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4 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Sucessão processual e Ação Rescisória - José Carlos Barbosa Moreira

Merece consideração especial a hipótese de sucessão intercorrente, quanto a alguma pessoa que, por haver sido parte no outro feito, devesse ser citada para a rescisória. Na sucessão causa mortis e na sucessão a título universal entre pessoas jurídicas (por exemplo: fusão ou incorporação de sociedades), não há dúvida de que a legitimação passiva se transfere aos sucessores. 

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. 5 – Arts. 476 a 565. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 174/175.

RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. PRESCRIÇÃO É MATÉRIA CIRCUNSCRITA AO DIREITO MATERIAL DAS PARTES, RESTRITA À ESFERA DE SUA DISPONIBILIDADE. RECONHECIMENTO. EXCEÇÃO SUBSTANCIAL NÃO SUSCITADA PELA PARTE BENEFICIÁRIA. RENÚNCIA AO DIREITO DE DEFESA. PRECLUSÃO E COISA JULGADA. VERIFICAÇÃO. MANEJO DE AÇÃO RESCISÓRIA, FUNDADA EM VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI, SEM QUE A QUESTÃO AFETA À PRESCRIÇÃO TENHA SIDO OBJETO DE DELIBERAÇÃO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. DESCABIMENTO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.749.812 - PR (2018/0152682-6) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA, COM BASE EM VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI, CONTRA SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO EM AÇÃO DE COBRANÇA DE DÉBITOS CONDOMINIAIS. TESE DE QUE O § 5º DO ART. 219 DO CPC/1973 IMPUNHA AO JUIZ O RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. PRESCRIÇÃO É MATÉRIA CIRCUNSCRITA AO DIREITO MATERIAL DAS PARTES, RESTRITA À ESFERA DE SUA DISPONIBILIDADE. RECONHECIMENTO. EXCEÇÃO SUBSTANCIAL NÃO SUSCITADA PELA PARTE BENEFICIÁRIA. RENÚNCIA AO DIREITO DE DEFESA. PRECLUSÃO E COISA JULGADA. VERIFICAÇÃO. MANEJO DE AÇÃO RESCISÓRIA, FUNDADA EM VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI, SEM QUE A QUESTÃO AFETA À PRESCRIÇÃO TENHA SIDO OBJETO DE DELIBERAÇÃO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 

1. A controvérsia posta no presente recurso especial centra-se em definir se é cabível o ajuizamento de ação rescisória, fundada na alegação de violação literal de lei — especificamente dos arts. 206, § 5º, I do CC e 219, § 5º, do CPC/1973, que cuidam, respectivamente, da prescrição quinquenal da pretensão de cobrança de dívidas líquidas e da possibilidade de reconhecimento, de ofício, pelo juiz da prescrição —, a despeito de a sentença rescidenda não ter esposado nenhum juízo de valor sobre a questão afeta à prescrição, sendo incontroverso que a parte que aproveitaria de seu reconhecimento (o ora insurgente) em momento algum dela cogitou. 

2. A prescrição, compreendida como a perda da pretensão de exigir de alguém a realização de uma prestação, em virtude da fluência de prazo fixado em lei, tangencia, diretamente, como se pode perceber de sua definição, interesses adstritos exclusivamente às partes envolvidas. Isso porque a prescrição, refere-se a direitos subjetivos patrimoniais e relativos, na medida em que a correlata ação condenatória tem por finalidade obter, por meio da realização de uma prestação do demandado, a reparação dos prejuízos suportados em razão da violação do direito do autor. Não é por outra razão, aliás, que a prescrição, desde que consumada, comporta, à parte que a favoreça, sua renúncia, expressa ou tácita (ao contrário do que se dá com a decadência, que, diretamente, guarda em si, um interesse público). 

2.1 Evidenciada a adstrição da prescrição aos interesses das partes e considerada a natureza dos direitos a que se refere, a possibilidade de o juiz dela conhecer, de ofício, tal como dispõe a lei adjetiva civil (de 1973, assim como a atual), refoge, em princípio, da lógica, e somente se justifica em nome da celeridade, efetividade e economia processual. 

3. O fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição — incumbência que competia, necessariamente, à parte a que beneficiaria, caso quisesse valer-se da exceção substancial —, não redunda na ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015), pois a norma processual não encerra ao juiz o dever de deliberar sobre a matéria de livre disposição das partes litigantes. 

4. Se ao magistrado não se impõe o dever de se manifestar sobre a prescrição, embora seja a ele possível, sob o signo da celeridade processual, à parte que se beneficiaria com a sua declaração, ao contrário, caso seja sua intenção valer-se da exceção substancial em comento, não é dado furtar-se de suscitá-la no processo, sob pena de sua inércia configurar verdadeira renúncia a esse direito (de defesa à pretensão). 

4.1 Com a superveniência da sentença transitada em julgado, opera-se, por conseguinte, a preclusão máxima, mediante a conformação da coisa julgada, reputando-se "deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido" (art. 474 do CPC/1973; art. 508 do CPC/2015, com redação similar). 

5. A violação literal de lei, como fundamento da ação rescisória, pressupõe que o órgão julgador delibere sobre a questão posta, conferindo indevida aplicação a determinado dispositivo legal ou deixando de aplicar preceito legal que, supostamente, segundo a compreensão do autor da rescisória, melhor resolva a matéria. Em uma ou outra situação, é indispensável que a questão aduzida na ação rescisória tenha sido objeto de deliberação na ação rescindenda, o que não se confunde com exigência de prequestionamento do dispositivo legal apontado. 

5.1. No particular, a questão relacionada à prescrição, embora fosse possível, não foi tratada, de ofício, pelo juiz, tampouco foi suscitada, como seria de rigor, pela parte a que beneficiaria com o seu reconhecimento, caso fosse de seu interesse, não havendo, assim, nenhuma deliberação sobre a matéria no bojo da ação rescidenda. De todo inconcebível, assim, o manejo de ação rescisória, sob a tese de violação literal de lei, se a questão — a qual o preceito legal apontado na ação rescisória deveria supostamente regular — não foi objeto de nenhuma deliberação na ação originária. 

6. Recurso especial improvido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 17 de setembro de 2019 (data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Anuar Abdul Tarabai interpõe recurso especial, fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 

Subjaz ao presente recurso especial ação rescisória, fundada no art. 966, V, do CPC/2015, promovida por Anuar Abdul Tarabai contra Condomínio Residencial Villa Mirafiori, tendo por propósito desconstituir a sentença transitada em julgado, proferida na ação de cobrança de despesas condominiais que, verificada a revelia e demonstrada a inadimplência, condenou o então requerido, Anuar Abdul Tarabai, ao pagamento da importância de R$ 46.448,31 (quarenta e seis mil, quatrocentos e quarenta e oito reais e trinta e um centavos, corrigidos pelo INPC/IGPM e juros moratórios de 1% ao mês, contados da data da citação, referente ao período de dezembro de 2004 a março de 2015 (e-STJ, fl. 149-153). 

Para tanto, argumentou que "a sentença proferida nos autos n. 0013091-27.2015.8.16.0030, ao condenar o Sr. Anuar ao pagamento de débitos condominiais relativos ao período de dez/2004 a abr/2010, ou seja, passados mais de cinco anos do vencimento da dívida (quando do ajuizamento da ação em abr/2015), deixou de aplicar o prazo prescricional previsto expressamente na legislação civil, afinal, prescreve em cinco anos, contados do vencimento de cada parcela, a pretensão, nascida sob a vigência do CC/2002, de cobrança de cotas condominiais" (e-STJ, fl. 6). 

Sustentou que, "segundo o entendimento do STJ, a pretensão, tratando-se de dívida líquida desde sua definição em assembleia geral de condomínios e lastreada em documentos físicos, adequa-se à previsão do art. 206, § 5º, I, do CC/2002, segundo o qual prescreve em cinco anos 'a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular'" (e-STJ, fl. 7). 

Esclareceu, ainda, que, quando da prolação da sentença (em 1º/8/2015) já não mais remanescia nenhuma controvérsia no âmbito do STJ quanto à aplicação do prazo quinquenal à pretensão de cobrança das taxas condominiais, o que afasta a incidência do enunciado n. 343 da Súmula do STF. 

