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7 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Reclamação por usurpação de competência - Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero

 Cabe reclamação sempre que se vislumbrar a usurpação de competência de tribunal, a violação de autoridade de decisão, a ofensa à autoridade de precedentes das Cortes Supremas (desde que esgotadas as instâncias ordinárias, art. 988, § 5.º, II, CPC/2015) e de jurisprudência vinculante. A opção legislativa a respeito do seu cabimento tem uma clara vinculação, portanto, não só com a prestação da tutela dos direitos em sua dimensão particular, isto é, para busca de uma decisão de mérito justa e efetiva para o litígio (arts. 6.º e 988, I e II, CPC/2015), mas também com a promoção da unidade do direito, isto é, com a tutela dos direitos em sua dimensão geral (arts. 926 e 988, III e IV, CPC/2015). Rigorosamente, no entanto, a reclamação deveria constituir apenas e tão somente instrumento de tutela da decisão do caso concreto. Dito de outro modo: ela não deveria ser vista como meio de tutela do precedente ou da jurisprudência vinculante. Isso porque semelhante modo de ver o seu papel pode ocasionar o fenômeno inverso àquele que se pretende evitar com a instituição de filtros recursais: o abarrotamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça com reclamações que, per saltum, visam a outorgar força ao precedente – essa, aliás, a razão pela qual a Lei 13.256, de 2016, deu nova redação aos incs. III e IV do caput do art. 988 e ao seu § 5.º, do CPC/2015. Nada obstante, até que as Cortes Supremas, as Cortes de Justiça e os juízes de primeiro grau assimilem uma efetiva cultura do precedente judicial, é imprescindível que se admita a reclamação com função de outorga de eficácia de precedente. E foi com esse objetivo deliberado que o novo Código ampliou as hipóteses de cabimento da reclamação. Essa finalidade fica muito clara não só com a leitura dos incs. III e IV do caput do art. 988 do CPC/2015, mas também com a dos seus §§ 4.º e 5.º, inc. II, que expressamente destinam a reclamação ao controle da aplicação indevida de precedentes e da ausência de sua aplicação, desde que devidamente esgotadas as instâncias ordinárias. A propósito, embora o art. 988, § 5.º, inc. II, CPC/2015, fale em “acórdão” oriundo de julgamento de “recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida” e em “acórdão proferido em julgamento de recurso extraordinário ou especial repetitivos”, é certo que a reclamação tutela todo e qualquer precedente constitucional e federal, pouco importando a forma repetitiva. A restrição que interessa aí diz respeito à necessidade de esgotamento da instância ordinária para o cabimento da reclamação. Diante do direito anterior, a Constituição permitia reclamação apenas diante das Cortes Supremas. O Supremo Tribunal Federal entendeu ainda que era cabível a reclamação diante dos Tribunais de Justiça, desde que as respectivas Constituições estaduais assim o permitissem. O novo Código permite a reclamação para preservação da competência e para garantir a autoridade da decisão de “qualquer tribunal” (art. 988, § 1.º, CPC/2015). Vale dizer: permite também reclamação diante dos Tribunais Regionais Federais. (p. 140/141)


MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 976 a 1.044. Dir. Luiz Guilherme Marinoni. Coord. Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, vol. XVI

Rcl 36476 / SP - Da gênese da reclamação

Rcl 36476 / SP - Da gênese da reclamação

A reclamação constitucional é fruto de construção jurisprudencial do STF, durante a segunda metade do século XX, tratando-se de instituto sem correspondente no Direito Comparado. Sua gênese remonta a julgados, em que, com inspiração na teoria dos poderes implícitos do direito estadunidense (implied powers), o STF começou a dar contornos a um instituto voltado à preservação de sua competência e à garantia da autoridade de seus julgados. 

Em sua evolução histórico-jurídica, a reclamação passou por diversas fases, que vão desde a sua criação pretoriana à remodelagem do instituto implementada pelo Código de Processo Civil de 2015, com a redação dada pela Lei 13.256/2016. Cada uma dessas fases trouxe ao instituto novas feições, que, paulatinamente agregadas, redundaram na reclamação constitucional que hoje se conhece. 

É interessante anotar que o estudo dessas fases compreende, em boa medida, a análise da jurisprudência emanada dos Tribunais Superiores – no início, apenas o STF e, após o advento da Constituição Federal de 1988, também o STJ. Isso se dá porque, derivando a reclamação de criação jurisprudencial, carecia o instituto de desenvolvimento doutrinário e legal (o que foi sendo agregado pouco a pouco), sendo a jurisprudência a principal fonte normativa da reclamação, ao menos até a vigência do CPC/2015. 

Ainda no século passado e nos primeiros anos do presente, alguns doutrinadores se dedicaram a estudar a reclamação sob o prisma dessa divisão em fases histórico-jurídicas, a partir de exemplar trabalho desenvolvido por José Pacheco da Silva (“A 'Reclamação' no STF e no STJ de Acordo com a Nova Constituição”). 

Sem descurar da importância de tais estudos para a densificação da dogmática da reclamação, é certo que, para o âmbito de atuação deste Superior Tribunal de Justiça, são relevantes os marcos histórico-jurídicos posteriores à Carta Magna de 1988, os quais revelam a compreensão atribuída pelo Tribunal ao instituto, e, por outro lado, permitem investigar os efetivos impactos decorrentes do advento do CPC/2015. 

II. Da reclamação no STJ antes da vigência do CPC/2015. 

Com a Constituição Federal de 1988, a reclamação, que até então estava positivada apenas no Regimento Interno do STF, foi alçada a nível constitucional, além de ter seu cabimento estendido a este Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, I, “f”. 

Em sede legal, houve a publicação da lei 8.038/90, que, nos arts. 13 a 18, sucintamente regulava o instituto, dispondo acerca de legitimidade, prova, tutela antecipada, conteúdo da decisão e procedimento. Esse regramento foi reproduzido no Regimento Interno do STJ, passando a constar nos arts. 187 a 192. 

Ainda, durante essa fase, foram travadas neste Tribunal relevantes discussões que aperfeiçoaram os contornos do instituto. 

De início, na mesma linha propugnada pelo STF, consolidou-se a orientação quanto ao cabimento restrito da reclamação para preservar a competência do STJ de indevidas intromissões, bem como para garantir, no âmbito de uma mesma relação processual, a autoridade de decisão aqui proferida, nos estreitos limites das hipóteses do art. 105, I, “f”, da CF/88, reproduzidas no art. 187 do RISTJ. É dizer, concebeu-se a reclamação, unicamente, como meio de garantir que os julgados da Corte projetassem seus efeitos programados entre as partes e no processo aos quais foram destinados. 

Nessa diretriz, considerando a restrita legitimidade ativa, bem como a causa de pedir típica da reclamação, este Tribunal sempre rejeitou a sua utilização por quem não estivesse sujeito aos efeitos da prévia decisão desta Corte (Rcl 1.590/MS, 1ª Seção, DJ 25/10/2004), bem como a sua utilização como sucedâneo recursal, ou seja, como instrumento para questionar o conteúdo da decisão impugnada ou eventual vício procedimental (Rcl 184/SP, 1ª Seção, DJ 25/10/1993 e Rcl 1.375/MG, 2ª Seção, DJ 01/03/2004). 

Vedou-se, também, o cabimento de reclamação para a interpretação de decisão do STJ, e não para garantir o seu fiel cumprimento (Rcl 84/PR, 1ª Seção, DJ 25/05/92). 

Ademais, se reconheceu, por razões evidentes, que a reclamação não é cabível contra ato do próprio Tribunal (Rcl 509/SP, Corte Especial, DJ 29/06/1998) e, a respeito de sua natureza jurídica, a tendência da Corte, desde o início, foi de considerar a reclamação uma manifestação do exercício do direito de ação, de índole constitucional (Rcl 407/DF, 3ª Seção, DJ 08/09/1997). 

Ainda nessa fase do instituto da reclamação, questão que merece especial destaque – sobretudo para o deslinde da controvérsia em análise neste voto – diz com a promulgação da Lei 11.672/2008, que modificou o então vigente Código de Processo Civil de 1973 para nele incorporar a sistemática de julgamento de recursos especiais repetitivos. 

Em que pese essa reforma tenha tido o nítido propósito de racionalizar a prestação jurisdicional do STJ em face do fenômeno brasileiro da litigiosidade em massa, a implementação da sistemática dos recursos especiais repetitivos teve o efeito de aumentar, consideravelmente, o número de reclamações ajuizadas neste STJ, o que ensejou novos debates quanto ao instituto. 

