5 de janeiro de 2022

O Ministério Público não tem legitimidade para promover ACP pedindo que os proprietários de imóveis sejam obrigados a pagar taxa em favor de associação de moradores

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-712-stj.pdf


PROCESSO COLETIVO O Ministério Público não tem legitimidade para promover ACP pedindo que os proprietários de imóveis sejam obrigados a pagar taxa em favor de associação de moradores 

O Ministério Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado possua relevante natureza social. Se a ação tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores, essa causa não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva. STJ. 4ª Turma. REsp 1.585.794-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/09/2021 (Info 712). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Foi constituída uma associação de moradores de determinado bairro. Esta associação passou a exigir dos moradores uma “taxa de manutenção” destinada a custear serviços como limpeza das ruas, segurança, manutenção de iluminação extra etc. Ocorre que essa associação passou a exigir o pagamento não apenas dos moradores que tenham concordado com a sua constituição, mas também das pessoas que não quiserem se associar. Diante disso, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou ação civil pública contra a referida associação a fim de declarar a abusividade da cobrança da taxa de manutenção das pessoas que não são a ela associadas. A associação contestou a demanda afirmando que o Ministério Público não teria legitimidade ativa porque a causa envolve os interesses dos moradores daquele bairro, o que configura “direitos individuais homogêneos”. Além disso, por se relacionar com interesses meramente patrimoniais, tais direitos são disponíveis. Logo, o Ministério Público estaria pleiteando em juízo em prol de direitos individuais homogêneos disponíveis, o que não seria possível. 

O que decidiu o STJ? Foi reconhecida a legitimidade ativa do Ministério Público no presente caso? NÃO. Vamos entender com calma. 

Legitimidade do Ministério Público para a ACP 

O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, o MP somente terá representatividade adequada para propor a ACP se os direitos/interesses discutidos na ação estiverem relacionados com as suas atribuições constitucionais, que são previstas no art. 127 da CF: 

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

Desse modo, indaga-se: o MP possui legitimidade para ajuizar ACP na defesa de qualquer direito difuso, coletivo ou individual homogêneo? 

O entendimento majoritário está exposto a seguir: 

Direitos DIFUSOS 

SIM O MP está sempre legitimado a defender qualquer direito difuso. (o MP sempre possui representatividade adequada).


Direitos COLETIVOS (stricto sensu) 

SIM O MP está sempre legitimado a defender qualquer direito coletivo. (o MP sempre possui representatividade adequada). 


Direitos INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS 

1) Se esses direitos forem indisponíveis: SIM (ex: saúde de um menor) 

2) Se esses direitos forem disponíveis: DEPENDE 

O MP só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos individuais homogêneos disponíveis se estes forem de interesse social (se o interesse jurídico tutelado possuir relevante natureza social). 

Quatro conclusões importantes: 

1) Se o direito for difuso ou coletivo (stricto sensu), o MP sempre terá legitimidade para propor ACP (há posições em sentido contrário, mas é o que prevalece). 

2) Se o direito individual homogêneo for indisponível (ex: saúde de um menor carente), o MP sempre terá legitimidade para propor ACP. 

3) Se o direito individual homogêneo for disponível, o MP pode agir desde que haja relevância social. Ex1: defesa dos interesses de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação. Ex2: defesa de trabalhadores rurais na busca de seus direitos previdenciários. 

4) O Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direito individual indisponível mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (tutela do direito indisponível relativo a uma única pessoa). Ex: MP ajuíza ACP para que o Estado forneça uma prótese auditiva a um menor carente portador de deficiência. 

Exemplos de direitos individuais homogêneos dotados de relevância social (Ministério Público pode propor ACP nesses casos): 

1) MP pode questionar edital de concurso público para diversas categorias profissionais de determinada Prefeitura, em que se previa que a pontuação adotada privilegiaria candidatos que já integrariam o quadro da Administração Pública municipal (STF RE 216443); 

2) na defesa de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (STF AI 637853 AgR);

3) em caso de loteamentos irregulares ou clandestinos, inclusive para que haja pagamento de indenização aos adquirentes (REsp 743678); 

4) o Ministério Público tem legitimidade para figurar no polo ativo de ACP destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária (STF AgRg no AI 516.419/PR); 

5) o Ministério Público tem legitimidade para propor ACP com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE firmado entre o Distrito Federal e empresas beneficiárias de redução fiscal. O referido acordo, ao beneficiar uma empresa privada e garantir-lhe o regime especial de apuração do ICMS, poderia, em tese, implicar lesão ao patrimônio público, fato que legitima a atuação do parquet na defesa do erário e da higidez da arrecadação tributária (STF RE 576155/DF); 

6) o MP tem legitimação para, por meio de ACP, pretender que o Poder Público forneça medicação de uso contínuo, de alto custo, não disponibilizada pelo SUS, mas indispensável e comprovadamente necessária e eficiente para a sobrevivência de um único cidadão desprovido de recursos financeiros; 

7) defesa do direito dos consumidores de não serem incluídos indevidamente nos cadastros de inadimplentes (REsp 1.148.179-MG). 