Defendeu, ainda, que, independentemente da revelia havida nos autos originais, o art. 219, § 5º, do CPC/1973, vigente à época, era claro em estatuir a obrigatoriedade do juiz pronunciar, de ofício, a prescrição, já que se trata de matéria de ordem pública. Concluiu, no ponto, ter o acórdão rescindendo, ao assim não proceder, incorrido, também, na violação literal do referido dispositivo legal. 

Requereu, ao final, "a rescisão da r. sentença proferida nos autos n. 0013091-27.2015.8.16.0030, pela violação literal dos arts. 206, § 5º, I do CC e 219 do CPC/73, conforme determina o art. 966, V do CPC/15, com o consequente novo julgamento do processo, dessa vez reconhecendo-se a prescrição dos débitos condominiais referentes ao período de (com vencimento em) dez/2004 a abr/2010 e a decorrente redistribuição dos ônus sucumbenciais" (e-STJ, fl. 12). 

Citado, o Condomínio Villa Mirafiori infirmou, in totum, a pretensão posta na exordial (e-STJ, fls. 688-698). 

Aduziu que a violação de norma jurídica pressupõe manifestação expressa sobre a norma violada no julgamento que se pretende rescindir, não sendo cabível a ação rescisória quando a norma supostamente violada nem sequer foi invocada pela parte interessada. Afirmou, assim, que a questão referente à prescrição não foi alegada no momento apropriado. 

Alegou, ainda, que a presente ação rescisória estaria sendo utilizada pelo requerente como sucedâneo recursal, com o objetivo de obter a reforma do julgamento. 

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ao final, julgou improcedente a ação rescisória, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fl. 726): 

AÇÃO RESCISÓRIA – COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – VIOLAÇÃO DE NORMA JURÍDICA – PRESCRIÇÃO – AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE O PRECEITO APONTADO COMO VIOLADO – AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO NO CURSO DA AÇÃO ORIGINÁRIA QUE IMPOSSIBILITA A ARGUIÇÃO DA MATÉRIA EM SEDE DE AÇÃO RESCISÓRIA – PRECEDENTES DO STJ – AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. 

Em seu apelo especial, fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, Anuar Abdul Tarabai aponta violação dos arts. 114 e 191 do Código Civil; 219, § 5º, e 474 do CPC/1973; e 966, V, do CPC/2015, além de dissenso jurisprudencial. 

Afirma que o acórdão estadual, ao compreender que a ausência de alegação de prescrição no processo originário redundaria em renúncia tácita, viola os arts. 114 e 191 do Código Civil. Argumenta, no ponto, que, de acordo com tais dispositivos legais, a renúncia tácita somente ocorre quando o interessado pratica atos incompatíveis com a prescrição, o que não se dá quando a parte a quem aproveita deixa de alegar, já que, em sua compreensão, o juízo pode reconhecê-la de ofício ou ser arguida em grau de jurisdição posterior. Suscita, ainda, dissídio jurisprudencial. 

Alega, também, que o Tribunal de origem incorreu na afronta dos arts. 219, § 5º, e 474 do CPC/1973 e 966, V, do CPC/2015, ao compreender que não ocorre violação literal de lei quando a decisão rescindenda não aborda o dispositivo legal tido por violado, ainda que se trate de matéria de ordem pública cognoscível de ofício, no caso, a prescrição. 

Defende que "o simples fato de um juiz quedar silente quanto à ocorrência de uma prescrição que deveria ter sido observada é suficiente para ferir a literalidade do art. 219, § 5º, do CPC/73, afinal trata-se de um dever do magistrado, e não de uma faculdade" (e-STJ, fl. 819). Corrobora esta assertiva com o argumento de que "em sede recursal, o Tribunal ad quem poderia reformar de ofício tal sentença, decretando ele mesmo a prescrição (ainda que ela não tenha sido abordada pelo Juízo a quo ou alegada pelas partes, sem que com isso se configure supressão de instância, julgamento extra petita etc)" — (e-STJ, fl. 819). 

Aduz que, "se a prescrição era uma das defesas que a parte poderia invocar para a rejeição do pedido e se a sentença nada falou sobre ela, presume-se que a prescrição tenha sido rejeitada", sendo certo que o "'prequestionamento' exigido pelo v. acórdão rescindendo dá-se de forma implícita, ou melhor, de forma legalmente presumida" (e-STJ, fls. 820). 