O primeiro desses debates ocorreu após a Corte Especial deliberar, na Questão de Ordem no Ag 1.154.599/SP (DJe de 12/05/2011), que não seria cabível o agravo de instrumento do art. 544 do CPC/73 (posteriormente transformado no agravo em recurso especial pela Lei 12.322/2010), quando o Tribunal de origem nega seguimento ao recurso especial com fundamento na coincidência entre o acórdão recorrido e a orientação paradigmática do STJ (art. 543-C, § 7º, I, do CPC/73). Segundo definido à época, a negativa de seguimento do recurso especial, se tida por equivocada, deveria ser impugnada mediante agravo interno no próprio Tribunal de origem, pois permitir a interposição de agravo ao STJ violaria o espírito que norteou a implantação da sistemática dos repetitivos pela Lei 11.672/2008. 

Nesse cenário, como um verdadeiro contorno ao fim da via recursal do agravo, uma leva de reclamações chegou a esta Corte, com a pretensão de que fosse avaliado, nos respectivos processos individuais, eventual equívoco na aplicação da tese repetitiva. 

Essa tentativa, contudo, foi categoricamente refutada pela jurisprudência do STJ, que ratificou o entendimento de que a reclamação apenas podia ser proposta pela parte que se sujeitava aos efeitos de decisão concreta do Tribunal. Nesse sentido, vejam-se, a título de exemplo: AgRg na Rcl 3.644/DF, 1ª Seção, DJe 26/11/2009; AgRg na Rcl 5.065/PB, 1ª Seção, DJe 05/04/2011; AgRg na Rcl 5.121/SP, 2ª Seção, DJe 02/03/2011; AgRg na Rcl 10.306/RS, 2ª Seção, DJe 03/12/2012. 

Ademais, rejeitou esta Corte o manejo da reclamação para a impugnação de decisão do Tribunal de origem que, diante da afetação de um recurso especial representativo da controvérsia, sobresta processo com idêntica matéria jurídica (AgRg na Rcl 4.703/RJ, 2ª Seção, DJe 09/11/2010; AgRg na Rcl 4.703/RJ, 2ª Seção, DJe 09/11/2010 e AgRg na Rcl 6.581/PR, 1ª Seção, DJe 07/11/2011). 

A jurisprudência mencionada realça a clássica concepção do instituto adotada por esta Corte ao longo de sua existência: é a reclamação, fundamentalmente, uma ação de índole constitucional, que tem por função exclusiva a preservação da competência da Corte e a garantia, voltada às partes de uma determinada relação processual, da autoridade da decisão emanada do Tribunal. 

Da Resolução STJ n. 12/2009 

Necessário acrescentar, não obstante, que nesse mesmo período o STJ se deparou com outra “espécie” de reclamação, totalmente alheia à natureza do instituto. É que o STF, nos autos do recurso extraordinário n. 571.572-8/BA, declarou, em dita interpretação sistemática da Constituição, que seria cabível, em caráter excepcional, a reclamação prevista no art. 105, I, “f”, da CF, “para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional”. 

Em que pese essa previsão de reclamação tenha dado ao instituto verdadeira característica de recurso, não restou ao STJ outra alternativa senão cumprir a determinação advinda da Corte Suprema, desiderato para o qual foi editada a Resolução n. 12/2009. 

III. A vigência do CPC/2015 e seus reflexos no cabimento da reclamação. 

O Código de Processo Civil de 2015, a par de revogar parcialmente a Lei 8.038/90, normatizou, de maneira mais extensiva, o instituto da reclamação, trazendo, nos arts. 988 a 993, regras quanto à competência, à legitimidade ativa, ao procedimento, ao dispositivo da decisão e, especialmente, quanto às hipóteses de cabimento. 

O aumento da regulação, mediante texto de lei, pode, à primeira vista, trazer aos intérpretes do Direito a impressão de que as incertezas sobre o instituto foram reduzidas. No entanto, como nos alerta Gustavo Azevedo, com base no escólio de Tercio Sampaio Ferraz Junior, isso não é verdade: 

“Cuida-se de erro, fruto da confusão entre texto legal e norma. A maior quantidade de dispositivos apenas aumenta as incertezas. O alargamento das fontes formais amplia as inúmeras possibilidades interpretativas possíveis. As incertezas são ainda maiores com mais disposições legais tratando da reclamação. (...) Os novos dispositivos sobre reclamação trazem incertezas jurídicas, o que não é percebido prima facie pelo profissional do Direito. Cabe à dogmática processual civil 'mostrar que o problema envolve incertezas ainda maiores que rompem o sentido estreito do dogma que deverá, então, prever o que não previu, dizer o que não disse, regular o que não regulou'. As incertezas, fruto da reclamação, são profundas. Não apenas porque aumentaram as regras regulando o instituto, mas também porque foram criadas novas hipóteses de cabimento, sobre as quais pairam dúvidas. Ao ser publicada nova lei, não se sabe, a princípio, quais são as melhores soluções para as incertezas argumentativas sobre as novas hipóteses de cabimento (...). O papel da dogmática é controlar e reduzir as possibilidades argumentativas sobre a reclamação constitucional” (Reclamação Constitucional no Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 37). 

Como menciona o referido autor, sobre todos os aspectos da reclamação, as incertezas são ainda mais abundantes em relação às hipóteses de cabimento, que foram incrementadas pelo novo Código, e, antes mesmo deste entrar em vigor, foram modificadas pela Lei 13.256/2016. 

Com efeito, em sua redação original, o art. 988 do CPC/2015 previu o cabimento da reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: a) preservar a competência do Tribunal; b) garantir a autoridade das decisões do Tribunal; c) garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; d) garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência. 

Dessas hipóteses, a redação original do CPC/2015 inovou o ordenamento anterior ao prever o cabimento da reclamação como garantia de observância de “precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência”. As demais hipóteses, dispostas nas alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, primeira parte, já encontravam previsão em outras normas, em especial a Constituição Federal, as Leis que regulam o controle concentrado de constitucionalidade e os Regimentos Internos do STF e do STJ. 

Quanto à nova hipótese, esta contemplava duas espécies de precedentes: (i) aquele resultante de incidente de assunção de competência (IAC) e, (ii) aquele proferido em julgamento de “casos repetitivos”, expressão cujo alcance pode ser extraído do art. 928 do Código, segundo o qual considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e em recursos especial e extraordinário repetitivos.

Ocorre que, antes mesmo de entrar em vigor o CPC/2015, foi editada e publicada a Lei 13.256/2016, que operou mudanças significativas em diversos institutos e regras processuais, especialmente em relação aos Tribunais Superiores. 

Especificamente quanto à reclamação, houve a alteração da redação do art. 988 do CPC, que passou a contemplar o cabimento de reclamação para: a) preservar a competência do Tribunal; b) garantir a autoridade das decisões do Tribunal; c) garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; d) garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) ou de incidente de assunção de competência (IAC). 

A propósito, confira-se a vigente redação do dispositivo: 

“Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I - preservar a competência do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do tribunal; III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;(Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;(Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) [...] 

§ 5º É inadmissível a reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) 

Ou seja, a anterior previsão de reclamação para garantir a observância de precedente oriundo de casos repetitivos foi excluída, passando a constar, nas hipóteses de cabimento, apenas o precedente oriundo de IRDR, que é espécie daquele. Houve, portanto, a supressão do cabimento para a observância de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos. 

Contudo, paradoxalmente, a mesma Lei 13.256/2016 promoveu outra mudança no art. 988 do CPC, agora em seu parágrafo 5º. Foi acrescentado a este parágrafo, que inicialmente apenas asseverava a inadmissibilidade da reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada, um segundo inciso, tratando da inadmissibilidade da reclamação “proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias”. 

Quer dizer, no mesmo ato normativo, o legislador visivelmente excluiu uma hipótese de cabimento da reclamação e, passo seguinte, regulamentou essa hipótese que acabara de excluir, agregando-lhe um pressuposto de admissibilidade. 

Ora, sob um ponto de vista lógico, essas duas modificações são inconciliáveis entre si. 

Consequentemente, apenas da conjugação da redação atual dos incisos do art. 988 e do inciso II do parágrafo 5º, não é possível extrair, com segurança, conclusão quanto ao cabimento, ou não, da reclamação que visa à observância de tese proferida em recursos especial ou extraordinário repetitivos. 

