Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-712-stj.pdf
EXCESSO DE EXAÇÃO A mera interpretação equivocada da norma tributária não configura o crime de excesso de exação
Caso concreto: registrador de imóveis cobrou emolumentos (taxa) a mais do que seriam devidos ao aplicar procedimento diverso do que era estabelecido na lei. Ocorre que o texto da lei era confuso e gerava dificuldade exegética, dando margem a interpretações diversas. Diante disso, o STJ acolheu a tese defensiva de que a lei era obscura e não permitia precisar a exata forma de cobrança dos emolumentos cartorários no caso especificado pela denúncia. Embora o réu possa ter cobrado de forma errônea os emolumentos, o fez por mero erro de interpretação da legislação tributária no tocante ao método de cálculo do tributo, e não como resultado de conduta criminosa. Assim, o réu foi absolvido, com fundamento no art. 386, III, do CPP, por atipicidade da conduta. STJ. 6ª Turma. REsp 1.943.262-SC, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 05/10/2021 (Info 712).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João, titular do Ofício de Registro de Imóveis, exigia emolumentos em excesso nos casos em que constatava no ato negocial duas ou mais pessoas. Apesar da existência de um único ato negocial (um único negócio jurídico), João levava em consideração o número de pessoas envolvida na negociação, o que gerava um aumento indevido dos emolumentos. Exemplo de como João fazia: em um contrato de compra e venda de um imóvel figurava uma vendedora e dois compradores. Em vez de fazer um só registro, ele lavrava dois registros relativos à fração ideal de 50% do imóvel, um para cada comprador. Com isso, em vez de cobrar os emolumentos uma só vez, exigia duas. Vale ressaltar que os emolumentos constituem o valor pago pelo usuário do serviço pelos atos praticados na serventia notarial e de registro. Os emolumentos possuem natureza jurídica de “taxa” (espécie de tributo).
Denúncia
Após diversas reclamações, a corregedoria instaurou processo administrativo disciplinar tendo sido constatado que essa situação ocorreu em outras ocasiões gerando um excesso na cobrança de emolumentos. Diante disso, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João imputando-lhe o crime de excesso de exação, delito tipificado no art. 316, § 1º do CP:
Art. 316. (...) Excesso de exação § 1º Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
O réu foi condenado em 1ª instância, tendo a sentença sido mantida pelo Tribunal de Justiça. Foi, então, interposto recurso especial.
O STJ manteve a condenação? NÃO.
O STJ deu provimento ao recurso especial para, com fundamento no art. 386, III, do CPP, absolver o réu do crime do § 1º do art. 316 do CP, por atipicidade da conduta.
O que pune esse crime?
O tipo do art. 316, § 1º, do Código Penal, pune o excesso na cobrança pontual de tributos (exação), seja por não ser devido o tributo, ou por valor acima do correto, ou, ainda, por meio vexatório ou gravoso, ou sem autorização legal.
Qual é o elemento subjetivo do delito?
O elemento subjetivo do crime é o dolo, consistente na vontade do agente de exigir tributo ou contribuição que sabe ou deveria saber indevido, ou, ainda, de empregar meio vexatório ou gravoso na cobrança de tributo ou contribuição devidos. Esse crime não é punido a título de culpa. Segundo a doutrina, “se a dúvida é escusável diante da complexidade de determinada lei tributária, não se configura o delito” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral e Parte Especial. Luiz Regis Prado, Érika Mendes de Carvalho, Gisele Mendes de Carvalho. 14ª ed. São Paulo: RT, 2015, p. 1.342). Da mesma forma, Cezar Roberto Bitencourt explica que não existe o crime quando o agente encontra-se em erro, “equivocando-se na interpretação e aplicação das normas tributárias que instituem e regulam a obrigação de pagar” (Tratado de Direito Penal Econômico. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 730). Vale ressaltar, inclusive, que o art. 316, § 1º, do CP, “exige, além dos normais requisitos do dolo com relação aos elementos de fato, 'o saber' que a exação é indevida. Logo, o agente deverá ter ciência plena de que se trata de imposto, taxa ou emolumento não devido” (CUNHA. Rogério Sanches. Manual de Direito Penal, Parte Especial. 12ª ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2020, pp. 872/873).
Deve restar plenamente demonstrado que o agente sabia que o tributo era indevido
Desse modo, para que se configure o crime o art. 316, § 1º, do CP é indispensável a constatação de que o agente atuou com consciência e vontade de exigir tributo acerca do qual tinha ou deveria ter ciência de ser indevido. Deve o titular da ação penal pública, portanto, demonstrar que o sujeito ativo moveu-se para exigir o pagamento do tributo que sabia ou deveria saber indevido. Na dúvida, o dolo não pode ser presumido, pois isso significaria atribuir responsabilidade penal objetiva ao registrador que interprete equivocadamente a legislação tributária.
Divergência de interpretação
No caso concreto, a testemunha afirmou que “o próprio regimento de custas e emolumentos não é tão claro quanto se desejaria, ele é um tanto quanto confuso e gera dificuldades de interpretação”. Outras testemunhas também se manifestaram no mesmo sentido. Assim, no caso concreto, os elementos evidenciam que o texto da legislação de regência de custas e emolumentos à época dos fatos provocava dificuldade exegética, dando margem a interpretações diversas, tanto nos cartórios do Estado, quanto dentro da própria Corregedoria, composta por especialistas na aplicação da norma em referência. Desse modo, o STJ acolheu a tese defensiva de que a lei era obscura e não permitia precisar a exata forma de cobrança dos emolumentos cartorários no caso especificado pela denúncia. Segundo restou apurado nos autos, embora o réu possa ter cobrado de forma errônea os emolumentos, o fez por mero erro de interpretação da legislação tributária no tocante ao método de cálculo do tributo, e não como resultado de conduta criminosa. Portanto, não havendo previsão para a punição do crime em tela na modalidade culposa e não demonstrado o dolo do agente de exigir tributo que sabia ou deveria saber indevido, é inviável a perfeita subsunção da conduta ao delito previsto no § 1º do art. 316 do Código Penal.
Em suma: A mera interpretação equivocada da norma tributária não configura o crime de excesso de exação. STJ. 6ª Turma. REsp 1.943.262-SC, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 05/10/2021 (Info 712).
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