19 de novembro de 2021

Aplica-se o § 3º do art. 49 da Lei 11.101/2005 mesmo que o bem dado em alienação judiciária seja de propriedade de terceiros, isto é, mesmo que o fiduciante não seja a empresa em recuperação judicial

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-710-stj-2.pdf 


RECUPERAÇÃO JUDICIAL Aplica-se o § 3º do art. 49 da Lei 11.101/2005 mesmo que o bem dado em alienação judiciária seja de propriedade de terceiros, isto é, mesmo que o fiduciante não seja a empresa em recuperação judicial 

O afastamento dos créditos de titulares de posição de proprietário fiduciário dos efeitos da recuperação judicial da devedora independe da identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ofertado em garantia ou com a própria recuperanda. Art. 49 (...) § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, (...) seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais (...) O fato de o bem imóvel alienado fiduciariamente não integrar o acervo patrimonial da empresa devedora não tem o condão de afastar a regra prevista no § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. STJ. 3ª Turma. REsp 1.938.706-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/09/2021 (Info 710). 

Quais créditos estão sujeitos à recuperação judicial 

Na recuperação judicial, a empresa devedora, que está “sufocada” por dívidas, irá pagar os seus credores de uma forma mais “suave”, a fim de que consiga quitar todos os débitos e se manter funcionando. Assim, os credores da empresa em recuperação judicial são inscritos no “quadro geral de credores”, e cada um receberá seu crédito de acordo com o que for definido no plano de recuperação. Um dos temas importantes sobre esse assunto é saber quais créditos estão sujeitos à recuperação judicial, ou seja, quais credores terão que receber seus créditos conforme o plano de recuperação.  

Regra 

Em regra, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos (art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005). Ex.: a empresa tem que pagar uma dívida com um fornecedor daqui a 9 meses; se o pedido de recuperação foi feito hoje, esse crédito já será incluído nas regras da recuperação judicial, mesmo que ainda não tenha chegado a data do vencimento. 

Consequência dessa regra: 

Como vimos acima, tendo sido decretada a recuperação judicial, os credores irão receber conforme o plano. Como consequência disso, em regra, as ações e execuções que tramitam contra a empresa em recuperação são suspensas para poder não atrapalhar a execução do plano. Veja: 

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. (...) § 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal. 

Exceções à regra: 

A regra acima exposta (caput do art. 49) possui exceções, que estão elencadas nos §§ 3º e 4º. Dessa feita, nesses parágrafos estão previstos determinados créditos que não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Veja o § 3º, que interessa para explicar o julgado: 

Art. 49 (...) § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

 Créditos decorrentes de alienação fiduciária enquadram-se no § 3º 

Se a empresa em recuperação tinha um contrato de alienação fiduciária com o credor “X” e este credor tinha, como garantia da dívida, a propriedade fiduciária de um bem que está na posse da empresa, esse “crédito” enquadra-se no § 3º. Ex.: a empresa tinha feito uma alienação fiduciária para adquirir um caminhão “XYZ”; como não tinha dinheiro para pagar à vista, fez um financiamento e o veículo ficou na propriedade fiduciária do banco “ABC”, sendo usado pela empresa (que tinha a posse direta do bem). Se a empresa entra com pedido de recuperação judicial, esse crédito do banco não está submetido aos efeitos do plano de credores. Em outras palavras, a empresa terá que continuar pagando as prestações da mesma forma que já estava ajustada no contrato e, se atrasar, o banco poderá propor a ação de busca e apreensão. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

A sociedade empresária Medical Line Comércio Ltda. celebrou contrato de empréstimo com o Banco e, como garantia de que a dívida seria paga, João, um dos sócios da empresa, transferiu seu imóvel para a instituição financeira. Na prática, foi feito um contrato de alienação fiduciária, no entanto, a garantia relativa à alienação fiduciária de imóvel foi prestada por terceiro, não afetando nenhum bem do patrimônio da empresa devedora. Passado algum tempo, foi decretada a recuperação judicial da empresa. A Medical Line Comércio Ltda ainda não pagou a dívida com o banco, devendo ainda R$ 500 mil. 

Daí surgiu a seguinte divergência: esse crédito de R$ 500 mil está fora dos efeitos da recuperação judicial? Aplica-se, ao caso, o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005? 

1ª posição: NÃO. O administrador judicial defendeu que não. Para o administrador judicial, o banco deverá pleitear o crédito segundo o plano de credores. Isso porque a garantia relativa à alienação fiduciária de imóvel foi prestada por terceiro, de forma que a situação não se amoldaria ao § 3º do art. 49 da Lei nº 11. A 101/2005. 

2ª posição: SIM. O Banco sustentou que seu crédito estaria fora dos efeitos da recuperação judicial (o que, para ele é bom, já que é mais fácil de receber). Para a instituição financeira, o crédito em questão possui natureza extraconcursal, na medida em que o art. 49, § 3º, da Lei “não faz qualquer distinção quanto ao fato do bem dado em alienação fiduciária ser de propriedade de terceiros, ou seja, não exige que o fiduciante seja empresa em recuperação judicial”. 

Qual das duas posições foi acolhida pelo STJ? 

A segunda. O fato de o bem imóvel alienado fiduciariamente não integrar o acervo patrimonial da empresa devedora não tem o condão de afastar a regra prevista no § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. Esse dispositivo legal estabelece que o crédito que o proprietário fiduciário possui não se submete aos efeitos da recuperação. O legislador não delimitou o alcance da regra em questão exclusivamente aos bens alienados fiduciariamente originários do acervo patrimonial da própria sociedade empresária recuperanda, tendo apenas estipulado a não sujeição aos efeitos da recuperação do crédito titularizado pelo “credor titular da posição de proprietário fiduciário”. Portanto, o dispositivo legal em análise afasta por completo dos efeitos da recuperação judicial não apenas o bem alienado fiduciariamente, mas o próprio contrato por ele garantido. Tal compreensão se coaduna com a sistemática legal arquitetada para albergar o instituto da propriedade fiduciária, de modo que, estando distanciado referido instituto jurídico dos interesses dos sujeitos envolvidos - haja vista estar o bem alienado vinculado especificamente ao crédito garantido - afigura-se irrelevante a identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o objeto da garantia ou com a própria sociedade recuperanda. Nesse sentido: 

(...) 1. Debate-se nos autos a necessidade de o bem imóvel objeto de propriedade fiduciária ser originariamente vinculado ao patrimônio da recuperanda para fins de afastamento do crédito por ele garantido dos efeitos da recuperação judicial da empresa. 2. Na propriedade fiduciária, cria-se um patrimônio destacado e exclusivamente destinado à realização da finalidade de sua constituição, deslocando-se o cerne do instituto dos interesses dos sujeitos envolvidos para o escopo do contrato. 3. O afastamento dos créditos de titulares de propriedade fiduciária dos efeitos da recuperação, orientado por esse movimento que tutela a finalidade de sua constituição, independe da identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ou com o próprio recuperando, simplifica o sistema de garantia e estabelece prevalência concreta da propriedade fiduciária e das condições contratuais originárias, nos termos expressos pelo art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/05. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1549529/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 18/10/2016. 

Em suma: O afastamento dos créditos de titulares de posição de proprietário fiduciário dos efeitos da recuperação judicial da devedora independe da identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ofertado em garantia ou com a própria recuperanda. STJ. 3ª Turma. REsp 1.938.706-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/09/2021 (Info 710).

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