A parte adversa apresentou contrarrazões às fls. 868-878 (e-STJ). 

O Tribunal de origem deu seguimento à insurgência (e-STJ, fls. 879-881), razão pela qual o recurso especial ascendeu a esta Corte de Justiça. 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): A controvérsia posta no presente recurso especial centra-se em definir se é cabível o ajuizamento de ação rescisória, fundada na alegação de violação literal de lei — especificamente dos arts. 206, § 5º, I do CC e 219, § 5º, do CPC/1973, que cuidam, respectivamente, da prescrição quinquenal da pretensão de cobrança de dívidas líquidas e da possibilidade de reconhecimento, de ofício, pelo juiz da prescrição —, a despeito de a sentença rescidenda não ter esposado nenhum juízo de valor sobre a questão afeta à prescrição, sendo incontroverso que a parte que aproveitaria de seu reconhecimento (o ora insurgente) em momento algum dela cogitou. 

Nos termos relatados, o recorrente defende o cabimento da ação rescisória, independentemente da revelia havida nos autos originais, sob o argumento, em síntese, de que o art. 219, § 5º, do CPC/1973, vigente à época, impunha ao juiz a obrigatoriedade de pronunciar, de ofício, a prescrição, já que se trata de matéria de ordem pública. Logo, em sua compreensão, a sentença rescidenda, ao não declarar, de ofício, a ocorrência de prescrição da pretensão de cobrar débitos condominiais em período superior aos 5 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação, teria incorrido em violação literal do aludido preceito legal, em conjunto com o art. 206, § 5º, I, do Código Civil. 

O argumento, todavia, afigura-se meramente retórico, e, como tal, não procede, conforme se passa a demonstrar a seguir. 

Na sistemática do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época em que tramitava a ação rescindenda em comento, a Lei n. 11.280/2006 alterou a redação do § 5º do art. 219 — que preceituava, nestes termos: não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato —, para dispor que o "juiz pronunciará, de ofício, a prescrição". 

A alteração da lei adjetiva civil, de viés unicamente instrumental, com o exclusivo propósito de imprimir maior celeridade ao processo, não possui o condão de modificar a natureza do instituto da prescrição, atrelado, intrinsecamente, ao direito material das partes. Trata-se, pois, de uma exceção substancial (defesa de direito material). 

O instituto da prescrição, considerado o fim a que se destina — conferir segurança jurídica advinda da estabilização das relações sociais —, guarda, em si, ainda que reflexamente, um interesse público. Seu tratamento legal, delineado no âmbito do direito substancial, tem por escopo extirpar a intranquilidade social, no bojo das relações jurídicas, gerada pelo potencial e indefinido exercício de uma ação destinada à realização de prestação, fundada na lesão ou ameaça a um direito do autor, no que reside o aludido interesse público. 

Todavia, não se deve perder de vista que a prescrição, compreendida como a perda da pretensão de exigir de alguém a realização de uma prestação, em virtude da fluência de prazo fixado em lei, tangencia, diretamente, como se pode perceber de sua definição, interesses adstritos exclusivamente às partes envolvidas. Isso porque a prescrição refere-se a direitos subjetivos patrimoniais e relativos, na medida em que a correlata ação ressarcitória tem por finalidade obter, por meio da realização de uma prestação do demandado, a reparação dos prejuízos suportados em razão da violação do direito do autor. Não é por outra razão, aliás, que a prescrição, desde que consumada, comporta, à parte que a favoreça, sua renúncia, expressa ou tácita (ao contrário do que se dá com a decadência, que, diretamente, guarda em si, um interesse público). 

Evidenciada, assim, a adstrição da prescrição aos interesses das partes e considerada a natureza dos direitos a que se refere, a possibilidade de o juiz dela conhecer, de ofício, tal como dispõe a lei adjetiva civil (de 1973, assim como a atual), refoge, em princípio, da lógica, e somente se justifica em nome da celeridade, efetividade e economia processual. Ainda que presentes essas motivações, a decretação da prescrição, de ofício, sem a oitiva da outra parte, conquanto com ela se beneficie, por si, encerra óbices insanáveis, em absoluta inadequação com a natureza do instituto. 