Por isso, mostra-se impositiva a investigação de outros elementos interpretativos que conduzam à solução da questão. 

A. Do aspecto topológico 

Primeiramente, uma das técnicas que pode ser utilizada para o deslinde da controvérsia apresentada é o exame topológico do próprio art. 988 do CPC. 

Isso porque, como princípio, o lugar em que determinada disposição é inserida no texto legal pode esclarecer algo a respeito da sua abrangência e alcance. As subpartes de um artigo – ou seja, as alíneas, incisos e parágrafos – não apresentam, todas, a mesma hierarquia e abrangência, devendo ser harmonizadas com o conteúdo principal contido no caput. 

Nessa linha, a Lei Complementar n. 95/98, ao dispor sobre a elaboração e redação das leis, estabelece em seu art. 11 que, visando à obtenção de ordem lógica: (i) expressa-se por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida e, ainda, (ii) promovem-se as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens. 

Sob esse norte, verifica-se que, de fato, o art. 988 do CPC, ao pretender regular o cabimento da reclamação, se vale de incisos para enumerar as respectivas hipóteses (incisos I a IV), utilizando parágrafos para regular outros aspectos relacionados ao cabimento, bem como para estabelecer exceções. Por exemplo, o parágrafo 1º dispõe sobre o cabimento perante qualquer Tribunal – complementando, portanto, o caput –, e o próprio parágrafo 5º, em seu primeiro inciso, prevê uma exceção à regra do caput, dizendo ser inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada. 

Nesse cenário, não se mostra coerente afirmar que o parágrafo 5º, inciso II, do art. 988 veicularia uma nova hipótese de cabimento da reclamação. Estas hipóteses, repise-se, foram elencadas pelos incisos do caput, sendo que, por outro lado, o parágrafo se inicia, ele próprio, anunciando que trataria de situações de inadmissibilidade da reclamação. 

B. Do contexto político-jurídico da reforma operada pela Lei 13.256/2016 

Certamente, esse aspecto topológico não encerra toda a interpretação quanto às hipóteses de cabimento da reclamação e a reforma operada pela Lei 13.256/2016, devendo ser também considerado o contexto jurídico e político em que o referido ato normativo foi editado. A investigação da occasio legis (ocasião legal) é de relevância para a interpretação da norma, como nos ensina o jurisconsulto Carlos Maximiliano: 

"Nenhum acontecimento surge isolado; com explicar a sua origem, razão de ser, ligação com os ouros, resulta o compreender melhor a ele próprio. Precisa, pois, o aplicador do Direito transportar-se, em espírito, ao momento e ao meio em que surgiu a lei, e aprender a relação entre as circunstâncias ambientes, entre outros fatos sociais e a norma; a localização desta na série dos fenômenos sociológicos, todos em evolução constante (1). A fim de descobrir o alcance eminentemente prático do texto, coloca-se o intérprete na posição do legislador: procura saber por que despontou a necessidade e qual foi primitivamente o objeto provável da regra, escrita ou consuetudinária; põe a mesma em relação com todas as circunstâncias determinantes do seu aparecimento, as quais, por isso mesmo, fazem ressaltar as exigências morais, políticas e sociais, econômicas e até mesmo técnicas, a que os novos dispositivos deveriam satisfazer; estuda, em suma, o ambiente social e jurídico em que a lei surgiu; os motivos da mesma, a sua razão de ser; as condições históricas apreciáveis como causa imediata da promulgação” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 136) 

É de conhecimento geral na comunidade jurídica que, quando promulgada a versão inicial do Código de Processo Civil de 2015, este STJ, juntamente com o STF, manifestou intensa preocupação quanto ao impacto de algumas das novas regras na cotidiana atividade jurisdicional do Tribunal. 

O temor da Corte, que infelizmente se arrasta há mais de uma década, mesmo antes da criação da sistemática dos recursos especiais repetitivos, diz com o crescente número de processos que aqui são distribuídos, situação que inevitavelmente compromete a celeridade e a qualidade da prestação jurisdicional esperada pelo jurisdicionado. É fato que o STJ, com apenas 33 Ministros, não possui o aparelho necessário para revisar, individualmente, todos os processos que tramitam no território nacional, boa parte deles versando sobre controvérsias de massa. 

Com a promulgação do CPC/2015, esse receio se agravou. Um dos aspectos mais inquietantes trazidos pelo Novo Código era o fim do prévio exame da admissibilidade do recurso especial pelos Tribunais de origem, regra que acarretaria, logo no início da vigência do Código, a subida imediata de centena de milhares de recursos. 

Foi por isso que representantes do STJ, e também do STF, encaminharam aos membros do Poder Legislativo o pleito para que fosse restaurado o duplo juízo de admissibilidade até então vigente. Essa demanda foi acolhida no Projeto de Lei nº 2.384/2015, o qual, ao final, resultou na mencionada Lei 13.256/2016. 

Acontece que a preocupação relativa ao juízo de admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários não foi a única externada pelo STJ e STF ao Congresso Nacional. A redação original do CPC/15 também gerava risco grave de incremento da sobrecarga nas atividades destes Tribunais quanto ao julgamento de reclamações e agravos, mormente em se tratando de discussão de temas repetitivos. 

Quanto a esse aspecto, também se convenceram os membros do Poder Legislativo, que propuseram e votaram o Projeto de Lei nº 2.468/2015, que, igualmente, resultou na Lei 13.256/2016 (este segundo projeto, vale registrar, tramitou em apenso ao PL 2.384/2015, ao qual foi incorporado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados). 

A exposição de motivos do PL 2.468/2015 deixa nítida a intenção do legislador de não inviabilizar a prestação jurisdicional no STJ e no STF, dispensando-os, para tanto, do julgamento de reclamações e agravos que tenham por objeto temas decididos em recursos repetitivos e em repercussão geral. 

Por sua clareza, convém transcrever, in verbis, os termos da justificativa apresentada pelo proponente da reforma, Deputado Leonardo Picciani: 

