22 de julho de 2013

TJ-SP paga R$ 213 milhões em ‘vantagens eventuais’ e salário de magistrados dobra

Cofre do Judiciário. Vários tipos de abonos engordam os rendimentos mensais de juízes paulistas e extrapolam o teto constitucional quase todos os meses; no primeiro semestre deste ano, 47% de tudo o que foi pago à Corte estadual refere-se a esses “penduricalhos”
De tudo o que caiu na conta dos magistrados do Tribunal de Justiça de São Paulo em 2013,47,2% vêm de uma rubrica denominada pela Corte de “vantagens eventuais”. Na prática, juízes e desembargadores receberam no primeiro semestre, em média, um salário a mais por mês com essas vantagens. Nesse período, elas corresponderam a desembolso de R$ 213,3 milhões. Os rendimentos líquidos dos magistrados somaram R$ 451,6 milhões.
A folha de pagamento do TJ-SP revela que há casos de juízes que receberam como “vantagens eventuais” valores que chegam a quase quatro vezes o teto constitucional, que é de R$ 25,3 mil. Um desembargador recebeu em maio R$ 94,7 mil em vantagens – na conta dele caíram R$ 117,1 mil líquidos.
Vantagens eventuais contemplam extenso rol de situações e circunstâncias – previstas em lei, destaca o TJ -, a saber: abono constitucional de um terço de férias, indenização e antecipação de férias, gratificação natalina, antecipação de gratificação natalina, serviço extraordinário, substituição, pagamentos retroativos e Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), dispositivo endossado pelo Supremo Tribunal Federal que nivela os vencimentos do Judiciário com os do Legislativo.
Ainda sob o abrigo do guarda-chuva de rubricas e nomenclaturas estão verbas concedidas com base na Lei Federal 10.474/02 – que dispõe sobre remuneração da magistratura da União -, “já pagos na esfera federal” e “outras desta natureza”. Muitos pagamentos individuais vão além do limite do teto constitucional quase todos os meses. O contracheque passa ileso do corte porque os valores extraordinários, que estufam holerites, são relativos a benefícios devidos, mas atrasados e acumulados.
“O teto não abrange 13.° salário, férias e indenizações passadas”, afirma o desembargador Henrique Nélson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Embora sejam “eventuais”, as vantagens foram pagas nos seis meses do ano, o que elevou a R$ 213,3 milhões o desembolso relativo a esse item. Os rendimentos líquidos de juízes e desembargadores somaram R$ 451,6 milhões. O volume global de créditos, sem os descontos em folha, ultrapassou a casa do meio bilhão de reais – R$ 579,7 milhões, precisamente.
As informações sobre o contracheque da toga estão no portal do tribunal paulista, tornadas públicas na gestão do presidente da Corte, Ivan Sartori, em obediência à resolução do Conselho Nacional de Justiça.
Maio bateu o recorde. Desembolsos a muitos juízes quintuplicaram. O total de créditos foi a R$ 165,9 milhões, dos quais R$ 144,5 milhões de rendimento líquido – com descontos do imposto na fonte e previdência pública. Em vantagens eventuais, o pagamento atingiu R$ 104,9 milhões, ante R$ 21,9 milhões em abril.
Auxílios. Ainda em maio foram pagos R$ 2,57 milhões em vantagens pessoais, que alojam adicional por tempo de serviço, quintos, décimos e verbas decorrentes de sentença judicial ou extensão administrativa, mais “abono de permanência” – quando o magistrado já tem tempo para se aposentar, mas fica na ativa. Juízes receberam, ainda, R$ 2,44 milhões em indenizações, fieira de sete auxílios: alimentação, transporte, pré-escolar, saúde, natalidade, moradia e ajuda de custo, “além de outras desta natureza”.
“Não há nada de ilegal, nem de imoral nos pagamentos”, atesta Calandra. “As vantagens eventuais têm que ser pagas. A magistratura tem direito, assim como recebeu valor elevado o ministro Joaquim Barbosa (presidente do STF), inclusive pelo tempo em que exerceu a função de procurador da República.”
Desembargador do TJ-SP, Calandra é taxativo. “As vantagens não são pagas muitas vezes por falta de verbas, muitas vezes por falta de vontade política. Todos esses pagamentos são discutidos e auditados.”
O desembargador Renato Sartorelli esclareceu que o acréscimo em maio diz respeito a antecipação do 13.° salário (70% por causa de seu aniversário), antecipação de férias e abono de permanência. “Em junho voltou ao normal. Nunca pedi antecipação de indenização, embora tenha créditos a receber em razão do largo tempo de serviço.”
PARA LEMBRAR
O presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, admitiu ao Estado no último dia 3 que é candidato à reeleição. Ao ser questionado pela reportagem sobre o apoio que vem recebendo dos servidores do Judiciário, e indagado se essa situação o estimula a buscar a recondução ao posto de mandatário da corte estadual, ele disse, por meio de sua assessoria de imprensa: “A reeleição, por mais um mandato, faz parte do projeto da Presidência para o desenvolvimento dos muitos projetos já iniciados”. Contudo, fez uma ressalva:
“A reeleição, entretanto, dependerá de decisão do Órgão Especial e o presidente Sarto-ri acatará o decidido”.
Direito adquirido
“Não há nada de ilegal nos pagamentos. As vantagens eventuais têm de ser pagas; a magistratura tem direito”
Henrique Calandra
DESEMBARGADOR DO TJ-SP E PRESIDENTE DA Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
‘Valores podem variar ao longo dos meses’, afirma Corte
O Tribunal de Justiça informou que o teto remuneratório constitucional e o subsídio mensal de seus magistrados são aplicados de acordo com a Resolução 13/06, do Conselho Nacional de Justiça. Os dados sobre pagamentos constam do Portal Transparência da Corte. “Os valores e remunerações dos magistrados podem variar ao longo dos meses”, diz o TJ.
