10 de outubro de 2021

DIREITOS REAIS: O fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato-padrão registrado no RI vincula os adquirentes somente à obrigação de pagar as taxas a partir da aquisição, não abrangendo os débitos do anterior proprietário

DIREITOS REAIS: O fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato-padrão registrado no RI vincula os adquirentes somente à obrigação de pagar as taxas a partir da aquisição, não abrangendo os débitos do anterior proprietário 

A taxa de manutenção de loteamento urbano cobrada por associação de moradores, prevista no contrato-padrão registrado no Cartório de Imóveis, vincula os adquirentes somente à obrigação de pagar as taxas a partir da aquisição, não abrangendo os débitos do anterior proprietário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.941.005-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado 22/06/2021 (Info 702). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Jardim Flamboyant é um loteamento urbano de casas. Os moradores desse loteamento devem pagar, mensalmente, uma taxa de manutenção. Essa taxa é cobrada e administrada por uma associação de moradores. Vale ressaltar que essa taxa é prevista no contrato-padrão registado no cartório de registro de imóveis. 

Contrato-padrão arquivado no registro de imóveis 

O art. 18, VI, da Lei nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, exige que o loteador submeta o projeto de loteamento ao registro imobiliário, acompanhado, dentre outros documentos, do exemplar do contrato-padrão de promessa de venda ou de cessão, do qual constarão, obrigatoriamente, as indicações previstas no seu art. 26 e, eventualmente, outras de caráter negocial, desde que não ofensivas dos princípios cogentes da referida lei. No caso concreto, esse contrato-padrão que foi arquivado no registro de imóveis previa a cobrança dessa “taxa” de manutenção do loteamento. De igual modo, a escritura pública de compra e venda também previa a possibilidade de cobrança dos valores. Assim, quando as pessoas adquirem casas nesse loteamento, elas têm ciência de que deverão pagar essa taxa. 

Essa previsão na escritura e no contrato-padrão é legal? 

SIM. É válida a estipulação, na escritura de compra e venda, espelhada no contrato-padrão depositado no registro imobiliário, de cláusula que preveja a cobrança, pela administradora do loteamento, das despesas realizadas com obras e serviços de manutenção e/ou infraestrutura, porque dela foram devidamente cientificados os compradores, que a ela anuíram inequivocamente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.569.609-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/05/2019 (Info 648). 

Voltando ao exemplo hipotético: 

Ricardo, um dos moradores, em razão de dificuldades financeiras, ficou devendo 6 meses de taxa (referentes aos meses de janeiro a junho de 2018). Sem ter como manter a casa, Ricardo vendeu o imóvel para Carlos. Essa venda foi registrada em 01 de julho de 2018. Carlos começou a pagar normalmente a taxa devida à associação todos os meses. Ocorre que a associação ajuizou, contra Carlos, ação de cobrança exigindo que ele também quitasse as dívidas de seu antecessor no imóvel (Ricardo). Assim, a associação afirmou que Carlos teria que pagar também os meses de janeiro a junho de 2018 porque essa taxa teria natureza propter rem. A associação explicou que essa taxa de manutenção é prevista no contrato padrão arquivado no Registro de Imóvel e, portanto, o réu sabia da sua existência quando adquiriu a casa. Carlos contestou a demanda afirmando que, ao adquirir o imóvel, ele realmente aderiu ao contrato padrão arquivado no Registro de Imóveis e passou a contribuir com a taxa mensal, mas que não pode ser responsabilizado pelos débitos contraído pelo proprietário anterior, por não ter usufruído dos benefícios e por não se tratar de obrigação propter rem. 

A tese da associação foi acolhida? O fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato-padrão registrado vincula os adquirentes não somente à obrigação de pagar as taxas de associação a partir da aquisição, como também a responder pelos débitos do anterior proprietário? NÃO. 

A taxa de manutenção de loteamento urbano cobrada por associação de moradores, prevista no contrato-padrão registrado no Cartório de Imóveis, vincula os adquirentes somente à obrigação de pagar as taxas a partir da aquisição, não abrangendo os débitos do anterior proprietário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.941.005-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado 22/06/2021 (Info 702). 

Natureza pessoal 

A jurisprudência do STJ está assentada no sentido de que a taxa de manutenção cobrada por associação de moradores tem natureza pessoal, não se equiparando a despesas condominiais. 

Taxa prevista no contrato-padrão vincula, mas apenas a partir da aquisição 

As obrigações constantes do contrato-padrão vinculam os adquirentes. No entanto, os adquirentes estão vinculados somente à obrigação de pagar as taxas de associação a partir da aquisição, não respondendo pelos débitos do anterior proprietário. O depósito do contrato-padrão no Cartório de Registro de Imóveis não transforma a obrigação de pagar a taxa de manutenção e limpeza em uma obrigação propter rem, não obrigando a cadeia de adquirentes do imóvel. 

Objetivo do projeto de parcelamento é proteger os adquirentes 

Um dos principais objetivos do registro imobiliário do projeto de parcelamento urbano, com a previsão de depósito de diversos documentos (art. 18 da Lei nº 6.766/79), dentre eles o contrato padrão (art. 26 da Lei nº 6.766/79), é proteger os adquirentes dos lotes. Ora, se o intuito é proteger os adquirentes, a interpretação da norma que impõe obrigações e responsabilidades não pode ser feita extensivamente. Conforme se extrai da leitura do art. 29 da Lei nº 6.766/79, não existe previsão expressa de que o adquirente responderá pelos débitos dos antigos proprietários, mas, tão somente, que sucederá o transmitente em suas obrigações, isto é, na obrigação de pagar a taxa de manutenção: 

Art. 29. Aquele que adquirir a propriedade loteada mediante ato inter vivos, ou por sucessão causa mortis, sucederá o transmitente em todos os seus direitos e obrigações, ficando obrigado a respeitar os compromissos de compra e venda ou as promessas de cessão, em todas as suas cláusulas, sendo nula qualquer disposição em contrário, ressalvado o direito do herdeiro ou legatário de renunciar à herança ou ao legado. 

De fato, quando a lei estabelece a responsabilidade de o adquirente responder pelos débitos do alienante, como ocorre no caso de condomínio edilício, o faz expressamente e de forma inequívoca, consoante se verifica do art. 1.345 do Código Civil. O fato de o contrato padrão ter sido levado a registro, permitindo que seja consultado por qualquer interessado, além de ter sido reproduzido em parte na matrícula do imóvel, apenas indica que os compradores foram cientificados de que estariam aderindo à cobrança de uma taxa de manutenção e não de que responderiam por débitos de antigo proprietário

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