Não se afigura possível ao juiz, assim, em substituição à parte que com a prescrição venha a se beneficiar, supor que esta não se valeria do direito de renunciar à prescrição consumada ou, de outro modo, a ela não se objetaria quando tiver, por exemplo, o interesse que se reconheça a cobrança indevida de dívida, decorrente de pagamento já realizado, a gerar a repetição em dobro do indébito, nos termos do art. 940 do Código Civil. 

Veja-se, portanto, que a possibilidade de o juiz conhecer, de ofício, da prescrição, tal como previsto no diploma processual de 1973 e mantida no atual, não encerra uma imposição ao magistrado, que, ainda que possa assim proceder, não retira das partes interessadas, titulares que são do respectivo direito (seja o da pretensão, seja o da exceção a ela referente), o dever de se manifestar sobre a questão afeta à prescrição. 

Nessa linha de entendimento, destaca-se o escólio de Humberto Theodoro Júnior, que, em comentário à possibilidade de o juiz conhecer, de ofício, da prescrição, prevista no diploma processual de 1973, com a alteração conferida pela Lei n. 11.280/2006, bem esclarece o alcance da norma adjetiva: 

A prescrição, porém, pode ser livremente renunciável pelo devedor (Cód. Civil, art. 194), nunca pôde (segundo a tradição do direito material) ser decretada de ofício pelo juiz (Cód. Civil de 2002, art. 194). Abria-se no direito material exceção apenas para os devedores absolutamente incapazes, cujos interesses em torno da prescrição eram tratados como indisponíveis e, por isso mesmo, tuteláveis pelo juiz, independentemente da provação dos respectivos representantes legais (Cód. Civil de 2002, art. 194, in fine). A pretexto de imprimir maior celeridade ao processo, a Lei n. 11.280, de 16.02.2006, alterou o texto do § 5º do art. 219 do CPC de 1973, para dispor, contra todas as tradições do direito ocidental, que, em qualquer caso, "o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição". A nosso sentir, essa revolucionária regra processual não teve o alcance que o afoito legislador pretendeu, pois a sistemática da prescrição é própria do direito material, e na sede que lhe é específica não há, em regra, como fazer a vontade do juiz passar por cima da autonomia da vontade das partes, quando o que está em questão é um direito potestativo da livre disposição do respectivo titular (in Curso de Direito Processual Civil - Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum - Vol. I. 58ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 1.057). 

Saliente-se, a propósito, que, à vista de tal incongruência, o Código de Processo Civil de 2015 teve o mérito de, a par da possibilidade de reconhecimento, de ofício, da prescrição pelo magistrado, impor a este, antes, a viabilização do indispensável contraditório. Assim, o art. 10 é claro ao dispor que: “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício". 

Especificamente sobre a prescrição (e a decadência), o art. 487 do Código de Processo Civil preceitua que “haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) II – decidir de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição". E, em seu parágrafo único, assentou-se que: “ressalvada a hipótese do § 1º do art. 332 [improcedência liminar do pedido], a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de se manifestar-se. 

Em que pese o avanço da disposição legal sob comento (que, como visto, viabiliza o imprescindível contraditório), a ressalva contida no preceito legal não se compatibiliza com a natureza do instituto. Assim, mesmo em se tratando de reconhecimento liminar da improcedência do pedido com base na prescrição consumada, imprescindível que se confira às partes, inclusive, à que, com ela, venha a se beneficiar, a oportunidade de sobre ela se manifestar, necessariamente. 

A exceção legal, como se constata, parte da errônea presunção de que a improcedência liminar do pedido com base na prescrição — decisão de mérito que é — somente prejudicaria ou diria respeito ao demandante, ao qual, para se opor a tal decisão, seria conferido a via recursal. Mais uma vez, não caberia (agora) à lei supor que a parte demandada (a quem, em tese, o reconhecimento da prescrição beneficiaria) não se valeria do direito de renunciá-la ou de objetá-la, para, no curso do próprio processo, por exemplo, buscar a repetição em dobro do indébito, em razão de anterior pagamento, com esteio no art. 940 do Código Civil. 

