18 de outubro de 2021

Em relação a ações rescisórias ajuizadas com base no art. 485, V, do CPC/1973 (art. 966, V, do CPC/2015), o recurso especial poderá ultrapassar os pressupostos da ação e chegar ao exame do seu mérito

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-705-stj.pdf


AÇÃO RESCISÓRIA - Em relação a ações rescisórias ajuizadas com base no art. 485, V, do CPC/1973 (art. 966, V, do CPC/2015), o recurso especial poderá ultrapassar os pressupostos da ação e chegar ao exame do seu mérito 

O recurso especial interposto contra acórdão em ação rescisória pode atacar diretamente os fundamentos do acórdão rescindendo, não precisando limitar-se aos pressupostos de admissibilidade da rescisória. Se o recorrente está alegando que houve violação à literal disposição de lei (violação à norma jurídica), com base no art. 485, V, do CPC/1973 (art. 966, V, do CPC/2015), o mérito do recurso especial se confunde com os próprios fundamentos para a propositura da ação rescisória, autorizando o STJ a examinar também o acórdão rescindendo. Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: V - violar literal disposição de lei; Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: V - violar manifestamente norma jurídica; STJ. Corte Especial. EREsp 1.434.604-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/08/2021 (Info 705). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João constava no registro de imóveis como sendo o proprietário da “Fazenda Bom Pasto”. Ocorre que a União e a Funai alegam que essa fazenda está localizada em terras tradicionalmente ocupadas por índios. 

A quem pertencem as terras tradicionalmente ocupadas por índios? 

Pertencem à União (art. 20, XI, da CF/88). No entanto, essas terras destinam-se à posse permanente dos índios, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Em suma, são bens da União, mas para serem usadas pelos índios. Por isso, alguns autores classificam essas terras como sendo bens públicos de uso especial. 

Ação reivindicatória 

Com base na argumentação acima exposta, a União e a Funai ajuizaram ação reivindicatória contra João. O juiz federal julgou o pedido procedente, reconhecendo que o imóvel integra terras tradicionalmente ocupadas por índios e determinando, por consequência, o seu retorno ao domínio da União. Essa sentença transitou em julgado. 

Ação rescisória 

Algum tempo depois, João ajuizou ação rescisória, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (art. 108, I, “b”, da CF/88), pedindo a rescisão da sentença. O autor alegou que a sentença deveria ser rescindida porque teria violado literal disposição de lei (violado manifestamente norma jurídica): 

CPC/1973 

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar literal disposição de lei;

CPC/2015  

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar manifestamente norma jurídica; 

O TRF julgou o pedido improcedente, sob o argumento de que não estavam preenchidos os pressupostos de admissibilidade da ação rescisória. Para o TRF, não estavam presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a ação rescisória, hipóteses essas previstas nos incisos do art. 485 do CPC/1973 (art. 966 do CPC/2015). 

Recurso especial 

João interpôs recurso especial contra o acórdão do TRF. Ocorre que, no recurso especial, João alegou que a área de seu imóvel nunca foi terra indígena e, por essa razão, não era bem da União e não poderia ser objeto de ação reivindicatória. Desse modo, o recorrente não se limitou aos seus pressupostos de admissibilidade, impugnando, assim, diretamente o mérito do acórdão rescindendo. 

Decisão da 1ª Turma do STJ 

A 1ª Turma do STJ não conheceu do recurso especial interposto por João. Afirmou-se que o recurso especial em sede de ação rescisória deve limitar-se aos pressupostos dessa ação e não atacar o próprio mérito. Em outras palavras, o que a 1ª Turma do STJ disse foi o seguinte: - no recurso especial interposto, João deveria ter discutido apenas os pressupostos do art. 485 do CPC/1973 (art. 966 do CPC/2015); - o recurso especial manejado em sede de ação rescisória deve se limitar aos pressupostos de cabimento da ação, sem adentrar nos fundamentos adotados no acórdão rescindendo; - como João ficou apenas insistindo na tese de mérito, mostra-se incabível o recurso especial. 

Embargos de divergência 

Ainda inconformado, João opôs embargos de divergência alegando que esse entendimento da 1ª Turma está em sentido contrário a precedentes da Corte Especial do STJ. 

A Corte Especial do STJ deu provimento aos embargos de divergência? A 1ª Turma do STJ deve conhecer do recurso especial interposto por João mesmo ele tendo atacado os fundamentos do acórdão rescindendo? SIM. 

Se o recorrente está alegando que houve violação à literal disposição de lei (violação à norma jurídica), com base no art. 485, V, do CPC/1973 (art. 966, V, do CPC/2015), o mérito do recurso especial se confunde com os próprios fundamentos para a propositura da ação rescisória, autorizando o STJ a examinar também o acórdão rescindendo. É de se concluir, portanto, que, em relação a ações rescisórias ajuizadas com base no art. 485, V, do CPC/1973 (art. 966, V, do CPC/2015), o recurso especial poderá ultrapassar os pressupostos da ação e chegar ao exame do seu mérito. 

O recurso especial interposto contra acórdão em ação rescisória pode atacar diretamente os fundamentos do acórdão rescindendo, não precisando limitar-se aos pressupostos de admissibilidade da rescisória. STJ. Corte Especial. EREsp 1.434.604-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/08/2021 (Info 705).

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