30 de abril de 2021

RECLAMAÇÃO Nº 35.958 - CE, STJ: RECLAMAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1. CABIMENTO. PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STJ. 2. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. TRIBUNAL DE ORIGEM. INCOMPETÊNCIA

RECLAMAÇÃO Nº 35.958 - CE (2018/0125713-2) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECLAMAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1. CABIMENTO. PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STJ. 2. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. TRIBUNAL DE ORIGEM. INCOMPETÊNCIA. 3. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. 

1. A reclamação é via própria para preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça. 

2. O recurso ordinário, consectário direto do duplo grau de jurisdição, tem a mesma natureza jurídica do recurso de apelação, razão pela qual a ele se aplicava, analogicamente, o procedimento de julgamento da apelação, previsto no CPC/1973. 

3. O atual sistema processual, além de alterar o processamento dos recursos de apelação, passou a dispor expressamente da sistemática aplicável ao recebimento e processamento dos recurso ordinários. 

4. Diante da determinação legal de imediata remessa dos autos do recurso ordinário ao Tribunal Superior, independentemente de juízo prévio de admissibilidade, a negativa de seguimento ao recurso pelo Tribunal a quo configura indevida invasão na esfera de competência do STJ, atacável, portanto, pela via da reclamação constitucional. 

5. Reclamação procedente. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer e julgar procedente a reclamação, cassando a decisão de admissibilidade do recurso ordinário proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 0620480-78.2018.8.06.0000, e determinar sua remessa imediata para esta Corte Superior, após intimado o recorrido para apresentar contrarrazões, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Buzzi. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. 

Brasília, 10 de abril de 2019 (data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Cuida-se de reclamação apresentada por Alberto Bezerra de Souza e fundamentada no art. 105, I, f, da Constituição Federal, na qual se aponta como reclamado o Tribunal de Justiça do Ceará. 

Em suas razões, sustenta o reclamante que o TJ/CE teria usurpado a competência desta Corte Superior ao proferir juízo de admissibilidade em recurso ordinário em mandado de segurança interposto perante Tribunal reclamado e dirigido ao STJ. Acrescenta que o recurso ordinário tem natureza de apelação e somente poderia ter sua admissibilidade apreciada pelo Tribunal ad quem. Pleiteou, liminarmente, a concessão de efeito suspensivo ao Mandado de Segurança n. 0620480-78.2018.8.06.0000, o que foi indeferido sob o fundamento de ausência de periculum in mora. 

Contestação oferecida pelo interessado, Banco do Brasil S.A. (e-STJ, fls. 269-290). 

Informações prestadas pelo Tribunal reclamado (e-STJ, fls. 291-309). 

Em parecer de lavra do Subprocurador-Geral da República Dr. Maurício Vieira Bracks, o Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento da presente reclamação. 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): Cinge-se a controvérsia a definir se, no sistema processual civil vigente, caracteriza usurpação de competência o exercício do juízo de admissibilidade em recurso ordinário em mandado de segurança pelo Tribunal a quo. 

De início, destaco a questão da admissibilidade desta reclamação, porquanto, além da manifestação do Ministério Público Federal, há decisões recentes no âmbito do STJ que reafirmam não ser esta a via adequada para impugnar decisões que inadmitiram o recurso ordinário na origem. Nesse sentido: RCL. n. 35.503/SP, Rel.Min. Benedito Gonçalves, de 30/5/2018; e RCL n. 35.113/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, de 21/11/2017. 

Essas decisões, entretanto, apenas reiteram os precedentes das três Seções desta Corte Superior, erigidos sob o fundamento da inadmissibilidade de utilização da reclamação constitucional como sucedâneo recursal. É o que se depreende das ementas dos seguintes acórdãos: 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECLAMAÇÃO. 1. A reclamação não é via própria para atacar acórdão que nega seguimento a recurso ordinário em mandado de segurança, no âmbito do segundo grau, por ausência de preparo. 2. A competência originária e recursal do Superior Tribunal de Justiça é de natureza fechada. Impossível de ser ampliada para propiciar conhecimento de recurso ou ação originária não prevista na Constituição Federal. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg na Rcl n. 552/SP, Rel. Min. José Delgado, Primeira Seção, DJ 21/9/1998, p. 41) 

AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO. AFRONTA À DECISÃO DESTE TRIBUNAL. INOCORRÊNCIA. A reclamação oferecida perante esta Corte visa a preservar a competência do Tribunal ou a garantir a autoridade de suas decisões (artigos 105, "I", "f", da CF e 187 do RI/STJ), sendo inadmissível sua utilização para atacar decisão de tribunal estadual que nega seguimento a recurso ordinário em mandado de segurança, a qual deveria ter sido objeto de agravo interno, cujo julgamento pelo órgão colegiado ensejaria a interposição de recurso especial. Agravo a que se nega provimento. (AgRg nos EDcl na Rcl n. 2.339/SP, Rel. Min. Castro Filho, Segunda Seção, DJ 12/4/2007, p. 208) 

PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. PRETENSÃO DE DESTRANCAMENTO DE RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA INADMITIDO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. NÃO CABIMENTO DO REMÉDIO. DECISÃO PASSÍVEL DE RECURSO. INVIABILIDADE DE RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. 1. É inviável a utilização da reclamação como sucedâneo de eventual recurso, pois essa hipótese não se enquadra nos casos de cabimento da reclamação, previstas no art. 13 da Lei n.º 8.038/90 e no art. 187 do Regimento Interno deste Tribunal, especificamente de preservar a competência do Tribunal e/ou de garantir a autoridade das suas decisões. Precedentes. 2. É descabida utilização da reclamação para veicular a pretensão de destrancar recurso ordinário em mandado de segurança inadmitido pelo Tribunal de origem, na medida em que tal provimento judicial é impugnável via recurso. 3. Reclamação improcedente. (Rcl n. 1.824/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 7/10/2009) 

Todavia, a admissibilidade da reclamação deve ser revista por esta Corte Superior, uma vez que, no caso concreto, não se está diante de uma pretensão de rediscussão dos fundamentos da decisão de inadmissibilidade nem de mera reforma de suas conclusões. Com efeito, a presente reclamação deduz lide típica da ação constitucional utilizada, na medida em que pretende a efetiva cassação de decisão apontada como nula em virtude da apontada incompetência do Tribunal a quo. 

