. cit., p. 78). Diante dessa característica, essa técnica não pode ser reduzida a uma mera busca pela maioria de votos, como fez o TJ. Ao adotar tal postura, a Corte estadual descumpriu a proposta de ampliação dos debates em sua inteireza e tornou ineficaz o disposto no § 2º do art. 942 do CPC/2015 que autorizou expressamente que “os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento”. Em outras palavras, o Desembargador “E”, se votasse contra o relator, poderia trazer argumentos jurídicos que convenceriam os demais Desembargadores a acompanhá-lo, havendo chance potencial de alteração do resultado. Assim, não é possível presumir que o quinto julgador não teria nenhuma influência sobre o resultado final do acórdão. Essa conclusão precipitada é equivocada e contraria frontalmente a proposta da técnica ampliada. Por esses motivos, não é possível admitir a dispensa do quinto julgador, integrante necessário da composição do quórum ampliado do art. 942 do CPC/2015, sob o argumento de que, com o voto do quarto desembargador, já teria sido atingida a maioria sem possibilidade de inversão do resultado.

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