“O projeto que ora se apresenta tem a finalidade de alterar o Código de Processo Civil aprovado recentemente. As alterações encaminhadas, no entanto, são bastante pontuais e em nada desnaturam a vocação da novel legislação. A intenção é evitar que nova a disciplina, particularmente quanto aos recursos especiais repetitivos e à repercussão geral nos recursos extraordinários, termine por invalidar esforços que vêm sendo envidados há cerca de uma década, no sentido de organizar procedimentos concernentes à racionalização dos trabalhos no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, e por inviabilizar sua missão constitucional. Nesse sentido, é fundamental que sejam revistas normas pertinentes aos recursos para os tribunais superiores. Destaque-se que as alterações do presente projeto não inovam as competências dos tribunais ordinários, antes as mantêm, pelo menos como ainda são até a vigência do Novo CPC. [...] O cabimento de reclamações e agravos aos tribunais superiores das decisões das Cortes de origem e demais juízos que apliquem os precedentes originados dos julgamentos com repercussão geral (STF) ou em recursos repetitivos (STJ) (arts. 988, IV, e 1.042, I, II e III), inviabilizará, em pouco tempo, o funcionamento destas Cortes superiores, configurando um retrocesso sem precedentes no processo de racionalização do trabalho de todo o Poder Judiciário, inaugurada com a sistemática de julgamento por precedentes, viabilizada pela reforma do Poder Judiciário, em 2004 e com a consequente implantação da repercussão geral nos recursos extraordinários, seguida do regime de julgamento de recursos repetitivos no STJ. Pautadas na perspectiva da legitimidade dos precedentes das Cortes superiores, na interpretação da legislação federal e da Constituição, as normas atualmente vigentes permitiram que, uma vez decididas questões constitucionais de repercussão geral ou questões infraconstitucionais de natureza repetitiva, as decisões das demais instâncias se adequassem ao entendimento dado pelos tribunais superiores, eliminando-se a insegurança jurídica que gerava a possibilidade de cada processo alçar individualmente os órgãos de cúpula. Produziu-se, com isso, pela primeira vez na história, a racionalização da atividade judiciária em todo o país, e garantiu-se maior estabilidade e respeito aos precedentes dos órgãos jurisdicionais superiores, que têm a missão de garantir a coerência na interpretação da legislação constitucional e infraconstitucional. Com o objetivo de assegurar a efetividade das mudanças havidas, os tribunais superiores assentaram, em sua jurisprudência, que não admitiriam recursos nem reclamação contra as decisões adotadas pelos tribunais quando aplicassem os precedentes originados dos julgamentos nos regimes antes indicados. Por inúmeras decisões, o STF e, na sequência, o STJ deixaram claro que não mais examinariam individualmente os recursos nos casos de questões constitucionais e infraconstitucionais por eles já avaliadas e decididas. Perceberam que, se assim não estabelecessem, toda a sistemática da repercussão geral e dos recursos repetitivos teria sido em vão, pois, após o aguardo do surgimento do precedente de efeitos expansivos, sempre haveria possibilidade de agravos ou reclamações das decisões que o aplicassem nas instâncias de origem, o que permitiria que cada processo chegasse individualmente aos tribunais superiores, quebrando por completo a lógica do sistema que se construíra. Entretanto, na redação do NCPC, tal como aprovado, das decisões dos tribunais de origem que aplicam os precedentes dos tribunais superiores nos casos de repercussão geral e de recursos repetitivos, consta a possibilidade d e: a) reclamação para o tribunal superior sempre que, após a aplicação de precedente de RG ou repetitivo nos tribunais e juízos de primeiro grau, a parte quiser dizer que não houve adequada aplicação do precedente (art. 988, IV); b) agravo ao tribunal superior sempre que o vice-presidente negar seguimento a recurso, porque entendeu que a decisão do tribunal está conforme ao entendimento do tribunal superior (art. 1.042, inciso II) c) agravo ao STF, sempre que se negar admissibilidade a recurso extraordinário ao fundamento de que a questão constitucional nele versada não tem repercussão geral (art. 1.042, III). Em decorrência dessas disposições, todos os processos permanecerão sobrestados aguardando as decisões do STF ou do STJ e, uma vez aplicados os precedentes, todos poderão chegar individualmente ao tribunal superior, porque bastará alegar que a decisão é contrária, para que o incidente de reclamação seja possível, por mais inconsistente que a alegação possa vir a ser. Todos os procedimentos associados ao sobrestamento e posterior aplicação dos precedentes terão sido apenas uma longa etapa a mais no processo. Ao fim e ao cabo, cada caso conseguirá chegar às Cortes Superiores, que terão de analisá-lo, demandando preciosos recursos materiais e humanos, ainda que para rejeitar a pretensão de revisão ou para dizer que dela não conhecerá. E é necessário ter presente que, doravante, não serão apenas os processos em fase de recurso extraordinário e recurso especial que ficarão sobrestados, serão todos, no país inteiro, em todas as fases. Estes processos, que ficaram sobrestados em qualquer momento da tramitação, uma vez submetidos à aplicação do precedente dos tribunais superiores, poderão gerar reclamação diretamente para tais tribunais. O STF e o STJ estarão dedicados apenas ao julgamento das reclamações contra todos os juízos e tribunais. Institucionalizar o uso de reclamações e agravos aos tribunais superiores em casos tais compromete toda a confiança que deve haver em um sistema de precedentes. Haverá constante estímulo a provocar a mudança nas questões já decididas, eliminando a estabilidade que o sistema pretendeu imprimir e que o NCPC, em diversos dispositivos, enaltece como bem jurídico a ser buscado constantemente. É importante registrar que há outras vias para o equacionamento de situações de erro flagrante na aplicação dos precedentes. O acesso à rescisória, no NCPC, por exemplo, foi ampliado para casos tais, prevendo-se, inclusive, que o prazo para ajuizamento, nas questões de natureza constitucional, correrá somente a partir da decisão do STF (art. 525, §15). O controle de constitucionalidade pela via concentrada permanece aberto e em plena utilização. E uma pesquisa atual na jurisprudência dos tribunais de segundo grau demonstra que os precedentes vêm sendo amplamente acatados e aplicados. O risco de insegurança será amplificado ao máximo, acaso se admita o acesso individual, novamente, aos tribunais superiores. Ademais, o acesso irrestrito às instâncias superiores prolongará enormemente a tramitação dos já morosos processos judiciais. Por tais razões é que se propõem, neste Projeto de Lei, as modificações nos arts. 988 e 1042 e, em decorrência delas, em outros dispositivos, como a seguir se enunciará. Pelos motivos mencionados, o presente Projeto de Lei prevê a alteração dos incisos III e IV do art. 988, bem como de seu § 5º, para afastar a hipótese de cabimento de reclamação para garantia da observância de precedente de repercussão geral ou de recurso especial em questão repetitiva” (disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor =1366100&filename=Tramitacao-PL+2468/2015). 

Conforme essa proposta original, o § 5º do art. 988 do CPC/15 teria a seguinte redação: 

§ 5º É inadmissível a reclamação: I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; II – proposta perante o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça para garantir a observância de precedente de repercussão geral ou de recurso especial em questão repetitiva. 

Nesse passo, poder-se-ia argumentar que a vedação, em absoluto, do cabimento da reclamação para a observância de tese oriunda de recurso especial repetitivo trataria de mera proposta do signatário do PL 2.468/2015, não acolhida, ao fim, pelo Congresso Nacional, tanto que acrescentado o famigerado pressuposto do esgotamento das instâncias ordinárias ao § 5º. 

Contudo, em aprofundado exame da tramitação do projeto de Lei tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, o que se observa é que, em todas as suas manifestações, os membros do Legislativo ratificaram a opção de extinguir o cabimento da reclamação voltada ao controle da aplicação dos temas repetitivos e da repercussão geral. 

É interessante notar que a alteração da redação do texto do § 5º, inciso II, para a referência ao esgotamento das instâncias ordinárias, apenas ocorreu no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, quando o relator dos projetos n. 2.384/2015 e 2.468/2015 apresentou substitutivo, para incorporar este último projeto àquele primeiro e realizar adaptações em todo o Código devido às questões que estavam sendo votadas. 

Todavia, ao modificar, no substitutivo, a redação do texto do inciso II do § 5º do art. 988, o relator não fez qualquer menção a eventual rejeição à proposta original de extinguir o cabimento da reclamação para a hipótese em tela; pelo contrário, reiterou em seu parecer que o cabimento de reclamação e agravo para impugnar a aplicação de precedente originado de recurso repetitivo ou de repercussão geral iria na contramão dos esforços de racionalização dos trabalhos do STJ e do STF. 

A propósito, confira-se trecho de seu parecer: 

“A pretensão dos autores é legítima, pois busca manter os esforços emanados no sentido de organizar procedimentos concernentes à racionalização dos trabalhos no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, de modo a viabilizar suas atribuições constitucionalmente previstas. No entanto, mais do que um sistema integrado, o Poder Judiciário deve oferecer satisfatória prestação jurisdicional aos que a ele recorrem, assegurando que o cidadão não tenha seu acesso à justiça frustrado sem digna resposta. [...] Quanto ao mérito, consideramos que os projetos principal e apensado complementam-se, mormente no que diz respeito ao juízo de admissibilidade nos tribunais de origem, garantindo a celeridade e o filtro necessário nos julgamentos de repercussão geral e recursos repetitivos. Fazem ainda as alterações necessárias no ordenamento processual de modo que se torne viável o cumprimento da missão constitucional atribuída aos tribunais superiores. [...] Quanto ao cabimento de reclamações e agravos interpostos perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça para impugnar decisões dos tribunais de origem e demais juízos que apliquem os precedentes originados dos julgamentos com repercussão geral ou em recursos repetitivos, temos que essa possibilidade vá de encontro à lógica atualmente adotada em relação aos esforços aplicados para impedir que uma avalanche de processos obste o devido andamento nas instâncias superiores, gerando sobrecarga de trabalho aos servidores destes tribunais e por consequência poderá agravar a morosidade processual. [...] Por todo o exposto, voto pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa, e no mérito pela aprovação do PL 2.384, de 2015 e do PL apensado, n. 2.468, de 2015, na forma do substitutivo apresentado” (disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1402334&filename=Tramitacao-PL+2384/2015) 

Seguiu-se, então, os debates no seio daquela Comissão, da leitura dos quais é possível apreender a anuência dos seus membros quanto à subtração da hipótese de cabimento da reclamação de que se ora se trata (transcrição da sessão deliberativa de 20/10/2015 disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020151021001800000.PDF#page=236 e da sessão de 21/10/2015 disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020151022001810000.PDF#page=149) 

A parte dos projetos relativa à reclamação não recebeu qualquer emenda. Para além disso, devido exatamente à supressão da hipótese de cabimento para a aplicação de tese firmada em recurso repetitivo ou em repercussão geral, foi apresentada emenda para incluir no CPC a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória quando aplicado erroneamente o precedente, como uma forma de “compensação” ao jurisdicionado. 

