10 de outubro de 2021

A exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda daquele bem

 BEM DE FAMÍLIA: A exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda daquele bem 

Exemplo hipotético: João contraiu empréstimo para a aquisição de um apartamento. Ele conseguiu obter o dinheiro com o Banco e se comprometeu a pagar o mútuo em 60 prestações mensais. Com os recursos obtidos, João comprou o referido apartamento e nele passou a viver com a sua família. Algum tempo depois, João alienou o apartamento e, com o dinheiro, comprou uma casa. Se o devedor atrasar as parcelas, será possível que o banco execute o contrato e consiga a penhora da casa com base na autorização excepcional prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; STJ. 3ª Turma. REsp 1.935.842-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021 (Info 702). 

Espécies de bem de família

 No Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família: 

a) bem de família convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil); 

b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90). 

Bem de família legal 

O bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional). 

Qual é a proteção que o ordenamento jurídico confere ao bem de família legal? 

• REGRA: como regra, o bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.

• EXCEÇÕES: o art. 3º da Lei nº 8.009/90 prevê exceções nas quais será possível a penhora do bem de família. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

João contraiu empréstimo para a aquisição de um apartamento. Ele conseguiu obter o dinheiro com o Banco e se comprometeu a pagar o mútuo em 60 prestações mensais. Com os recursos obtidos, João comprou o referido apartamento e nele passou a viver com a sua família. 

Caso João atrase o pagamento, será possível que o Banco execute o contrato e consiga, na Justiça, a penhora do apartamento para pagamento da dívida? SIM. 

Mesmo sendo bem de família? SIM. 

Isso porque a situação se enquadra na exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90: 

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) 

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; 

Voltando ao caso concreto: 

Depois de 20 meses do financiamento, João decidiu vender o apartamento e, com o dinheiro, comprou uma casa. Ele e a família se mudaram para a casa. Eles não possuem qualquer outro imóvel. Assim, a casa pode ser enquadrada como bem de família legal. Passados mais alguns meses, João deixou de pagar as parcelas do financiamento ao Banco. Diante disso, a instituição financeira ingressou com execução do contrato (execução de título executivo extrajudicial) e o juiz determinou a penhora da casa onde João mora. O devedor apresentou exceção de pré-executividade alegando que essa penhora não seria possível porque se trata de bem de família. 

O argumento do devedor será acolhido? 

NÃO. Será possível a manutenção da penhora da casa. A autorização excepcional para penhora do bem de família, prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90, aplica-se também para o imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda do primeiro imóvel que foi objeto do financiamento. O apartamento foi adquirido com dinheiro do financiamento. Posteriormente, o apartamento foi vendido e a casa comprada com o produto dessa alienação. O imóvel atual de sua moradia foi adquirido com recursos obtidos a partir da venda do primeiro. Daí porque a situação jurídica de um se sub-roga no outro. Se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à referida exceção. Desse modo, não pode o devedor adquirir novo bem de família com os recursos provenientes da venda de bem de família anterior para, posteriormente, se furtar ao adimplemento da dívida contraída com a compra do primeiro, notadamente tendo em vista a máxima de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza. 

Em suma: 

A exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda daquele bem. STJ. 3ª Turma. REsp 1.935.842-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021 (Info 702). 

Indispensável a comprovação de que o dinheiro foi utilizado para a aquisição do segundo bem 

Importante registrar uma última observação. Muito embora seja certo que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele.

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