8 de janeiro de 2022

Tribunal de Justiça pode julgar ADI contra lei municipal tendo como parâmetro a Constituição Federal, desde que seja uma norma de reprodução obrigatória

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1036-stf.pdf


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Tribunal de Justiça pode julgar ADI contra lei municipal tendo como parâmetro a Constituição Federal, desde que seja uma norma de reprodução obrigatória

É constitucional o dispositivo de constituição estadual que confere ao tribunal de justiça local a prerrogativa de processar e julgar ação direta de constitucionalidade contra leis e atos normativos municipais tendo como parâmetro a Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados. STF. Plenário. ADI 5647/AP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 3/11/2021 (Info 1036). 

A situação concreta foi a seguinte: 

O art. 133, II, “m”, da Constituição do Estado do Amapá estabelece que: 

Art. 133. Compete privativamente ao Tribunal de Justiça, além das competências elencadas no inciso I do art. 96 da Constituição Federal: (...) II - processar e julgar, originariamente: (...) m) a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual e de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal, observado o disposto no art. 97 desta última; 

O Procurador-Geral da República propôs ADI contra a expressão “de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal” alegando que essa previsão seria inconstitucional por violar os arts. 25, 102, § 1º, e 125, § 2º, da CF/88. Segundo o autor, não é possível que, na esfera estadual, o Tribunal de Justiça, em sede de controle concentrado, analise se uma lei ou ato normativo municipal é compatível com a Constituição Federal. Para o PGR, somente o Supremo Tribunal Federal poderia fazer isso, por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). 

O que decidiu o STF? 

Antes de verificar o que o STF decidiu neste caso concreto, vamos fazer uma ampla revisão sobre o tema para que você possa compreender melhor o resultado. 

É possível que uma lei ou ato normativo municipal seja impugnada por meio de ADI proposta no Supremo Tribunal Federal? 

NÃO. A CF/88 somente autoriza que seja proposta ADI no STF contra lei ou ato normativo FEDERAL ou ESTADUAL. Veja: 

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; 

Vale ressaltar que é cabível ADPF contra lei municipal. 

É possível que uma lei ou ato normativo municipalseja impugnado por meio de ADI proposta no Tribunal de Justiça? 

SIM. A CF/88 autorizou essa possibilidade, determinando que o tema seja tratado nas Constituições estaduais. Confira: 

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. § 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais OU MUNICIPAIS em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão. 

A CF/88 utilizou o termo “representação de inconstitucionalidade”, mas é plenamente possível que a chamemos de “ação direta de inconstitucionalidade estadual” (ADI estadual). 

Parâmetro (ou norma de referência) 

Em controle de constitucionalidade, quando falamos em “parâmetro”, queremos dizer quais serão as normas da Constituição que serão analisadas para sabermos se a lei ou o ato normativo atacado realmente as violou. Em outras palavras, parâmetro são as normas que servirão como referência para que o Tribunal analise se determinada lei é ou não inconstitucional. Se a lei está em confronto com o parâmetro, ela é inconstitucional. 

Quando é proposta uma ADI no STF contra lei federal ou estadual, qual é o parâmetro que será analisado pelo Tribunal? 

A Constituição Federal. Isso inclui: normas originárias, emendas constitucionais, normas do ADCT e tratados internacionais de direitos humanos aprovados por 3/5 dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação. Assim, quando o autor propõe uma ADI no STF contra determinada lei, ele está dizendo que esta lei viola a CF/88 (parâmetro). 

Quando é proposta uma ADI no TJ contra lei municipal, qual é o parâmetro que será analisado pelo Tribunal? 

A Constituição Estadual. Isso está expressamente previsto no § 2º do art. 125 da CF/88: "§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (...)". Assim, em regra, quando o Tribunal de Justiça julga uma ADI proposta contra lei ou ato normativo estadual ou municipal, ele deverá analisar se esta lei ou ato normativo viola ou não algum dispositivo da Constituição Estadual. 

Quando o TJ julga uma ADI contra lei estadual ou municipal, ele poderá declará-la inconstitucional sob o argumento de que viola um dispositivo da Constituição Federal? 