Essa variação ocorre em virtude de eventuais pagamentos de valores relativos a 1/3 constitucional de férias, indenização de férias, antecipação de 13.° salário, 13.° salário, pagamentos retroativos de diferenças salariais, como a Lei Federal 10.474/02 e a Parcela Autônoma de Equivalência, já pagas na esfera federal, aglutinados nas “vantagens eventuais”.
Segundo o TJ, quase R$ 2 bilhões são devidos à toga. “Os pagamentos retroativos, efetuados mensal e isonomicamente a todos os magistrados, são oriundos do passivo, atualmente de R$ 1,8 bilhão.”
As fontes dos recursos são o Tesouro e o Fundo Especial de Despesa do TJ. Sobre os magistrados citados pela reportagem, o TJ esclareceu: “Foram creditados valores referentes a verbas trabalhistas, de acordo com a legislação em vigência, assim como pagamentos previstos na Resolução 568/12, tais como enfermidade e aposentadoria”.
O desembargador Luís Antonio Ganzerla, que ostenta longa história de dedicação à toga, informou que, pela primeira vez, recebeu valor a maior – R$ 40 mil – em relação aos outros. Esclareceu que esse valor é decorrente de solicitação atendida de adiantamento de créditos que possui junto à Corte, em razão de necessidade de cirurgia.
“O adiantamento foi efetuado dentro das regras rígidas estabelecidas pela resolução 568/2012″, assinala Ganzerla. Ele enviou ao Estado papéis que comprovam todas as despesas médicas e hospitalares.
O juiz Alfredo Attiê acredita que existe “algum equívoco” na menção a seu nome. “Não recebi o valor líquido de R$ 87 mil, em maio, nem em nenhum outro mês. Único pagamento superior ao de meus vencimentos mensais somente pode ter ocorrido em junho, quando requeri o pagamento de dias de licença-prêmio vencida, além de metade do 13.° salário, por ser mês de meu aniversário. Em julho obtive 20 dias de férias, que estou usando para minhas pesquisas acadêmicas e de aperfeiçoamento profissional, além de ter colaborado de modo voluntário com a Escola da Magistratura.” O desembargador Renato Sartorelli, da Seção de Direito Privado, prestigiado entre seus pares, com 38 anos de carreira, destacou que recebeu verbas “rigorosamente idênticas àquelas recebidas mensalmente pelos demais desembargadores, respeitadas evidentemente as vantagens pessoais”.
Acusado de corrupção recebeu R$ 84 mil logo após ser afastado
Del Guércio responde a denúncia de que cobrava por seus votos; só no 1° semestre ele ganhou R$ 143 mil em “vantagens”
Afastado das funções desde 3 de abril, por suspeita de corrupção, o desembargador Arthur Del Guércio Filho continua recebendo regularmente os vencimentos e é merecedor das chamadas vantagens pessoais e eventuais que elevam seu holerite a patamar privilegiado.
Em maio, um mês após tomar cautelarmente a toga de Del Guércio, o Tribunal de Justiça depositou em sua conta R$ 53,59 mil apenas a título de vantagens eventuais. Ao todo, já longe da Corte e sem dar expediente, o magistrado ficou com R$ 84,6 mil – tirando R$ 15,17 mil de débitos lhe sobraram R$ 69,42 mil líquidos.
Entre janeiro e junho, o TJ pagou a ele R$ 143,76 mil em vantagens eventuais. O total de créditos a ele concedido alcançou, no período, R$ 330,9 mil.
O Órgão Especial do TJ- colegiado formado por 12 desembargadores eleitos, 12 mais antigos e o presidente do tribunal – decretou provisoriamente o afastamento de Del Guércio após denúncias de um grupo de advogados, que o acusam de exigir dinheiro para votar favoravelmente em causas de seus interesses. A saída do desembargador foi decretada por unanimidade.
Aos 58 anos, desde 1983 na magistratura, Del Guércio chegou ao TJ em 2005, quando assumiu o posto de desembargador. Há seis anos tinha assento na 15. Câmara de Direito Público, que julga exclusivamente casos de corrupção e improbidade. Sob sua relatoria ele mantinha acervo de 1.800 processos.
Torpedos. A Polícia Federal investiga Del Guércio por ordem do Superior Tribunal de Justiça. A apuração mostra que era seu hábito enviar torpedos por celular para causídicos solicitando quantias de até R$ 35 mil. “Tudo a sugerir um verdadeiro padrão de comportamento desbordante da mais comezinha postura expectável de um magistrado”, recriminou o presidente do TJ, desembargador Ivan Sartori.
Para evitar processo disciplinar que poderá culminar com sua exoneração, Del Guércio pediu aposentadoria, o que lhe foi negado. Só não lhe são negados os vencimentos integrais e as inúmeras vantagens. Em abril, já sob suspeita, Del Guércio foi contemplado com rendimento líquido de R$ 31,03 mil, de um total de créditos que chegou a R$ 46,21 mil. Em vantagens eventuais ele recebeu R$ 15,14 mil.
Os criminalistas José Luís Oliveira Lima e Camila Torres César, que defendem o desembargador, avaliam que ele é alvo de um “tribunal de exceção”. Lima e Camila assinalaram em petição ao Órgão Especial. “A presunção de inocência, princípio tão caro ao devido processo legal e igualmente aplicável ao processo administrativo, foi, para dizer o mínimo, ignorada e substituída por uma espécie de ‘presunção de culpa’, que deixa transparecer a precoce formação do convencimento do órgão colegiado.” / f.m. e f.g.
Autor: Fausto Macedo e Fernando Gallo
Fonte: O Estado de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário