2 de abril de 2021

POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL; TRANSAÇÃO PENAL; NÃO OFERECIMENTO; DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

PRIMEIRA TURMA RECURSAL CRIMINAL PROCESSO Nº0039562-02.2019.8.19.0210 RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO RECORRIDO: MAX THALISSON DEVINO BARBOZA APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE DE DROGA PARA CONSUMO PRÓPRIO. HOMOLOGAÇÃO DE TRANSAÇÃO REJEITADA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006 . RECURSO CONHECIDO E PROVIDO RELATÓRIO 

Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público da sentença que deixou de oferecer transação penal em razão da prática da conduta descrita no art. 28 da lei nº 11.343/06 , por entender que a mesma é atípica em razão do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 28 da lei nº 11.343/2006, aplicando-se o Enunciado 73 do FONAJE : " O juiz pode deixar de homologar transação penal em razão de atipicidade , ocorrência de prescrição ou falta de justa causa para a ação penal , equivalendo tal decisão à rejeição da denúncia ou falta de justa causa para a ação penal , equivalendo tal decisão à rejeição da denúncia ou falta de justa causa para a ação penal, equivalendo tal decisão à rejeição da denúncia ou queixa". Alega o Ministério Público que ocorreu manifesto error in procedendo, promovendo o arquivamento da pretensão punitiva estatal, usurpando a atribuição exclusiva do órgão acusador e violando o princípio acusatório, o que lhe é defeso, ao mesmo passo que deixou a magistrada a quo de proferir decisão com conteúdo jurisdicional. No mérito, sustenta o Ministério Público que a magistrada a quo avançou artificiosamente em verdadeiro controle abstrato, analisando a lei em tese, o que é vedado ao juízo comum no exercício do controle difuso da constitucionalidade. Acrescenta que na r. sentença nenhuma linha de conduta do Autor do fato foi traçada na decisão, e a sua interpretação conforme do referido dispositivo legal deveria ser escrutinada de acordo com o caso concreto, e não levantada em tese, sem o cotejo dos autos, de forma abstrata, o que lhe é vedado. Argumenta que o legislador optou pela incriminação da posse de pequena quantidade de substância entorpecente para consumo próprio (art. 28 da lei nº 10.343/06), mantendo a prevalência da saúde pública/ordem social. Que os crimes de perigo abstrato têm a função preventiva em relação a tutela ao bem jurídico, onde o risco de lesão ao bem jurídico é presumido. A sua análise se dá ex ante, e não caso a caso, ex post. Só o fato de submeter o bem a situação de risco já basta para consumar o delito, ou seja, basta uma situação de ameaça, eis que a lei presume iure et de iure que determinado comportamento gera perigo. Rechaça o argumento defensivo da violação ao princípio da intimidade e da vida privada, alegando que no cotejo da concretização feita pelo legislador ordinário inquinada no decisum e a norma constitucional invocada pelo magistrado , prevista no art. 5º , inc. X , extrai-se que a concretização constitucional resta efetivamente mantida , na medida que o uso de substância entorpecente não foi criminalizado pelo tipo penal em comento, restando , portanto , incólume o direito à intimidade e à vida privada. O Apelado apresentou contrarrazões às fls. 33/45, alegando que o tipo penal previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/06 viola o princípio da legalidade, já que o tipo penal em questão exige complemento presente na Portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Acrescenta que em decorrência dos princípios da intervenção mínima do Direito Penal e da ofensividade , a tipicidade deve ser vista sob dois aspectos : o formal ( quando a conduta do agente se amolda aos elementos descritos abstratamente no tipo penal ) e o conglobante que , diga-se, desde já , somente é observada quando a conduta do agente ofende de forma significante o bem jurídico penalmente tutelado ( aspecto objetivo e material do tipo penal que evidencia a lesividade da conduta ), tratando-se assim de fato atípico. Que uma pequena quantidade de substância tida como droga não tem potencial lesivo contra a saúde pública. A Defensoria Pública junto à Turma Recursal manifestou-se às fls. 48, requerendo que se manifeste expressamente sobre o prequestionamento. O Promotor de Justiça em atuação junto a esta Turma, manifestou-se às fls. 48/v., ratificando as contrarrazões apresentadas. VOTO Trata-se de Apelação interposta pelo Ministério Público onde objetiva anular a sentença que deixou de oferecer a transação penal, e, caso ultrapassada essa hipótese, a reforma da sentença para que seja designada audiência para oferta da transação penal ao Autor do fato. Conheço do presente recurso, eis que presentes os requisitos de admissibilidade. No que concerne à alegação de error in procedendo, entendo que não assiste razão ao Ministério Público, eis que trata-se de Juizado Especial Criminal, havendo aplicação dos princípios da informalidade, economia processual e celeridade, na forma do art. 62 da lei nº 9.099/95. No entanto, no mérito assiste razão ao Ministério Público. A tese de que o usuário de drogas só prejudica a Ele mesmo não deve prevalecer, eis que lamentavelmente, as drogas têm efeito nocivo à saúde do indivíduo, o que reverbera inclusive no sistema único de saúde, sendo certo ainda que a proporção tomada pela atividade criminosa, afeta diretamente a segurança pública. Significa dizer, portanto, que o bem jurídico tutelado pela lei de drogas não é a vida privada ou a intimidade, de modo que sua aplicação não pode ser afastada em razão dos princípios mencionados nas razões de Apelação. Quanto a inconstitucionalidade alegada, importante colocar a excelente argumentação do colega de Turma Recursal, Dr. Marcelo Oliveira da Silva , em caso semelhante. "Não se desconhece a possibilidade de se realizar o controle de constitucionalidade pelo meio difuso em qualquer grau de jurisdição, seja por órgão colegiado ou mesmo em julgamento