Em regra, não. Isso porque, como vimos acima, o parâmetro da ADI proposta perante o TJ é a Constituição Estadual (e não a Constituição Federal). Assim, em regra, na ADI estadual, o TJ irá analisar se a lei ou ato normativo atacado viola ou não a Constituição Estadual. Este é o parâmetro da ação. O TJ não pode examinar se o ato impugnado ofende a Constituição Federal. O STF, em reiteradas oportunidades, já decidiu sobre o tema: 

Não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 347, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 20/09/2006. Logo, o TJ não pode dizer o seguinte: julgo a presente representação de inconstitucionalidade porque a Lei municipal XX/2015 viola o art. YY da Constituição Federal de 1988. 

Exceção 

A regra acima exposta comporta uma exceção. Os Tribunais de Justiça, ao julgarem a representação de inconstitucionalidade proposta contra lei municipal, poderão declará-la inconstitucional utilizando como parâmetro dispositivos da Constituição Federal, desde que eles sejam normas de reprodução obrigatória pelos Estados. 

Normas de reprodução obrigatória 

Normas de reprodução obrigatória são dispositivos da Constituição Federal de 1988 que, como o próprio nome indica, devem ser repetidos nas Constituições Estaduais. As normas de reprodução obrigatória são também chamadas de "normas de observância obrigatória" ou "normas centrais". Importante esclarecer que, se uma norma é de reprodução obrigatória, considera-se que ela está presente na Constituição Estadual mesmo que a Carta estadual seja silente. Ex: a CF/88 prevê que os Municípios são autônomos (art. 18). Trata-se de norma de reprodução obrigatória. Isso significa que, mesmo se a Constituição Estadual não disser que os Municípios são autônomos, ainda assim considera-se que essa regra está presente na Carta Estadual. Confira a explicação do Ministro Luis Roberto Barroso, para quem normas de reprodução obrigatória são: 

“as disposições da Carta da República que, por pré-ordenarem diretamente a organização dos Estados-membros, do Distrito Federal e/ou dos Municípios, ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos. Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais – afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação pelo ordenamento local.” (Rcl 17954 AgR/PR). 

Não existe um artigo da Constituição Federal que diga quais são as normas de reprodução obrigatória. Isso foi uma “construção” da jurisprudência do STF, ou seja, em diversos julgados o Tribunal foi mencionando quais as normas seriam de reprodução obrigatória. Como exemplos de normas de reprodução obrigatória podemos citar as regras da Constituição Federal que tratam sobre organização político-administrativa, competências, separação dos Poderes, servidores públicos, processo legislativo, entre outras. Veja a importante lição de Marcelo Novelino sobre o tema: 

“(...) Diversamente da Carta anterior, que as relacionava expressamente (CF/1967-1969, art. 13, I, III e IX), na Constituição de 1988 as normas de observância obrigatória não foram elencadas de forma textual. Adotou-se uma formulação genérica que, embora teoricamente conferira maior liberdade de auto-organização aos Estados-membros, cria o risco de possibilitar interpretações excessivamente amplas na identificação de tais normas. (...) (...) As normas de observância obrigatória são diferenciadas em três espécies. Os princípios constitucionais sensíveis representam a essência da organização constitucional da federação brasileira e estabelecem limites à autonomia organizatória dos Estados-membros (CF, art. 34, VII). Os princípios constitucionais extensíveis consagram normas organizatórias para a União que se estendem aos Estados, por previsão constitucional expressa (CF, arts. 28 e 75) ou implícita (CF, art. 58, § 3.°; arts. 59 e ss.). Os princípios constitucionais estabelecidos restringem a capacidade organizatória dos Estados federados por meio de limitações expressas (CF, art. 37) ou implícitas (CF, art. 21).” (NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 82). 

Resumindo: 

• Em regra, quando os Tribunais de Justiça exercem controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais deverão examinar a validade dessas leis à luz da Constituição Estadual. 

• Exceção: os Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. 

Exemplos da exceção: 

Ex1: Município do Paraná aprovou lei tratando sobre direito do trabalho; foi proposta uma ADI estadual no TJ contra esta lei; o TJ poderá julgar a lei inconstitucional alegando que ela viola o art. 22, I, da CF/88 (mesmo que a Constituição do Estado não tenha regra semelhante); isso porque essa regra de competência legislativa é considerada como norma de reprodução obrigatória. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. Rcl 17954 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 21/10/2016. 

