10 de outubro de 2021

ALIMENTOS: Se o credor de alimentos ingressou com execução pedindo a prisão civil, mas esta não pode ser realizada em virtude da pandemia da Covid-19, deve ser autorizada a expropriação de bens do devedor, mesmo sem a mudança do rito

 ALIMENTOS: Se o credor de alimentos ingressou com execução pedindo a prisão civil, mas esta não pode ser realizada em virtude da pandemia da Covid-19, deve ser autorizada a expropriação de bens do devedor, mesmo sem a mudança do rito 

É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade da prisão civil em razão da pandemia do coronavírus. STJ. 3ª Turma. REsp 1.914.052-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/06/2021 (Info 702). 

Execução de alimentos 

Existem dois regimes de cumprimento da decisão que determina o pagamento de alimentos: 

a) rito da prisão civil;

b) rito comum. 


a) Rito da prisão civil: 

Previsto no caput e nos §§ 1º a 7º do art. 528 do CPC. O juiz, a requerimento do exequente, manda intimar o executado pessoalmente para, em 3 dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial, decretará a prisão civil do devedor pelo prazo de 1 a 3 meses. A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns. O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas. Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão. 

b) Rito comum: 

Trata-se do cumprimento de sentença no qual se buscará bens do devedor que possam ser utilizados para satisfação da dívida. É como se fosse a execução de uma dívida comum. Esse rito é adotado em duas situações: 

1) quando o próprio credor escolher esse rito, renunciando à possibilidade de pedir a prisão civil: 

Art. 528 (...) § 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação. 

2) quando o débito alimentar se referir a prestações vencidas há mais de 3 meses. Isso porque somente se pode pedir a prisão civil de prestações alimentícias vencidas há menos de 3 meses: 

Art. 528 (...) § 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo. 

Súmula 309-STJ: O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo. 

É possível a cumulação dos procedimentos de execução de alimentos? Em regra, NÃO. 

A escolha de um determinado procedimento afasta a utilização do outro, ou seja, trata-se de ritos excludentes entre si. A adoção do procedimento da penhora exclui a possibilidade de determinação da prisão civil do devedor de alimentos (nos termos do art. 528, §8º, do CPC). Já a eleição do procedimento da prisão civil adiará a possibilidade de penhora para o término da medida de constrição pessoal. 

Caso o credor tenha escolhido o rito da prisão civil, mas entenda que não é mais adequada e prefira realizar desde logo a penhora, será possível a conversão do rito? 

SIM. Caso o credor adote o procedimento da prisão civil, será possível requerer expressamente ao juízo a alteração do rito, de modo a utilizar desde logo as medidas expropriatórias. 

Feita essa breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética: 

Lucas, 7 anos, residente no Distrito Federal, representado por sua mãe, ingressou com ação de alimentos contra João, seu pai. O juiz julgou o pedido procedente, determinando que João pagasse 1 salário-mínimo por mês, a título de pensão alimentícia. Ocorre que João passou a atrasar os pagamentos. Diante disso, Lucas ajuizou execução de alimentos, sob o rito do art. 528 do CPC/2015: 

Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. 

O juiz decretou, então, a prisão civil do devedor. Ocorre que, no Distrito Federal, há decisão suspendendo a prisão civil dos devedores, seja no regime fechado, seja no regime domiciliar, enquanto durar a pandemia de Covid-19. Diante de impossibilidade de prisão civil, Lucas requereu a penhora dos bens de João, sem que houvesse a conversão do rito da prisão civil para o rito da constrição patrimonial. Em outras palavras, o exequente afirmou: já que não é possível decretar a prisão civil do devedor, requeiro a penhora dos seus bens para o pagamento da dívida. Vale ressaltar, contudo, que não quero alterar o rito, ou seja, quero continuar tendo a possibilidade de, no futuro, decretar a prisão civil do devedor caso ele não pague a dívida e a pandemia termine. O juiz indeferiu o pedido afirmando que, como o exequente pediu a execução com base no art. 528, caput, do CPC, não é possível a expropriação de bens, salvo se ele requerer a mudança para o rito comum. 

Agiu corretamente o magistrado? 

NÃO. Diante da impossibilidade de prisão civil do executado na ação de alimentos, é possível a adoção de medidas expropriatórias, mesmo sem a conversão para o rito da constrição patrimonial. No caso apresentado, observa-se que Lucas elegeu o rito da prisão civil. Todavia, ante a impossibilidade de cumprimento da prisão civil no Distrito Federal, no cenário da pandemia de Covid-19, o exequente requereu a adoção das medidas expropriatórias mesmo sem a conversão para o rito da penhora. O STJ considerou que, apesar de, em regra, não ser possível a cumulação de procedimento de execução de alimentos, no caso concreto, deveria ser realizada uma interpretação sistemático-teleológica, a fim de equilibrar a relação jurídica. Enquanto o devedor é beneficiado, de certo modo, com a impossibilidade de prisão civil, o credor não pode ser prejudicado com a demora na prestação dos alimentos. Assim, é possível a determinação de penhora de bens em desfavor do devedor, sem que haja a conversão do rito da prisão civil para o de constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos. Estas medidas expropriatórias estão baseadas, inclusive, no poder de adoção de medidas adequadas no curso do processo (artigo 139, IV, do CPC): 

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; 

Direitos da criança e do adolescente 

No caso concreto, o STJ considerou como ainda mais relevante a necessidade de adoção das medidas expropriatórias, tendo em vista que o exequente era uma criança. Devem ser adotados os postulados da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta, de modo a resguardar os interesses da criança ou adolescente, nos termos da CF/88, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Neste sentido, observe o disposto no art. 227 da CF/88: 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

Obrigação alimentar 

Ademais, deve-se levar em consideração a natureza da prestação alimentar. Os alimentos são indispensáveis à subsistência do alimentando, possuindo um caráter imediato. Portanto, diante deste cenário, deve-se permitir a adoção de constrição no patrimônio do devedor, sem que haja a conversão do rito de execução. 

Em suma: É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade da prisão civil em razão da pandemia do coronavírus. STJ. 3ª Turma. REsp 1.914.052-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/06/2021 (Info 702)

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