A respeito, veja-se a justificativa da Emenda nº 22 – que teve por objeto o acréscimo dos parágrafos 5º e 6º ao art. 966 do CPC -, de autoria do Deputado Paulo Teixeira: 

“A Reformulação da reclamação, tal qual proposta pelo PL, tem de vir acompanhada de um instrumento de compensação dos direitos do cidadão, que teve contra si um precedente mal aplicado. A ação rescisória é o melhor instrumento. A regra não prejudica os tribunais superiores, pois a ação rescisória seria proposta nos tribunais locais”. 

Na Comissão, essa “compensação” foi objeto de acordo entre os membros, como fica claro na fala do Deputado Paulo Teixeira na sessão plenária de 20/10/2015: 

“(...) Qual foi a natureza dessa mudança no Código de Processo Civil, sendo que o Código entrará em vigor em março do ano que vem, e foi sancionado em março deste ano? Por que nós estamos mudando o Código de Processo Civil? Nós estamos mudando, porque o Supremo Tribunal Federal fez uma reivindicação: limitar e acabar com as reclamações. E o Superior Tribunal de Justiça fez outro pedido: que eles não ficassem com juízo de admissibilidade. Portanto, é ponderável que esta Casa dialogue com essas duas instâncias do Judiciário, para atender essas duas reivindicações. Nós estamos de acordo em devolver o juízo de admissibilidade. Eu achava estranho que eles devolvessem um poder, mas V.Exa. aperfeiçoou, fazendo com que eles devolvam o poder com o parâmetro de juízo de admissibilidade. Nós estamos de acordo com essa mudança que V.Exa. está fazendo. E também quando V.Exa. atende o Supremo Tribunal Federal, limitando as reclamações. Mas nós temos que, de um lado, promover uma compensação a essas mudanças (...). Então, nós queremos propor o seguinte acordo: aceitemos a reforma que V.Exa. fez no juízo de admissibilidade, aceitemos a proposta e a reforma que V.Exa. fez nas reclamações. Agora, se o cidadão que vai à Justiça e que tem a sua causa negada por uma decisão malfeita do Judiciário, se ele perde o direito à reclamação, ele tem que ter uma compensação. E aí, Deputado Glauber Braga, o que nós queremos colocar aqui como compensação é a rescisória. Isto é, se o juiz aplicasse mal a jurisprudência, ele tinha a possibilidade de fazer uma reclamação. Nós estamos retirando essa possibilidade aqui. Agora, o que nós vamos dar a essa pessoa como compensação, se foi mal aplicado o Direito? Nós estamos dizendo que ele tem o direito a uma rescisória. Esse é o objeto de uma das emendas e de um dos destaques que nós queremos aqui pedir (...)”. 

Essa modificação no regime da rescisória, em razão da supressão da reclamação, foi acolhida pela maioria dos membros da Comissão, que, ao final dos debates, aprovou a inclusão dos parágrafos 5º e 6º ao art. 966 do CPC, nos seguintes termos: 

“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] V - violar manifestamente norma jurídica; [...] § 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) § 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica”. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) 

Após, o projeto de lei seguiu para o Senado Federal, onde, finalmente, recebeu apenas ajustes gramaticais em seu texto. 

Apesar de extensas – pelo que se pede as devidas escusas –, as transcrições acima destacadas revelam o cenário político no qual a reforma da Lei 13.256/2016 foi concebida e aprovada, sendo possível dele extrair, sem margem de dúvida, que a norma visou, nesse particular, ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas. 

Nesse diapasão, é verdade que a inserção da expressão “quando não esgotadas as instâncias ordinárias” à parte final do inciso II do parágrafo 5º do art. 988 permanece sem resposta e sem justificativa minimamente coerente. 

No entanto, em que pese a má técnica legislativa, ou outro fenômeno que agora não se consegue dimensionar, cabe a este Tribunal, intérprete da norma, atribuir-lhe eficácia para que atinja a sua finalidade premeditada que, em suma, diz com a opção de política judiciária de desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição. 

C. Do aspecto lógico-sistemático 

Por fim, e em especial, a correta interpretação do art. 988 do CPC/2015, como desenhado pela Lei 13.256/2016, exige a consideração do contexto normativo em que inserido. Como nos alerta o Professor Juarez FREITAS, “qualquer norma singular só se esclarece plenamente na totalidade das normas, dos valores e dos princípios” (A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 1995, p.15) e, dessa maneira, apenas por meio de uma interpretação sistemática do direito é possível atribuir a melhor significação às normas, de forma a garantir sua integridade e coerência lógica. 

Sob essa diretriz, impõe-se o exame do cabimento da reclamação de que ora se trata com os olhos voltados aos vetores ideológicos e regras inerentes ao regime de gestão e julgamento dos recursos especiais repetitivos. 

Esse cotejo, convém frisar, não é novo nesta Corte. Conforme se mencionou anteriormente neste voto, desde a introdução da sistemática dos recursos especiais repetitivos no direito brasileiro, no ano de 2008, o STJ se depara com reclamações que tem por objeto o controle da aplicação dos precedentes nas instâncias ordinárias, fluxo este que multiplicou após o citado julgamento da Questão de Ordem no Ag 1.154.599/SP pela Corte Especial (DJe de 12/05/2011). 

O CPC/2015 não modificou, substancialmente, o regime dos recursos especiais repetitivos; apenas aperfeiçoou as regras já existentes (do que se destaca, por exemplo, a suspensão de todos os processos pendentes no território nacional, e não apenas os recursos), também vindo a acentuar os sustentáculos principiológicos do regime, que residem na segurança jurídica, na eficiência e na isonomia aos jurisdicionados. 

Dessa maneira, os fundamentos que, outrora, levaram o STJ a entender pelo descabimento da reclamação para a aplicação de tese repetitiva são, em boa medida, os mesmos de agora, com as novas luzes trazidas pelo CPC/2015. 

Nessa linha, tem-se que o mecanismo de julgamento de recursos especiais repetitivos surgiu, juntamente com outros institutos, como resposta do sistema processual ao fenômeno social da massificação dos litígios. Mediante um julgamento por amostragem, com eficácia obrigatória no sistema verticalizado judicial, o STJ fixa a tese jurídica a ser aplicada, nas instâncias ordinárias, nos demais processos com a mesma controvérsia. 

Sua razão de ser concentra-se, assim, na racionalização da prestação jurisdicional do Tribunal, como forma de viabilizar o cumprimento de sua função constitucional de manter a uniformidade da aplicação da lei federal. Nesse panorama, o STJ se desincumbe de seu múnus definindo, por uma vez, a interpretação da lei que deve obrigatoriamente ser observada pelos demais juízes e tribunais, viabilizando-se que questões idênticas recebam tratamento isonômico e previsível. 

Daí porque o CPC/2015, após a reforma da Lei 13.256/2016, afastou a possibilidade de interposição de agravo em recurso especial contra a decisão do Tribunal de origem que nega seguimento ao recurso especial devido à conformidade entre o acórdão recorrido e o entendimento firmado pelo STJ em recurso especial repetitivo. Essa decisão é impugnável apenas por agravo interno no âmbito da própria Corte local, consoante estabelecem os arts. 1.030, § 2º, e 1.042, caput, do Códex. 

Isso bem denota a diretriz eleita pelo sistema processual civil em relação às demandas de massa: aos Tribunais de superposição compete a fixação da tese jurídica e a uniformização do Direito, sendo dos Tribunais locais, onde efetivamente ocorre a distribuição da justiça, a aplicação da orientação paradigmática. 

A respeito dos recursos especial e extraordinário repetitivos, precisa é a lição de Humberto Theodoro Júnior: 

“A finalidade do instituto, à evidência, atende aos reclamos da economia processual. Busca-se evitar os inconvenientes da enorme sucessão de decisões de questões iguais, em processos distintos, com grande perda de energia e gastos, em tribunais notoriamente assoberbados por uma sempre crescente pletora de recursos. Como os recursos especial e extraordinários não são instrumentos de revisão dos julgamentos dos tribunais locais em toda extensão da lide, mas apenas de reapreciação da tese de direito federal ou constitucional em jogo, não se pode considerar, em princípio, ofensiva ao acesso àqueles recursos constitucionais a restrição imposta ao seu julgamento diante das causas seriadas ou repetitivas. Basta que o Pleno se defina uma vez sobre a tese de direito repetida na série de recursos especiais ou extraordinários pendentes, para que a função constitucional daquelas Cortes Superiores – que é manter, por meio do remédio do recurso especial, a autoridade e a uniformidade da aplicação da lei federal, e do recurso extraordinário, a autoridade da Constituição – se tenha por cumprida” (Curso de Direito Processual Civil, vol. III, 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1.133). 