Tem-se, por conseguinte, que, mesmo na hipótese de improcedência liminar do pedido, com fulcro no reconhecimento da prescrição da pretensão, há que se conferir às partes, antes, oportunidade de se manifestarem sobre a matéria, com fulcro no art. 10 do Código de Processo Civil, consentâneo com o instituto em questão, a despeito da expressa ressalva contida no parágrafo único do art. 487 do referido diploma legal. 

Nessa linha de entendimento e coerente com a natureza do instituto da prescrição, agora na sistemática do CPC/2015, o ilustre processualista mineiro, já citado, obtempera: 

O legislador, ao tratar da sentença de mérito (art. 487), estabeleceu que, no caso de prescrição ou decadência, o juiz, embora possa atuar de ofício, não as reconhecerá "sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se" (art. 487, parágrafo único). Contudo, ressalvou que, no caso da improcedência liminar do pedido (art. 332, § 1º), a oitiva das partes não será exigível. Malgrado o Código dispense a manifestação prévia dos litigantes na hipótese em análise, nenhum juiz tem, na prática, condições de, pela simples leitura da inicial, reconhecer ou rejeitar uma prescrição. Não se trata de uma questão apenas de direito, como é a decadência, que se afere por meio de um simples cálculo do tempo ocorrido após o nascimento do direito potestativo de duração predeterminada. A prescrição não opera ipso iure; envolve necessariamente fatos verificáveis no exterior da relação jurídica, cuja presença ou ausência são decisivas para a configuração da causa extintiva da pretensão do credor insatisfeito. Sem dúvida, as questões de fato e de direito se entrelaçam profundamente, de sorte que não se pode tratar a prescrição como uma simples questão de direito que o juiz possa, ex officio, levantar e resolver liminarmente, sem o contraditório entre os litigantes. A prescrição envolve, sobretudo, questões de fato, que, por versar sobre eventos não conhecidos do juiz, o inibem de pronunciamentos prematuros e alheios às alegações e conveniências dos titulares dos interesses em confronto (ob. cit.; p. 785) 

Feitas tais digressões afetas à prescrição, e, retornando ao caso dos autos, pode-se concluir que a norma processual que possibilita sua declaração, de ofício, pelo juiz, estabelecida no Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 219, § 5º, (inclusive com a redação conferida pela Lei n. 11.280/2006), não encerra um dever do magistrado, como quer fazer crer a parte ora insurgente. 

Trata-se, pois, de matéria circunscrita à disposição das partes, sobre a qual o juiz não pode se sobrepor, ainda que motivado pela propugnada celeridade/efetividade processual, sob pena de incorrer em manifesto desvirtuamento do instituto, o qual se relaciona, como visto, intrinsecamente ao direito material das partes interessadas. 

Se ao magistrado não se impõe o dever de se manifestar sobre a prescrição, embora seja a ele possível, sob o signo da celeridade processual, à parte que se beneficiaria com a sua declaração, ao contrário, caso seja sua intenção valer-se da exceção substancial em discussão, não é dado furtar-se de suscitá-la no processo, sob pena de sua inércia configurar verdadeira renúncia a esse direito (de defesa à pretensão). 

Aliás, a matéria afeta à prescrição, caso não reconhecida de ofício pelo juiz, há de ser suscitada pela parte a que beneficia —, caso queira valer-se dessa exceção substancial —, necessariamente, até o exaurimento das instâncias ordinárias, não sendo mais possível o conhecimento da matéria na instância especial. 

Veja-se, portanto, que, a despeito de a prescrição ser passível de ser reconhecida de ofício, pode precluir no bojo do processo em que a pretensão de exigir a realização de uma prestação é exercida pela parte lesada. Com mais razão, ante a superveniência da sentença transitada em julgado, opera-se, por conseguinte, a preclusão máxima, mediante a conformação da coisa julgada, reputando-se "deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido" (art. 474 do CPC/1973; art. 508 do CPC/2015, com redação similar). 

Desse modo, o fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição — incumbência que competia, necessariamente, à parte que a beneficiaria, caso quisesse valer-se da exceção substancial —, não redunda na ofensa à literalidade do § 5º, do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015), pois, como assentado, ao juiz não se impõe o dever de deliberar sobre a matéria de livre disposição das partes litigantes. 