monocrático e singular, porém, há grande discussão quanto a sua aplicabilidade, notadamente no fenômeno da "judicialização da política" em que o parlamento deixa de legislar certos temas controvertidos e desinteressantes politicamente, relegando ao judiciário operar as mudanças legais ante os anseios da sociedade. Esse ativismo judicial deve ser visto com bastante cautela, tendo em vista que pode gerar uma verdadeira invasão do Poder Judiciário nas competências constitucionais do Poder Legislativo, levando o magistrado a agir como "legislador positivo" e não apenas na função de "legislador negativo" - situação aceita doutrinariamente quando o órgão julgador suprime a vigência da norma do sistema ou afasta possíveis interpretações a fim de conformá-la às normas constitucionais. A matéria encontra-se em análise perante o Supremo Tribunal Federal, ainda, sem prolação definitiva acerca da (in)constitucionalidade do presente tipo penal, assim, o mandamento penal proibitivo possui plena vigência, não sendo possível afastar a sua aplicação, por não ter se operado a "abolitio criminis" no que se refere a conduta imputado à recorrente. Destaca-se que a controvérsia está sendo debatida por intermédio de controle concreto de constitucionalidade nos autos do Recurso Especial nº 635359, fato que traz mais um problema sistêmico, visto que, em caso de declaração de inconstitucionalidade da norma, haveria a necessidade de o Senado suspender a execução da mesma por intermédio de ato normativo conforme disposto no art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a semelhança do que foi realizado no art. 33, § 4° da Lei de Drogas, no tocante à vedação de conversão das penas corporais em restritivas de direitos, operada pela Resolução n° 5, de 2012, quando da declaração de inconstitucionalidade por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 97.256/RS. Ademais, ao se adentrar na análise da tipificação do delito, o crime perpetrado não se exaure apenas na esfera particular da agente, na medida em que o objeto jurídico protegido é a saúde pública, atingindo toda a coletividade, por possuir potencialidade ofensiva no seio social. Não há, portanto, ofensa aos princípios da Inviolabilidade à Vida Privada e à intimidade com o seu reconhecimento, notadamente porque a apelante trazia consigo - maconha, substância capaz de causar dependência psíquica, sendo cediço que o direito à intimidade não pode ser oponível ao interesse coletivo em proteger a saúde pública, que é o bem jurídico tutelado pela norma em questão. Além disso, o delito é de perigo abstrato ou presumido, sendo desnecessária a efetiva lesão à acusada para sua caracterização. A conduta em si da agente com a aquisição do entorpecente, ao portá-lo para uso próprio, encerra a presunção de perigo, pois, realimenta o comércio ilícito de drogas, restando caracterizada a periculosidade do suposto autor do fato, ora apelantes. Da mesma forma, não se aplica o princípio da insignificância para os crimes de porte ilegal para uso pessoal de entorpecentes, vez que referendar tal conduta seria extremamente danoso para toda a sociedade, já que a prática desse tipo de crime deixa notórias sequelas antissociais, posto que o usuário de drogas fomenta a prática de outros crimes de maior gravidade tais como: tráfico de entorpecentes, roubos, latrocínios, corrupção, disputas entre quadrilhas e assassinatos. Desta feita, a decisão acerca da aplicação do princípio da Insignificância neste tipo de delito deve ser refutada, vez que a jurisprudência majoritária do STF já se posicionou contrariamente à aplicação deste princípio em crimes relacionados à Lei de Drogas, ante sua lesividade e afronta aos objetivos visados, quais sejam: prevenção do uso indevido de drogas e reinserção social dos apenados, conforme os diversos arestos colacionados pela douta promotoria às fls. 65/69, entre os quais convém transcrever: HC102940 /ES - ESPÍRITO SANTO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento: 15/02/2011 Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO. EXISTÊNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO OU PRESUMIDO. PRECEDENTES. WRIT PREJUDICADO. I - Com o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, não mais subsiste o alegado constrangimento ilegal suportado pelo paciente. II - A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. III - No caso sob exame, não há falar em ausência de periculosidade social da ação, uma vez que o delito de porte de entorpecente é crime de perigo presumido. IV - É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos relacionados a entorpecentes. V - A Lei 11.343/2006, no que se refere ao usuário, optou por abrandar as penas e impor medidas de caráter educativo, tendo em vista os objetivos visados, quais sejam: a prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. VI - Nesse contexto, mesmo que se trate de porte de quantidade ínfima de droga, convém que se reconheça a tipicidade material do delito para o fim de reeducar o usuário e evitar o incremento do uso indevido de substância entorpecente. VII - Habeas corpus prejudicado. Por tudo dito, deve-se reconhecer que o fato atribuído à recorrente é típico, ilícito e culpável não se admitindo o argumento de que a fato seria atípico alicerçado no princípio da insignificância." Por derradeiro, como acima fundamentado não há qualquer violação do art. 28 da lei de drogas aos artigos 1º e 5º , X, LIV, XLVI e § 2º da Constituição Federal. Ante o exposto, considerando as razões tecidas, VOTO pelo conhecimento do recurso, dado o preenchimento de seus requisitos de admissibilidade, e PROVIMENTO para que seja designada audiência para oferta da transação penal ao Autor do fato. MARIA DO CARMO ALVIM PADILHA GERK JUIÍZA RELATORA



0039562-02.2019.8.19.0210 - APELAÇÃO CRIMINAL

CAPITAL 1a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CRIMINAIS

Juiz(a) MARIA DO CARMO ALVIM PADILHA GERK - Julg: 27/11/2020 - Data de Publicação: 23/12/2020

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