Nesse viés, o cabimento da presente reclamação é indissociável do próprio mérito da demanda, em que se debate a quem se atribui a competência para o julgamento de admissibilidade do recurso ordinário. 

Nos termos do art. 105, II, b, da Constituição Federal, o STJ é o órgão competente para o julgamento de recursos ordinários interpostos contra acórdãos denegatórios proferidos em mandado de segurança de competência originária dos tribunais federais e estaduais. Todavia, o procedimento desses recursos no STJ não era detalhado pela Lei n. 12.016/2009, que regula o mandado de segurança, tampouco pelo CPC/1973. 

Diante da omissão legislativa e observando a natureza jurídica do referido recurso, que se identificava com a do recurso de apelação, porque ambos são consectários diretos do duplo grau de jurisdição, esta Corte Superior firmou o entendimento de que ao recurso ordinário era aplicável, analogicamente, o procedimento previsto no CPC/1973 para julgamento de apelações cíveis. Nessa trilha, caberia ao órgão a quo, no recebimento dos recursos ordinários, o exame prévio da sua admissibilidade à simetria do previsto no art. 518 do CPC/1973. Somente após a decisão pelo recebimento do recurso é que os autos eram então remetidos ao STJ para julgamento de mérito. 

Nesse sentido (sem destaques no original): 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IRRESIGNAÇÃO INTERPOSTA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. NÃO-CABIMENTO SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INDEFERIMENTO PARCIAL DE PEDIDO DE LIMINAR POSTULADO COM A IMPETRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DA ALEGADA TERATOLOGIA. NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO COM REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM PARA O JULGAMENTO DO MÉRITO DO MANDAMUS. 1. Nos termos do art. 105, inc. II, letra b, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em sede de recurso ordinário, os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão. Assim sendo, não havendo ainda decisão de mérito, não há como conhecer da irresignação, sob pena de supressão de instância. 2. Aplicam-se ao recurso ordinário em mandado de segurança, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento, as regras do Código de Processo Civil relativas à apelação, recurso cabível contra decisão que extingue o processo (CPP, arts. 267 e 269 ? RISTJ, art. 247). 3. Não fora isso, apenas para argumentar, não há teratologia na decisão colegiada atacada, uma vez que o eventual deferimento de pedido de liminar formulado em sede de mandado de segurança está condicionado, simultaneamente, à relevância do seu fundamento e à ineficácia da medida quando do julgamento definitivo, pressupostos ausentes na hipótese. 4. Com efeito, o deferimento parcial pelo Plenário do Tribunal a quo da liminar reclamada no aludido writ, garantindo aos impetrantes a disponibilidade dos rendimentos recebidos de pessoa jurídica a título de verbas alimentícias, em valor correspondente aos do ano anterior, declarados quando do ajuste anual do imposto de renda, afastou eventual ilegalidade e/ou abuso constante no decisum objeto da impetração, assegurando a eficácia da decisão a ser proferida quando do julgamento do mérito do writ. 5. Recurso ordinário não conhecido, com o retorno dos autos a origem para o julgamento do mérito da impetração. (RMS n. 17.405/CE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 26/9/2005, p. 407) 

Contudo, o atual sistema processual, além de alterar o procedimento para processamento e julgamento das apelações, dispõe também de forma específica acerca do processamento dos recursos ordinários nos arts. 1.027 e 1.028 do CPC/2015. 

Segundo o novo regramento legal, o duplo grau de jurisdição não se sujeita ao exame prévio de admissibilidade pelo órgão de origem. Isso porque o legislador, além de eliminar a possibilidade de o juiz negar seguimento à apelação, foi expresso em determinar a imediata remessa dos autos do recurso ordinário ao juízo ad quem. É o que se depreende do art. 1.208, § 2º e 3º (sem destaques no original): 

Art. 1.028. [...] § 2º O recurso previsto no art. 1.027, incisos I e II, alínea “a” [os mandados de segurança decididos em única instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão], deve ser interposto perante o tribunal de origem, cabendo ao seu presidente ou vice-presidente determinar a intimação do recorrido para, em 15 (quinze) dias, apresentar as contrarrazões. § 3º Findo o prazo referido no § 2º, os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior, independentemente de juízo de admissibilidade. 

Diante da disposição expressa e atual, não remanesce nenhuma dúvida acerca da competência exclusiva desta Corte Superior para analisar o preenchimento dos requisitos essenciais à admissibilidade do recurso ordinário, bem como para apreciação de seu mérito. Nesse contexto, ao obstar a subida dos autos, sem competência negar seguimento ao recurso interposto, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará acabou por invadir a esfera de competência desta Corte Superior. 

Com esses fundamentos, conheço da presente reclamação para julgá-la procedente, cassando a decisão de admissibilidade do recurso ordinário, proferida nos autos do Mandado de Segurança n. 0620480-78.2018.8.06.0000 e determinando sua remessa imediata para esta Corte Superior, após intimado o recorrido para apresentar contrarrazões. 

É como voto. 

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