Por fim, não se pode deixar de reconhecer que a violação literal de lei, como fundamento da ação rescisória, pressupõe que o órgão julgador, ao deliberar sobre a questão posta, confira má aplicação a determinado dispositivo legal ou deixe de aplicar dispositivo legal que, supostamente, segundo a compreensão do autor da rescisória, melhor resolveria a controvérsia. Em uma ou outra situação, é indispensável que a questão aduzida na ação rescisória tenha sido objeto de deliberação na ação rescindenda. 

Não se está a exigir, para efeito de ação rescisória, o prequestionamento do artigo cuja literalidade se repute violado. Impõe-se, para efeito de cabimento de ação rescisória, fundada na alegação de ofensa à literalidade de dispositivo legal, que a questão tenha sido objeto de decisão na ação rescindenda, seja conferindo incorreta aplicação a determinado dispositivo legal, seja deixando de aplicar preceito legal, que, segundo a convicção do autor da ação rescisória, melhor regularia a matéria. 

Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça: 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL A DISPOSITIVO DE LEI. QUESTÃO ESTRANHA AO CONTEÚDO DA DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. INVIABILIDADE. 1. Trata-se, na origem, de Ação Rescisória ajuizada pelo INSS com a finalidade de desconstituir parcialmente o trânsito em julgado de sentença que condenou a autarquia ao pagamento de benefício previdenciário. 2. A demanda foi ajuizada com base no art. 485, V, do CPC/1973, tendo sido apontado como violado o art. 219, § 5º, daquele diploma legislativo. 3. O Tribunal local corretamente julgou improcedente o pedido, adotando como fundamento a inviabilidade desta demanda para discutir matéria estranha ao conteúdo do acórdão cuja rescisão era almejada. 4. "Ainda que não se exija que a lei tenha sido invocada no processo originário, tendo em vista que o requisito do prequestionamento não se aplica em sede de ação rescisória, mostra-se inviável o pedido de rescisão, com base no art. 485, V, do CPC, fundado em suposta violação a disposição de lei, quando a questão aduzida na ação rescisória não foi tratada em nenhum momento em tal processo" (AgRg na AR 4.741/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 6/11/2013). 5. Recurso Especial não provido. (REsp 1648617/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 17/05/2017) - sem grifo no original. 

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SERVIDOR PÚBLICO. VIOLAÇÃO LITERAL DE DISPOSITIVO LEGAL (ART. 485, V, CPC/1973). AÇÃO RESCISÓRIA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA NÃO PROVIDA. 1. Pela disposição normativa prevista tanto no art. 485, V, do CPC/1973 quanto no art. 966, V, do CPC/2015, observa-se que a concretização do vício rescisório está na manifesta divergência entre o julgado e o legislado. Ou seja, a não observação de preceito legal deve ser clara e inequívoca. 2. No caso dos autos, os dispositivos indicados como expressamente violados são: I) arts. 3º, VI, e 267, ambos do CPC/1973 e art. 1º do Dec.-Lei n. 1.110/1970, porque a ilegitimidade da União não foi declarada; II) do art. 1º do Dec.-Lei n. 20.910/1932 e dos arts. 219, § 5º, e 618, ambos do CPC/1973, porquanto não houve a extinção da execução, apesar da ocorrência da prescrição da pretensão executória. 3. Não se vincula a existência de vício rescisório a uma prévia indicação precisa do dispositivo na fundamentação do julgado rescindendo. Contudo, a inexistência de prequestionamento como requisito de ação rescisória não significa que essa possa ser utilizada como sucedâneo recursal, em face de seu caráter excepcional consequente da proteção à coisa julgada e à segurança jurídica. Assim, a deliberação contrária a disposição legal deve se apresentar no julgado rescindendo, mesmo quando não apresentada expressamente, de forma relevante. 4. A decisão rescindenda limitou-se a examinar questão relacionada ao excesso de execução. Tanto que deu provimento aos embargos à execução para abater R$ 15.568,69 do requerido inicialmente na execução do título firmado em mandado de segurança. Não houve análise de teses relacionadas à ilegitimidade ou à prescrição, até mesmo porque essas questões sequer foram elencadas na petição de embargos à execução. Portanto, verifica-se que esta ação rescisória foi manejada com o fim de substituir recurso e de discutir questões novas, que poderiam ter sido analisadas antes do trânsito do julgado rescindendo. 5. Ação rescisória não provida. (AR 5.581/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2018, DJe 12/12/2018) 