Assim erigido o sistema, não se consegue conceber que seja admitido o cabimento da reclamação para que seja examinada a aplicação supostamente indevida ou errônea de precedente oriundo de recurso especial repetitivo. 

Com efeito, a admissão da reclamação em tal hipótese atenta contra a finalidade da instituição do regime próprio de tratamento dos recursos especiais repetitivos. Para além de definir a tese jurídica, também incumbiria a este STJ o controle da sua aplicação individualizada em cada caso concreto, em franco descompasso com a função constitucional do Tribunal e com sério risco de comprometimento da celeridade e qualidade da prestação jurisdicional que aqui se outorga. 

Sob outra ótica, a aceitação da reclamação em tela tornaria estéril a vedação do CPC/2015 quanto à interposição de agravo quando o recurso especial é obstado na origem em razão da coincidência entre o acórdão recorrido e a tese repetitiva do STJ. Isso porque bastaria à parte cumprir formalmente com a exigência de interposição de agravo interno no Tribunal local para então submeter seu litígio concreto ao exame desta Corte Superior. 

Fosse esse o desiderato do Código (isto é, o de impor ao STJ o dever de aplicar diretamente seu entendimento em cada caso concreto), bastaria não obstar a via recursal do agravo. 

Aliás, não se pode olvidar que o meio adequado e eficaz para forçar a observância da norma jurídica oriunda de um precedente, ou para corrigir a sua aplicação concreta, é o recurso, instrumento que, por excelência, destina-se ao controle e revisão das decisões judiciais. O sistema recursal pátrio é amplamente desenvolvido e dotado de características elementares à noção do devido processo legal, as quais, em certa medida, não se estendem bem à ação autônoma da reclamação. 

A título ilustrativo, partindo da premissa de que a reclamação inaugura nova relação jurídica processual: a) não se tem a simplificação e a racionalização da atividade jurisdicional que resulta do princípio da dialeticidade dos recursos; b) se perde o controle dos efeitos da preclusão operados na relação processual de origem, possibilitando que temas preclusos sejam reexaminados; c) a ausência de efeito suspensivo inerente à reclamação pode resultar no trânsito em julgado da decisão final do processo de origem, hipótese em que a eventual procedência da reclamação se revestiria de verdadeiro caráter rescisório, sem a observância dos específicos pressupostos da ação rescisória. 

Por todos esses elementos, a conclusão que se alcança é que a reclamação constitucional não trata de instrumento adequado para o controle da aplicação dos entendimentos firmados pelo STJ em recursos especiais repetitivos. 

Esse controle é próprio do sistema recursal, ressalvada a via excepcional da ação rescisória, tal como desenhou o legislador no CPC. 

Em arremate, convém salientar que não é o cabimento da reclamação que torna obrigatória a observância da orientação firmada por esta Corte em seus precedentes. O efeito obrigatório decorre do próprio sistema de precedentes construído no CPC, no qual, “rigorosamente, tendo em conta a função de outorga de unidade ao direito reconhecida ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, a necessidade de racionalização da atividade judiciária e o direito fundamental à razoável duração do processo, o tribunal de origem não pode recusar a aplicação do precedente ao caso concreto, porque aí estará simplesmente negando o seu dever de fidelidade ao direito” (MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil comentado, 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1119).

Filigrana doutrinária: Reclamação

 “Cuida-se de erro, fruto da confusão entre texto legal e norma. A maior quantidade de dispositivos apenas aumenta as incertezas. O alargamento das fontes formais amplia as inúmeras possibilidades interpretativas possíveis. As incertezas são ainda maiores com mais disposições legais tratando da reclamação. (...) Os novos dispositivos sobre reclamação trazem incertezas jurídicas, o que não é percebido prima facie pelo profissional do Direito. Cabe à dogmática processual civil 'mostrar que o problema envolve incertezas ainda maiores que rompem o sentido estreito do dogma que deverá, então, prever o que não previu, dizer o que não disse, regular o que não regulou'. As incertezas, fruto da reclamação, são profundas. Não apenas porque aumentaram as regras regulando o instituto, mas também porque foram criadas novas hipóteses de cabimento, sobre as quais pairam dúvidas. Ao ser publicada nova lei, não se sabe, a princípio, quais são as melhores soluções para as incertezas argumentativas sobre as novas hipóteses de cabimento (...). O papel da dogmática é controlar e reduzir as possibilidades argumentativas sobre a reclamação constitucional” 


AZEVEDO, Gustavo. Reclamação Constitucional no Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 37. 

RECLAMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL AO QUAL O TRIBUNAL DE ORIGEM NEGOU SEGUIMENTO, COM FUNDAMENTO NA CONFORMIDADE ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (RESP 1.301.989/RS - TEMA 658). INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO NO TRIBUNAL LOCAL. DESPROVIMENTO. RECLAMAÇÃO QUE SUSTENTA A INDEVIDA APLICAÇÃO DA TESE, POR SE TRATAR DE HIPÓTESE FÁTICA DISTINTA. DESCABIMENTO

 RECLAMAÇÃO Nº 36.476 - SP (2018/0233708-8)

RECLAMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL AO QUAL O TRIBUNAL DE ORIGEM NEGOU SEGUIMENTO, COM FUNDAMENTO NA CONFORMIDADE ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (RESP 1.301.989/RS - TEMA 658). INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO NO TRIBUNAL LOCAL. DESPROVIMENTO. RECLAMAÇÃO QUE SUSTENTA A INDEVIDA APLICAÇÃO DA TESE, POR SE TRATAR DE HIPÓTESE FÁTICA DISTINTA. DESCABIMENTO. PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 

1. Cuida-se de reclamação ajuizada contra acórdão do TJ/SP que, em sede de agravo interno, manteve a decisão que negou seguimento ao recurso especial interposto pelos reclamantes, em razão da conformidade do acórdão recorrido com o entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.301.989/RS, julgado sob o regime dos recursos especiais repetitivos (Tema 658). 

2. Em sua redação original, o art. 988, IV, do CPC/2015 previa o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de “casos repetitivos”, os quais, conforme o disposto no art. 928 do Código, abrangem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os recursos especial e extraordinário repetitivos. 

3. Todavia, ainda no período de vacatio legis do CPC/15, o art. 988, IV, foi modificado pela Lei 13.256/2016: a anterior previsão de reclamação para garantir a observância de precedente oriundo de “casos repetitivos” foi excluída, passando a constar, nas hipóteses de cabimento, apenas o precedente oriundo de IRDR, que é espécie daquele. 

4. Houve, portanto, a supressão do cabimento da reclamação para a observância de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, em que pese a mesma Lei 13.256/2016, paradoxalmente, tenha acrescentado um pressuposto de admissibilidade – consistente no esgotamento das instâncias ordinárias – à hipótese que acabara de excluir. 

5. Sob um aspecto topológico, à luz do disposto no art. 11 da LC 95/98, não há coerência e lógica em se afirmar que o parágrafo 5º, II, do art. 988 do CPC, com a redação dada pela Lei 13.256/2016, veicularia uma nova hipótese de cabimento da reclamação. Estas hipóteses foram elencadas pelos incisos do caput, sendo que, por outro lado, o parágrafo se inicia, ele próprio, anunciando que trataria de situações de inadmissibilidade da reclamação. 

6. De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que editada a Lei 13.256/2016 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição. 

7. Outrossim, a admissão da reclamação na hipótese em comento atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios. 

8. Nesse regime, o STJ se desincumbe de seu múnus constitucional definindo, por uma vez, mediante julgamento por amostragem, a interpretação da Lei federal que deve ser obrigatoriamente observada pelas instâncias ordinárias. Uma vez uniformizado o direito, é dos juízes e Tribunais locais a incumbência de aplicação individualizada da tese jurídica em cada caso concreto. 

