RECURSO ESPECIAL Nº 1.758.800 - MG (2017/0023348-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE BENEFÍCIO DE
PREVIDÊNCIA PRIVADA. VIOLAÇÃO DE SÚMULA. NÃO CABIMENTO.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. INTIMAÇÃO DO
EXECUTADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER.
PRONUNCIAMENTO JUDICIAL APTO A CAUSAR PREJUÍZO. RECURSO CABÍVEL.
JULGAMENTO: CPC/15.
1. Ação de complementação de benefício de previdência privada ajuizada
em 2007, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em
06/07/2016 e atribuído ao gabinete em 06/03/2017.
2. O propósito recursal é dizer sobre a negativa de prestação jurisdicional
bem como sobre a recorribilidade do pronunciamento judicial que, na fase
de cumprimento de sentença, determina a intimação do executado, na
pessoa do advogado, para cumprir obrigação de fazer sob pena de multa.
3. Não cabe recurso especial para impugnar eventual violação de súmula,
porquanto não se enquadra no conceito de lei federal, disposto no art. 105,
III, "a" da CF/88.
4. A mera referência à existência de omissão, sem demonstrar,
concretamente, o ponto omitido, sobre o qual deveria ter se pronunciado o
Tribunal de origem, e sem evidenciar a efetiva relevância da questão para a
resolução da controvérsia, não é apta a anulação do acórdão por negativa
de prestação jurisdicional.
5. A Corte Especial consignou que a irrecorribilidade de um pronunciamento
judicial advém, não só da circunstância de se tratar, formalmente, de
despacho, mas também do fato de que seu conteúdo não é apto a causar
gravame às partes.
6. Hipótese em que se verifica que o comando dirigido à recorrente é apto a
lhe causar prejuízo, em face da inobservância da necessidade de intimação pessoal da devedora para a incidência de multa pelo descumprimento de
obrigação de fazer.
7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente
provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nesta parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra
Relatora. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura
Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Brasília (DF), 18 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
Cuida-se de recurso especial interposto por FUNDAÇÃO VALE DO RIO
DOCE DE SEGURIDADE SOCIAL - VALIA, fundado nas alíneas “a” e “c” do
permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/MG.
Ação: de complementação de benefício de previdência privada
ajuizada por ARLINDO GOMES E OUTROS em face de FUNDAÇÃO VALE DO RIO
DOCE DE SEGURIDADE SOCIAL – VALIA, julgada procedente, atualmente na fase de
cumprimento definitivo de sentença.
Decisão: o Juízo de primeiro grau determinou a intimação da
executada para comprovar o pagamento no prazo de 15 dias, sob pena de multa de
10% do valor devido, nos termos do art. 475-J do CPC/73, bem como para, no
mesmo prazo, implementar as suplementações revisadas, sob pena de multa que
arbitrou no dobro devido para cada mês vincendo, a partir da intimação, fixando,
desde logo, os honorários em 10% sobre o valor do débito líquido.
Acórdão: o TJ/MG negou provimento ao agravo regimental interposto pela FUNDAÇÃO VALE DO RIO DOCE DE SEGURIDADE SOCIAL – VALIA,
mantendo a decisão monocrática do Desembargador Relator que havia negado
seguimento ao agravo de instrumento. A ementa está redigida nestes termos:
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO. DECISÃO
MONOCRÁTICA. DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE. AUSÊNCIA DE CONTEÚDO
DECISÓRIO. IRRECORRIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO.
1. Deve ser mantida a decisão unipessoal do Relator que não conheceu do agravo
de instrumento interposto contra ato judicial sem conteúdo decisório, que somente
determinou a intimação da parte para cumprimento voluntário da obrigação de
fazer.
2. Se o comando contra o qual se insurge a recorrente é de mero expediente, não
pode ser objeto de recurso, a teor do disposto no artigo 504 do CPC.
Embargos de declaração: opostos pela FUNDAÇÃO VALE DO RIO
DOCE DE SEGURIDADE SOCIAL – VALIA, foram rejeitados.
Recurso especial: aponta violação da súmula 211/STJ, dos arts.
1.022, 536, § 1º, e 815, do CPC/15, bem como dissídio jurisprudencial.
Sustenta, a par da negativa de prestação jurisdicional, que “a decisão
que manteve a intimação da Valia, na pessoa de seus advogados, para cumprir
obrigação de fazer sob pena de multa não merece prevalecer e possui notório
caráter decisório, visto se tratar de uma decisão interlocutória que deu marcha ao
processo, instaurando o início da fase de cumprimento de sentença” (fl. 180,
e-STJ).
Afirma “que não se questionou a intimação recebida para efetuar o
depósito em garantia, nos termos do art. 475-J do CPC/1973, mas tão somente a
necessidade de reforma da decisão para que fosse determinada a realização da
intimação pessoal da devedora, sob pena de não se poder fazer incidir (ou ainda
que incidisse, não se pudesse cobrar) a multa diária arbitrada” (fl. 182, e-STJ).
Defende, por isso, o cabimento do agravo de instrumento.
Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/MG inadmitiu o recurso, dando azo à interposição do AREsp 1.051.026/MG, provido para determinar a
conversão em especial (fl. 286, e-STJ).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
O propósito recursal é dizer sobre a negativa de prestação
jurisdicional bem como sobre a recorribilidade do pronunciamento judicial que, na
fase de cumprimento de sentença, determina a intimação do executado, na pessoa
do advogado, para cumprir obrigação de fazer sob pena de multa.
1. DA VIOLAÇÃO DE SÚMULA
Não cabe recurso especial para impugnar eventual violação de súmula,
porquanto não se enquadra no conceito de lei federal, disposto no art. 105, III, "a"
da CF/88.
2. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Constata-se que a recorrente faz mera referência à existência de
omissão no acórdão recorrido, mas não demonstra, concretamente, os pontos
omitidos, sobre os quais deveria ter se pronunciado o TJ/MG, tampouco evidencia
a efetiva relevância das questões para a resolução da controvérsia, a justificar a anulação do acórdão por negativa de prestação jurisdicional.
Aplica-se, neste ponto, a Súmula 284/STF.
3. DA NATUREZA JURÍDICA DO ATO QUE DETERMINA A
INTIMAÇÃO DO EXECUTADO, INSTAURANDO A FASE DE CUMPRIMENTO
DE SENTENÇA
S
obre esse pronunciamento judicial, cuja natureza jurídica ora se
analisa, registrou o TJ/MG:
Na hipótese dos autos, não deveria mesmo ser conhecido o
agravo de instrumento, pois, a meu ver, ao contrário do alegado pela
agravante, o ato judicial que desafiou o agravo de instrumento, sem sombra
de dúvida, possui natureza de despacho de mero expediente, por ter
determinado tão somente a intimação da agravante para
cumprimento voluntário da obrigação de fazer, a teor do artigo
461 do CPC, o qual permite a intimação do devedor na pessoa de
seus procuradores. (fl. 148, e-STJ).
Há julgados desta Corte no sentido de que é “incabível agravo de
instrumento contra o despacho que determina a citação dos devedores para
pagamento ou oferta de bens à penhora” (AgRg no Ag 550.748/MG, Terceira
Turma, julgado em 23/03/2004, DJ 19/04/2004; REsp 460.214/SP, Segunda Turma,
julgado em 01/06/2006, DJ 02/08/2006; REsp 141.592/GO, Quarta Turma, julgado
em 04/10/2001, DJ 04/02/2002, p. 366), ao fundamento de que tal
pronunciamento judicial não contém qualquer carga decisória.
A Corte Especial, ao julgar o AgRg na Rcl 9.858 (julgado em
17/04/2013, DJe 25/04/2013), consignou que a irrecorribilidade de um
pronunciamento judicial advém, não só da circunstância de se tratar, formalmente,
de despacho, mas também do fato de que seu conteúdo não é apto a causar
gravame às partes.
Sob essa ótica, verifica-se, no particular, que o comando dirigido à
recorrente é apto a lhe causar prejuízo, em face da inobservância da necessidade
de intimação pessoal da devedora para a incidência de multa pelo
descumprimento de obrigação de fazer, consoante determinou a Corte Especial,
no julgamento do EREsp 1.360.577/MG (julgado em 19/12/2018, DJe de
07/03/2019).
Isso porque a ordem judicial, ainda que contrária ao entendimento do
STJ, produz plenamente seus efeitos até que seja invalidada.
Então, num primeiro momento, revela-se o prejuízo causado à
recorrente, que poderá ser compelida ao pagamento da multa, se não cumprir a
obrigação no prazo estipulado pelo Juízo de primeiro grau, ainda que não tenha
sido, para tanto, devidamente comunicada por meio da sua intimação pessoal;
num segundo momento, entretanto, vislumbra-se o prejuízo para os próprios
recorridos, na hipótese de eventual invalidação da ordem judicial.
Convém ressaltar, por oportuno, que a orientação extraída da súmula
410/STJ é no sentido de que a multa incide desde o momento em que vence o
prazo para o cumprimento voluntário da obrigação, ou melhor, a partir da
intimação pessoal do devedor se inicia a contagem do prazo para o cumprimento
da decisão, sob pena de incidência imediata da multa previamente estabelecida.
Daí se constata o equívoco do TJ/MG ao afirmar que “a intimação
pessoal do devedor tão somente se dá para ensejar a cobrança da multa
cominatória fixada, o que não é o caso dos autos” (fl. 149, e-STJ).
Dessa forma, tendo sido essa questão trazida a debate neste recurso
especial, há de ser reformado o acórdão recorrido, a fim de que se determine,
desde logo, a intimação pessoal da recorrente para o cumprimento da obrigação
de fazer.
4. DA CONCLUSÃO
Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e,
nessa extensão, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, a fim de reformar o acórdão
recorrido e determinar, desde logo, a intimação pessoal da recorrente para
cumprimento da obrigação de fazer, nos termos da decisão exarada pelo Juízo de
primeiro grau.