Ex2: Município do Rio Grande do Sul editou lei criando gratificação para o Prefeito fora do regime de subsídio, o que violaria o art. 39, § 4º, da CF/88; o TJ/RS poderá julgar a lei municipal inconstitucional utilizando como parâmetro este dispositivo da Constituição Federal; isso porque a regra sobre o subsídio para membros de Poder e detentores de mandato eletivo é considerada norma de reprodução obrigatória. Nesse sentido: STF. Plenário. Rel. originário Min. Marco Aurélio, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 01/02/2017 (repercussão geral). 

Tese fixada pelo STF 

O tema acima exposto foi enfrentado pelo STF em um recurso extraordinário julgado sob a sistemática da repercussão geral, tendo sido fixada a seguinte tese: 

Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados. STF. Plenário. RE 650898/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/2/2017 (Repercussão Geral – Tema 484) (Info 852). 

Obs: a tese acima fala em “leis municipais”, mas ela também pode ser aplicada para representações de inconstitucionalidade propostas no TJ contra “leis estaduais”. A tese falou apenas de leis municipais porque foi o caso analisado no recurso extraordinário. 

Recurso 

Se a representação de inconstitucionalidade sustentar que a norma apontada como violada (parâmetro) é uma norma de reprodução obrigatória, então, neste caso, caberá recurso extraordinário para o STF contra a decisão do TJ. Sobre o tema: 

(...) Tratando-se de ação direta de inconstitucionalidade da competência do Tribunal de Justiça local – lei estadual ou municipal em face da Constituição estadual –, somente é admissível o recurso extraordinário diante de questão que envolva norma da Constituição Federal de reprodução obrigatória na Constituição estadual. (...) STF. 2ª Turma. RE 246903 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/11/2013. 

Desse modo, Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. Contra esta decisão, cabe recurso extraordinário. Vale ressaltar que a decisão do STF neste recurso extraordinário terá eficácia erga omnes porque foi proferida em um processo objetivo de controle de constitucionalidade. 

Terminada a revisão, voltemos ao caso concreto. O STF, ao apreciar essa previsão da Constituição do Estado do Amapá, reiterou seu entendimento sobre o tema e afirmou que: 

É constitucional o dispositivo de constituição estadual que confere ao tribunal de justiça local a prerrogativa de processar e julgar ação direta de constitucionalidade contra leis e atos normativos municipais tendo como parâmetro a Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados. STF. Plenário. ADI 5647/AP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 3/11/2021 (Info 1036). 

As normas constitucionais de reprodução obrigatória, por possuírem validade nacional, integram a ordem jurídica dos Estados-membros ainda quando omissas em suas Constituições estaduais, inexistindo qualquer discricionariedade em sua incorporação pelo ordenamento local. Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação direta para dar interpretação conforme à CF ao art. 133, II, “m”, da Constituição do Estado do Amapá. Em outras palavras, o STF afirmou que esse dispositivo da CE/AP é constitucional, mas desde que seja interpretado conforme exposto acima (apenas para normas de reprodução obrigatória). 

Veja como o tema já foi cobrado em prova: 

 (TJRS-2018-VUNESP): Conforme já decidido pelo STF, em matéria de controle de constitucionalidade, inexiste usurpação de competência do STF quando os Tribunais de Justiça analisam, em controle concentrado, a constitucionalidade de leis municipais ante normas constitucionais estaduais que reproduzam regras da Constituição Federal que sejam de observância obrigatória. (VERDADEIRA) 

 (Auditor Fiscal de Tributos Estaduais/SEFIN-RO-2018-FGV): O Tribunal de Justiça do Estado Alfa foi instado a realizar o controle concentrado de constitucionalidade de lei do Município Beta. O autor da ação argumentava que teriam sido violados: (I) o Art. 10 da Constituição Estadual, que reproduzia literalmente preceito da Constituição da República; e (II) o Art. 39 da Constituição da República, pois é considerada norma de reprodução obrigatória, e a Constituição Estadual sujeitou os servidores às “normas constitucionais que lhes sejam aplicáveis”. Considerando o paradigma de confronto passível de ser utilizado pelo Tribunal de Justiça no controle concentrado de constitucionalidade, assinale a afirmativa correta: A ação pode ser conhecida em relação a ambos os fundamentos, pois o Tribunal de Justiça pode utilizar como parâmetro as normas da Constituição Estadual e as da Constituição da República de reprodução obrigatória. (VERDADEIRA) 


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