A trabalhadora buscou a Justiça do Trabalho para pedir a anulação
de sua dispensa e reintegração no emprego, por acreditar que o ato foi
discriminatório e ilegal. Na sua visão, tudo indica que a ruptura do
contrato teve como motivo o fato de professar a fé Adventista do Sétimo
Dia, o que lhe impede de prestar serviços no sábado. Apesar de o
requerimento ter sido negado pela sentença, a 4ª Turma do TRT-MG
entendeu que a empregada tem razão. Isso porque as provas do processo
deixaram claro que a autora foi mesmo vítima de discriminação religiosa,
que culminou na sua despedida arbitrária, o que viola o ordenamento
jurídico brasileiro e disposições internacionais.
Segundo explicou a juíza convocada Ana Maria Espi Cavalcanti, a
reclamante ingressou nos quadros da reclamada, uma empresa pública
integrante da administração indireta do Estado, em maio de 2010, por
meio de concurso público, na forma prevista no artigo 37, II, da
Constituição Federal. Á época, a trabalhadora apresentou à empregadora
certificado de batismo na fé Adventista do Sétimo Dia, datado de 2006,
motivo pelo qual guardava o sétimo dia da semana. Assim, a ré deixou de
exigir dela a prestação de serviços aos sábados, submetendo-a a jornada
de oito horas diárias e quarenta semanais, a partir de setembro de 2010,
conforme consta no documento de alteração de contrato de trabalho.
Ocorre que, em julho de 2011, a autora foi dispensada, sob o argumento
de que ela não possuía disponibilidade de horário para atender às
necessidades do setor e não havia vaga para remanejamento.
Para a relatora, não há dúvida, a dispensa aconteceu por questões
religiosas, de forma arbitrária, ilegal e discriminatória. "De fato,
não restou evidenciada nos autos a real necessidade da Administração
Pública em relação ao trabalho da obreira aos sábados, e tampouco os
eventuais prejuízos causados com a manutenção de suas atividades,
deixando a ré de comprovar, ainda, a inexistência de vagas compatíveis
para o respectivo remanejamento", ponderou. Apesar de as regras do
edital do concurso público mencionarem expressamente que a empregada
deve se sujeitar aos horários de trabalho definidos pelo empregador,
essas normas foram superadas pela aceitação, por parte da empresa, da
condição de sabatista da autora. Tanto que, desde o começo, ficou
estabelecido que a jornada da reclamante seria de oito horas diárias e
quarenta semanais.
Além disso, acrescentou a juíza convocada, o cumprimento da
jornada de segunda a sexta feira configurou condição mais benéfica, que
aderiu ao contrato de trabalho e não pode ser alterada de forma
unilateral e em prejuízo da empregada, sob pena de nulidade, nos termos
dos artigos 9º e 468 da CLT. A magistrada lembrou que a empresa não
demonstrou que o término do contrato da reclamante tivesse outra razão,
que não a circunstância religiosa. O direito do empregador de efetivar a
dispensa sem justa causa encontra limites no princípio da não
discriminação, que é um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil. E a Constituição trata expressamente da liberdade
religiosa, no título dos direitos e garantias fundamentais, assegurando
não só o livre exercício dos cultos, como a proteção aos locais onde
eles ocorrem e também os seus rituais.
A relatora destacou que a preocupação com as práticas
discriminatórias não está limitada ao ordenamento jurídico brasileiro.
Exemplos de combate a essas condutas estão nas Convenções 111/58 e
117/62 da Organização Internacional do Trabalho, ambas ratificadas no
Brasil, que estabelecem a supressão de toda discriminação contra
trabalhadores. Recentemente, a Declaração da OIT sobre os princípios e
direitos fundamentais no trabalho voltou a reforçar a não discriminação
em matéria de emprego ou ocupação e o compromisso das nações em
combatê-la. A juíza convocada mencionou, ainda, o teor da Lei nº
9.029/95, que proíbe procedimentos discriminatórios na admissão ou
durante a relação de emprego. Essa lei lista as modalidades de
discriminação e, embora, a crença religiosa não esteja ali definida, a
magistrada enfatizou que a enumeração não pode ser taxativa, cabendo ao
intérprete integrar novas formas de discriminação.
"Portanto, todo o arcabouço jurídico sedimentado em torno da
matéria deve ser considerado como limitação negativa da autonomia
privada, com vistas a preservar a eficácia dos direitos fundamentais,
dentre o quais se destaca a liberdade religiosa. E, in casu, como visto é
de se presumir discriminatório o despedimento da reclamante", finalizou
a juíza convocada, declarando nula a rescisão contratual e determinando
a reintegração da autora no emprego, sem que lhe seja exigido o
trabalho durante o período compreendido entre o por do sol da sexta
feira e o por do sol do sábado, por professar a fé Adventista do Sétimo
Dia, com pagamento dos salários vencidos e que estão por vencer, até o
efetivo retorno. A magistrada autorizou a dedução das verbas rescisórias
recebidas anteriormente. A 4ª Turma, por unanimidade, acompanhou o voto
da relatora.
( 0000745-84.2011.5.03.0066 ED )
Fonte: TRT-3
Nenhum comentário:
Postar um comentário