A segunda parte do substitutivo ao novo CPC, PL 8.046/10,
aprovado na comissão especial da Câmara no último dia 17/6, denominada
"Do Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença", detém-se
minuciosamente no conceito de fundamentação dos atos judiciais, dispondo
no art. 499, que:
"§1° Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:I – se limita à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo;II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;III – invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;V – se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.§ 2º No caso de colisão entre normas, o órgão jurisdicional deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada."
Em primeiríssimo lugar,
as hipóteses arroladas pelo legislador mostram sensibilidade ao tema da
construção da aceitação da decisão judicial pelos jurisdicionados, o que
só é possível se o julgador mostrar-se coerente, persuasivo. Mesmo a
decisão contra a qual se recorre há que ser percebida como
compreensível, ainda que perfilhada a entendimento com o qual não se
concorda. A decisão que não se explica, que não mostra de onde veio,
suscita descrença no sistema judicial como um todo e não contribui para a
pacificação social.
Outros dois grandes temas
do direito contemporâneo são facilmente identificáveis nos dispositivos
acima: a necessidade de unificação da jurisprudência, diante do
assoberbamento dos tribunais, com a consequente valorização dos
precedentes e, no parágrafo segundo, a colisão entre princípios e os
critérios para sua solução.
Colisão de princípios
Com a complexidade
social, a regulação jurídica excessiva dela decorrente e a
constitucionalização do Direito, tornou-se rotineiro identificar o
substrato de conflitos de interesses como "colidência entre princípios".
Tão comum como o diagnóstico também tornou-se a indicação do
tratamento, qual seja, a teoria da ponderação de valores, originalmente
proposta por Robert Alexy, mas que já sofreu adaptações, simplificações e
variações inerentes a toda popularização.
Na mesma linha da
preocupação com a transparência do julgado, com a força persuasiva que
deve desprender-se das decisões e da contribuição para a paz social que a
decisão judicial criteriosamente construída pode oferecer, o texto do
parágrafo segundo do mesmo art. 499 acima transcrito torna lei a
necessidade de o julgador revelar o critério de que se valeu para
hierarquizar, no caso concreto, as normas conflitantes.
Regulação do sistema de precedentes judiciais, uma necessidade contemporânea
Dentre as hipóteses
arroladas pelo legislador como não suficientes para caracterizar a
fundamentação da decisão merecem destaque aquelas contidas nos incisos V
e VI, reveladoras da importância que os precedentes vêm adquirindo no
sistema jurídico brasileiro. Embora descendente da família do Direito
romano-germânico, em que só a lei era fonte de direitos, o sistema
brasileiro vem abrindo-se progressiva e rapidamente à adoção do
precedente como fundamento de decisões judiciais.
Doutrinadores têm chamado
a atenção, contudo, para as modificações no sistema que se impõem com a
adoção de tal sistemática, sob pena de incoerência e sobretudo de
insegurança jurídica.
Guiado por essa
motivação, pelo texto do substitutivo não basta que o julgador invoque
precedente ou enunciado de súmula, sendo necessário que identifique os
fundamentos determinantes contidos naqueles e mostre que o caso sob
julgamento se ajusta aos mesmos fundamentos (art. 499, §1°, V). Da mesma
forma, de acordo com o inciso VI, se deixar de seguir enunciado de
súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, o julgador
haverá que demonstrar a distinção daqueles com o caso em julgamento ou a
superação de tal entendimento.
Mais adiante, no título
relativo à sentença, há um capítulo reservado ao precedente judicial
(arts. 520 e 521). E no longo rol de parágrafos e incisos do art. 521
aparecem regras para a adoção dos precedentes, dentre as quais o
escalonamento hierárquico das decisões tomadas como tal, conforme o
tribunal de onde se originem:
"Art. 521 (...)I – os juízes e tribunais seguirão as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;II – os juízes e os tribunais seguirão os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos e os precedentes em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;III – os juízes e tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem;IV – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os juízes e tribunais seguirão os precedentes:a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional;b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nesta ordem, em matéria infraconstitucional;V – não havendo precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os juízes e órgãos fracionários de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal seguirão os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem;VI – os juízes e órgãos fracionários de tribunal de justiça seguirão, em matéria de direito local, os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem."
Algumas orientações
gerais para a superação do precedente vêm listadas no parágrafo primeiro
do mesmo art. 521, embora as hipóteses dos incisos II e III deixem
matéria de suma importância um tanto abertas:
"§ 1º A modificação de entendimento sedimentado poderá realizar-se:I – por meio do procedimento previsto na Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando tratar-se de enunciado de súmula vinculante;II – por meio do procedimento previsto no regimento interno do tribunal respectivo, quando tratar-se de enunciado de súmula da jurisprudência dominante;III – incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou na causa de competência originária do tribunal, nas demais hipóteses dos incisos II a VI do caput deste artigo."
Fonte: Migalhas
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