9. Em tal sistemática, a aplicação em concreto do precedente não está imune à revisão, que se dá na via recursal ordinária, até eventualmente culminar no julgamento, no âmbito do Tribunal local, do agravo interno de que trata o art. 1.030, § 2º, do CPC/15. 

10. Petição inicial da reclamação indeferida, com a extinção do processo sem resolução do mérito.


ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Herman Benjamin deferindo o processamento da reclamação e determinando a remessa dos autos à Segunda Seção para apreciação do mérito, no que foi acompanhado pelos votos dos Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Raul Araújo, e os votos das Sras. Ministras Laurita Vaz e Maria Thereza de Assis Moura e dos Srs. Ministros Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino e Francisco Falcão acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, , por maioria, indeferir a petição inicial da reclamação, com a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino e Francisco Falcão votaram com a Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros Og Fernandes, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Raul Araújo que deferiam o processamento da reclamação e determinavam a remessa dos autos à Segunda Seção para apreciação do mérito. declarar -se apto a votar o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Humberto Martins e Mauro Campbell Marques. Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer. 

Brasília (DF), 05 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento).

30 de abril de 2021

RECLAMAÇÃO Nº 35.958 - CE, STJ: RECLAMAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1. CABIMENTO. PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STJ. 2. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. TRIBUNAL DE ORIGEM. INCOMPETÊNCIA

RECLAMAÇÃO Nº 35.958 - CE (2018/0125713-2) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECLAMAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1. CABIMENTO. PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STJ. 2. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. TRIBUNAL DE ORIGEM. INCOMPETÊNCIA. 3. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. 

1. A reclamação é via própria para preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça. 

2. O recurso ordinário, consectário direto do duplo grau de jurisdição, tem a mesma natureza jurídica do recurso de apelação, razão pela qual a ele se aplicava, analogicamente, o procedimento de julgamento da apelação, previsto no CPC/1973. 

3. O atual sistema processual, além de alterar o processamento dos recursos de apelação, passou a dispor expressamente da sistemática aplicável ao recebimento e processamento dos recurso ordinários. 

4. Diante da determinação legal de imediata remessa dos autos do recurso ordinário ao Tribunal Superior, independentemente de juízo prévio de admissibilidade, a negativa de seguimento ao recurso pelo Tribunal a quo configura indevida invasão na esfera de competência do STJ, atacável, portanto, pela via da reclamação constitucional. 

5. Reclamação procedente. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer e julgar procedente a reclamação, cassando a decisão de admissibilidade do recurso ordinário proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 0620480-78.2018.8.06.0000, e determinar sua remessa imediata para esta Corte Superior, após intimado o recorrido para apresentar contrarrazões, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Buzzi. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. 

Brasília, 10 de abril de 2019 (data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Cuida-se de reclamação apresentada por Alberto Bezerra de Souza e fundamentada no art. 105, I, f, da Constituição Federal, na qual se aponta como reclamado o Tribunal de Justiça do Ceará. 

Em suas razões, sustenta o reclamante que o TJ/CE teria usurpado a competência desta Corte Superior ao proferir juízo de admissibilidade em recurso ordinário em mandado de segurança interposto perante Tribunal reclamado e dirigido ao STJ. Acrescenta que o recurso ordinário tem natureza de apelação e somente poderia ter sua admissibilidade apreciada pelo Tribunal ad quem. Pleiteou, liminarmente, a concessão de efeito suspensivo ao Mandado de Segurança n. 0620480-78.2018.8.06.0000, o que foi indeferido sob o fundamento de ausência de periculum in mora. 

Contestação oferecida pelo interessado, Banco do Brasil S.A. (e-STJ, fls. 269-290). 

Informações prestadas pelo Tribunal reclamado (e-STJ, fls. 291-309). 

Em parecer de lavra do Subprocurador-Geral da República Dr. Maurício Vieira Bracks, o Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento da presente reclamação. 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): Cinge-se a controvérsia a definir se, no sistema processual civil vigente, caracteriza usurpação de competência o exercício do juízo de admissibilidade em recurso ordinário em mandado de segurança pelo Tribunal a quo. 

De início, destaco a questão da admissibilidade desta reclamação, porquanto, além da manifestação do Ministério Público Federal, há decisões recentes no âmbito do STJ que reafirmam não ser esta a via adequada para impugnar decisões que inadmitiram o recurso ordinário na origem. Nesse sentido: RCL. n. 35.503/SP, Rel.Min. Benedito Gonçalves, de 30/5/2018; e RCL n. 35.113/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, de 21/11/2017. 

Essas decisões, entretanto, apenas reiteram os precedentes das três Seções desta Corte Superior, erigidos sob o fundamento da inadmissibilidade de utilização da reclamação constitucional como sucedâneo recursal. É o que se depreende das ementas dos seguintes acórdãos: 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECLAMAÇÃO. 1. A reclamação não é via própria para atacar acórdão que nega seguimento a recurso ordinário em mandado de segurança, no âmbito do segundo grau, por ausência de preparo. 2. A competência originária e recursal do Superior Tribunal de Justiça é de natureza fechada. Impossível de ser ampliada para propiciar conhecimento de recurso ou ação originária não prevista na Constituição Federal. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg na Rcl n. 552/SP, Rel. Min. José Delgado, Primeira Seção, DJ 21/9/1998, p. 41) 

AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO. AFRONTA À DECISÃO DESTE TRIBUNAL. INOCORRÊNCIA. A reclamação oferecida perante esta Corte visa a preservar a competência do Tribunal ou a garantir a autoridade de suas decisões (artigos 105, "I", "f", da CF e 187 do RI/STJ), sendo inadmissível sua utilização para atacar decisão de tribunal estadual que nega seguimento a recurso ordinário em mandado de segurança, a qual deveria ter sido objeto de agravo interno, cujo julgamento pelo órgão colegiado ensejaria a interposição de recurso especial. Agravo a que se nega provimento. (AgRg nos EDcl na Rcl n. 2.339/SP, Rel. Min. Castro Filho, Segunda Seção, DJ 12/4/2007, p. 208) 

PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. PRETENSÃO DE DESTRANCAMENTO DE RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA INADMITIDO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. NÃO CABIMENTO DO REMÉDIO. DECISÃO PASSÍVEL DE RECURSO. INVIABILIDADE DE RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. 1. É inviável a utilização da reclamação como sucedâneo de eventual recurso, pois essa hipótese não se enquadra nos casos de cabimento da reclamação, previstas no art. 13 da Lei n.º 8.038/90 e no art. 187 do Regimento Interno deste Tribunal, especificamente de preservar a competência do Tribunal e/ou de garantir a autoridade das suas decisões. Precedentes. 2. É descabida utilização da reclamação para veicular a pretensão de destrancar recurso ordinário em mandado de segurança inadmitido pelo Tribunal de origem, na medida em que tal provimento judicial é impugnável via recurso. 3. Reclamação improcedente. (Rcl n. 1.824/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 7/10/2009) 

Todavia, a admissibilidade da reclamação deve ser revista por esta Corte Superior, uma vez que, no caso concreto, não se está diante de uma pretensão de rediscussão dos fundamentos da decisão de inadmissibilidade nem de mera reforma de suas conclusões. Com efeito, a presente reclamação deduz lide típica da ação constitucional utilizada, na medida em que pretende a efetiva cassação de decisão apontada como nula em virtude da apontada incompetência do Tribunal a quo. 

Nesse viés, o cabimento da presente reclamação é indissociável do próprio mérito da demanda, em que se debate a quem se atribui a competência para o julgamento de admissibilidade do recurso ordinário. 

Nos termos do art. 105, II, b, da Constituição Federal, o STJ é o órgão competente para o julgamento de recursos ordinários interpostos contra acórdãos denegatórios proferidos em mandado de segurança de competência originária dos tribunais federais e estaduais. Todavia, o procedimento desses recursos no STJ não era detalhado pela Lei n. 12.016/2009, que regula o mandado de segurança, tampouco pelo CPC/1973. 

Diante da omissão legislativa e observando a natureza jurídica do referido recurso, que se identificava com a do recurso de apelação, porque ambos são consectários diretos do duplo grau de jurisdição, esta Corte Superior firmou o entendimento de que ao recurso ordinário era aplicável, analogicamente, o procedimento previsto no CPC/1973 para julgamento de apelações cíveis. Nessa trilha, caberia ao órgão a quo, no recebimento dos recursos ordinários, o exame prévio da sua admissibilidade à simetria do previsto no art. 518 do CPC/1973. Somente após a decisão pelo recebimento do recurso é que os autos eram então remetidos ao STJ para julgamento de mérito. 

Nesse sentido (sem destaques no original): 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IRRESIGNAÇÃO INTERPOSTA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. NÃO-CABIMENTO SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INDEFERIMENTO PARCIAL DE PEDIDO DE LIMINAR POSTULADO COM A IMPETRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DA ALEGADA TERATOLOGIA. NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO COM REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM PARA O JULGAMENTO DO MÉRITO DO MANDAMUS. 1. Nos termos do art. 105, inc. II, letra b, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em sede de recurso ordinário, os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão. Assim sendo, não havendo ainda decisão de mérito, não há como conhecer da irresignação, sob pena de supressão de instância. 2. Aplicam-se ao recurso ordinário em mandado de segurança, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento, as regras do Código de Processo Civil relativas à apelação, recurso cabível contra decisão que extingue o processo (CPP, arts. 267 e 269 ? RISTJ, art. 247). 3. Não fora isso, apenas para argumentar, não há teratologia na decisão colegiada atacada, uma vez que o eventual deferimento de pedido de liminar formulado em sede de mandado de segurança está condicionado, simultaneamente, à relevância do seu fundamento e à ineficácia da medida quando do julgamento definitivo, pressupostos ausentes na hipótese. 4. Com efeito, o deferimento parcial pelo Plenário do Tribunal a quo da liminar reclamada no aludido writ, garantindo aos impetrantes a disponibilidade dos rendimentos recebidos de pessoa jurídica a título de verbas alimentícias, em valor correspondente aos do ano anterior, declarados quando do ajuste anual do imposto de renda, afastou eventual ilegalidade e/ou abuso constante no decisum objeto da impetração, assegurando a eficácia da decisão a ser proferida quando do julgamento do mérito do writ. 5. Recurso ordinário não conhecido, com o retorno dos autos a origem para o julgamento do mérito da impetração. (RMS n. 17.405/CE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 26/9/2005, p. 407) 

Contudo, o atual sistema processual, além de alterar o procedimento para processamento e julgamento das apelações, dispõe também de forma específica acerca do processamento dos recursos ordinários nos arts. 1.027 e 1.028 do CPC/2015. 

Segundo o novo regramento legal, o duplo grau de jurisdição não se sujeita ao exame prévio de admissibilidade pelo órgão de origem. Isso porque o legislador, além de eliminar a possibilidade de o juiz negar seguimento à apelação, foi expresso em determinar a imediata remessa dos autos do recurso ordinário ao juízo ad quem. É o que se depreende do art. 1.208, § 2º e 3º (sem destaques no original): 

Art. 1.028. [...] § 2º O recurso previsto no art. 1.027, incisos I e II, alínea “a” [os mandados de segurança decididos em única instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão], deve ser interposto perante o tribunal de origem, cabendo ao seu presidente ou vice-presidente determinar a intimação do recorrido para, em 15 (quinze) dias, apresentar as contrarrazões. § 3º Findo o prazo referido no § 2º, os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior, independentemente de juízo de admissibilidade. 

Diante da disposição expressa e atual, não remanesce nenhuma dúvida acerca da competência exclusiva desta Corte Superior para analisar o preenchimento dos requisitos essenciais à admissibilidade do recurso ordinário, bem como para apreciação de seu mérito. Nesse contexto, ao obstar a subida dos autos, sem competência negar seguimento ao recurso interposto, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará acabou por invadir a esfera de competência desta Corte Superior. 

Com esses fundamentos, conheço da presente reclamação para julgá-la procedente, cassando a decisão de admissibilidade do recurso ordinário, proferida nos autos do Mandado de Segurança n. 0620480-78.2018.8.06.0000 e determinando sua remessa imediata para esta Corte Superior, após intimado o recorrido para apresentar contrarrazões. 

É como voto. 

21 de abril de 2021

Reclamação - Rcl 268.874 AgR/SP

 “(...) a reclamação é o meio apropriado a impugnar, uma vez esgotadas as instâncias ordinárias, a observância, pelos demais tribunais, do regime da repercussão geral, descabendo articular com o manuseio desta, no caso, como sucedâneo recursal. Consoante o versado no § 5º, inciso II, do artigo 988 do Código de Processo Civil de 2015, o preenchimento do requisito está configurado a partir do desprovimento, na origem, do agravo interno interposto contra a inadmissão do extraordinário. Somente então é possível concluir materializada a usurpação da competência do Supremo ante a consideração equivocada, na origem, de entendimento surgido sob o ângulo da repercussão geral.”

18 de abril de 2021

Cabe reclamação contra decisão do STJ que nega provimento a agravo interno interposto contra decisão monocrática do Vice-Presidente do STJ que negou seguimento ao recurso extraordinário sob a alegação de que houve incorreta aplicação de tese do STF fixada em repercussão geral

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/12/info-959-stf.pdf


RECLAMAÇÃO - Cabe reclamação contra decisão do STJ que nega provimento a agravo interno interposto contra decisão monocrática do Vice-Presidente do STJ que negou seguimento ao recurso extraordinário sob a alegação de que houve incorreta aplicação de tese do STF fixada em repercussão geral 

A erronia na observância de pronunciamento do STF formalizado, em recurso extraordinário, sob o ângulo da repercussão geral, enseja, esgotada a jurisdição na origem considerado o julgamento de agravo, o acesso ao Supremo mediante a reclamação. Fundamento: art. 988, § 5º do CPC/2015.

Caso concreto: a parte interpôs recurso extraordinário contra acórdão do STJ alegando que houve errônea aplicação de tese do STF fixada em repercussão geral. O Vice-Presidente do STJ negou seguimento ao recurso extraordinário. Contra esta decisão, a parte interpôs agravo interno. A Corte Especial do STJ negou provimento ao agravo interno. A parte ingressou, então, com reclamação, que foi conhecida pelo STF. 

STF. 1ª Turma. Rcl 26874 AgR/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/11/2019 (Info 959). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

A empresa “A1” ajuizou ação contra a empresa “B2”. O pedido foi julgado improcedente e a decisão foi mantida pelo TJ. Ainda inconformada, a empresa “A1” interpôs recurso especial e o STJ manteve o acórdão do TJ. Houve o trânsito em julgado. 

Ação rescisória 

Diante disso, a empresa “A1” ajuizou ação rescisória, no STJ, afirmando que o recurso especial aplicou, de forma errada, a tese fixada pelo STF no julgamento de um recurso extraordinário apreciado sob a sistemática da repercussão geral (o chamado recurso extraordinário repetitivo). O STJ julgou improcedente a ação rescisória. A empresa interpôs, então, recurso extraordinário contra essa decisão. O Vice-Presidente do STJ negou seguimento ao recurso extraordinário, com base no inciso I do art. 1.030 do CPC, afirmando que o STJ aplicou corretamente o entendimento do STF fixado na tese de repercussão geral. O que a empresa pode fazer? Interpor agravo interno para a Corte Especial do STJ (art. 1.030, § 2º). A empresa ingressou com o recurso, mas a Corte Especial desproveu o agravo interno. 

O que a empresa “A1” poderá fazer contra essa decisão do STJ? 

Interpor reclamação, nos termos do art. 988, § 5º, II, do CPC: 

Art. 988 (...) § 5º É inadmissível a reclamação: (...) II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. 

Foi isso que decidiu a 1ª Turma do STF. Veja as exatas palavras do STF: 

A erronia na observância de pronunciamento do STF formalizado, em recurso extraordinário, sob o ângulo da repercussão geral, enseja, esgotada a jurisdição na origem considerado o julgamento de agravo, o acesso ao Supremo mediante a reclamação. STF. 1ª Turma. Rcl 26874 AgR/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/11/2019 (Info 959). 

O Min. Marco Aurélio explicou em seu voto: 

“(...) a reclamação é o meio apropriado a impugnar, uma vez esgotadas as instâncias ordinárias, a observância, pelos demais tribunais, do regime da repercussão geral, descabendo articular com o manuseio desta, no caso, como sucedâneo recursal. Consoante o versado no § 5º, inciso II, do artigo 988 do Código de Processo Civil de 2015, o preenchimento do requisito está configurado a partir do desprovimento, na origem, do agravo interno interposto contra a inadmissão do extraordinário. Somente então é possível concluir materializada a usurpação da competência do Supremo ante a consideração equivocada, na origem, de entendimento surgido sob o ângulo da repercussão geral.”