Exemplos de direitos individuais homogêneos destituídos de relevância social (Ministério Público NÃO pode propor ACP nesses casos): 

1) o MP não pode ajuizar ACP para veicular pretensões que envolvam tributos (impostos, taxas etc.), contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados (art. 1º, parágrafo único, da LACP). Ex: o MP não pode propor ACP questionando a cobrança excessiva de uma determinada taxa, ainda que envolva um expressivo número de contribuintes; 

2) “O Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente individual.” (STJ REsp 1109335/SE); 

3) o MP não pode buscar a defesa de condôminos de edifício de apartamentos contra o síndico, objetivando o ressarcimento de parcelas de financiamento pagas para reformas afinal não efetivadas. 

E no caso de direitos dos consumidores? O Ministério Público poderá defender em juízo direitos individuais homogêneos dos consumidores? 

SIM. O Ministério Público possui legitimidade para promover ação civil pública para tutelar não apenas direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também direitos individuais homogêneos. Trata-se de legitimação que decorre, de forma genérica, dos arts. 127 e 129, III da CF/88 e, de modo específico, do art. 82, I do CDC: 

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público; (...) 

Art. 81. (...) Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (...) III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. 

Vimos acima que o Ministério Público somente tem legitimidade para defender direitos individuais homogêneos caso estes sejam indisponíveis ou tenham relevância social. E no caso dos direitos individuais homogêneos relacionados com direitos dos consumidores? 

Prevalece o entendimento de que “a proteção coletiva dos consumidores constitui não apenas interesse individual do próprio lesado, mas interesse da sociedade como um todo. Realmente, é a própria Constituição que estabelece que a defesa dos consumidores é princípio fundamental da atividade econômica (CF, art. 170, V), razão pela qual deve ser promovida, inclusive pelo Estado, em forma obrigatória (CF, art. 5º, XXXII). Não se trata, obviamente, da proteção individual, pessoal, particular, deste ou daquele consumidor lesado, mas da proteção coletiva, considerada em sua dimensão comunitária e impessoal. Compreendida a cláusula constitucional dos interesses sociais (art. 127) nessa dimensão, não será difícil concluir que nela pode ser inserida a legitimação do Ministério Público para a defesa de ‘direitos individuais homogêneos’ dos consumidores, o que dá base de legitimidade ao art. 82, I da Lei nº 8.078/90 (...)” (voto do falecido Min. Teori Zavascki no REsp 417.804/PR, DJ 16/05/2005). “A tutela efetiva de consumidores possui relevância social que emana da própria Constituição Federal (arts. 5º, XXXII, e 170, V).” (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 02/06/2016). Assim, “o Ministério Público ostenta legitimidade ativa para a propositura de Ação Civil Pública objetivando resguardar direitos individuais homogêneos dos consumidores.” (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1569566/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 07/03/2017). 

Os direitos dos consumidores muitas vezes são disponíveis (ex: direitos patrimoniais). Mesmo assim, o Ministério Público terá legitimidade para a ação civil pública em tais casos? O MP tem legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores mesmo que estes sejam direitos disponíveis? 

SIM. O Ministério Público tem legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública destinada à defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores, ainda que disponíveis, pois se está diante de legitimação voltada à promoção de valores e objetivos definidos pelo próprio Estado (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 02/06/2016). 

Nesse sentido: Súmula 601-STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público. 

Voltando ao caso concreto: por que o MP não tem legitimidade para propor a ACP em favor dos proprietários que não querem pagar a “taxa” destinada à associação de moradores? 

Porque o STJ considerou que são direitos individuais homogêneos sem relevante natureza social. Sob a ótica objetiva e subjetiva da relevância social, verifica-se que, no caso, não se busca defender bens ou valores essenciais à sociedade, tais como o direito ao meio ambiente equilibrado, à educação, à cultura ou à saúde, nem se pretende tutelar direito de vulnerável, como o consumidor, o portador de necessidade especial, o indígena, o idoso ou o menor de idade. Assim, a ação civil pública tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores. Nessa perspectiva, a referida causa não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva. 

Em suma: O Ministério Público não tem legitimidade para promover ação civil pública para evitar que os proprietários de imóveis sejam obrigados a pagar taxa em favor de associação de moradores. Não há legitimidade do MP porque a causa envolve direitos individuais homogêneos sem relevante natureza social. A ação civil pública tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores. Nessa perspectiva, a referida causa não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva. STJ. 4ª Turma. REsp 1.585.794-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/09/2021 (Info 712).

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