Na hipótese dos autos, a questão relacionada à prescrição, embora fosse possível, não foi tratada, de ofício, pelo juiz, tampouco foi suscitada, como seria de rigor, pela parte a que beneficiaria com o seu reconhecimento, caso fosse de seu interesse, não havendo, assim, nenhuma deliberação sobre a matéria no bojo da ação rescidenda. 

De todo inconcebível, assim, o manejo de ação rescisória, sob a tese de violação literal de lei, se a questão — a qual o preceito legal apontado na ação rescisória deveria supostamente regular — não foi objeto de nenhuma deliberação na ação originária. 

Em arremate, na esteira dos fundamentos acima delineados, nego provimento ao presente recurso especial. 

É o voto. 

30 de abril de 2021

No novo CPC, declinação de competência sobre rescisória para o STJ impõe complemento e remessa dos autos

 Em razão da substituição do acórdão do tribunal local pela decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.284.035 – em que foi mantida a vedação à capitalização de juros em cédula de crédito comercial –, a Terceira Turma reconheceu a competência do STJ para julgar a respectiva ação rescisória, na qual se discute a legalidade do anatocismo (juros sobre juros).

Por unanimidade, o colegiado deu parcial provimento a recurso do Banco do Brasil e determinou ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que permita à instituição financeira emendar sua petição inicial na ação rescisória e, em seguida, remeta o processo ao STJ, o qual tem competência para o julgamento, nos termos do artigo 105, inciso I, alínea "e", da Constituição. Também deverá ser dada oportunidade à parte adversa para complementar seus argumentos de defesa.

Segundo os autos, o Banco do Brasil entrou com a ação rescisória para desconstituir uma sentença transitada em julgado no STJ, que tratava da vedação à capitalização de juros remuneratórios fixados em cédula de crédito comercial.

Após a instrução, o TJMS concluiu ser incompetente para analisar o pedido rescisório, tendo em vista que a matéria de mérito havia sido decidida pelo STJ. Por isso, a corte estadual extinguiu a ação.

Lei nova

O relator na Terceira Turma, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que a jurisprudência do tribunal entende que a ação rescisória, quanto aos seus pressupostos, deve ser regida pela lei processual em vigor ao tempo do trânsito em julgado da decisão rescindenda (QO na AR 5.931), sendo que os atos a serem realizados no curso do processo devem observar a lei nova.

No entanto, o magistrado destacou que não estavam em discussão os pressupostos da rescisória, mas sim a consequência jurídica do reconhecimento da competência absoluta do STJ no caso. Segundo Bellizze, por se tratar de regra de procedimento, que se aplica no curso da demanda, deve ser considerada a norma processual em vigor no momento do ato judicial que confirma ou declina da competência, "em observância ao sistema (teoria) do isolamento dos atos processuais".

Para ele, embora a ação rescisória tenha sido proposta sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, sua extinção sem resolução do mérito pelo TJMS ocorreu já sob o CPC/2015. Portanto, o ministro considerou ser necessário o atendimento do artigo 968, parágrafos 5º e 6º, do novo código, que deve ser observado quando houver dúvida fundada sobre a competência (os dispositivos preveem a complementação dos autos e a sua remessa ao juízo competente).

De acordo com Bellizze, a competência do STJ para a ação rescisória dos seus julgados é absoluta; por isso, considerando-se incompetente o tribunal de origem, impõe-se não a extinção do processo, mas a remessa dos autos à corte superior, como preceitua o artigo 64, parágrafo 3º, do CPC/2015.

Para o relator, o TJMS aplicou erroneamente a orientação constante do Enunciado Administrativo 2/STJ – que se refere tão somente aos pressupostos recursais –, bem como utilizou indevidamente o sistema da unidade processual, em vez do sistema do isolamento dos atos processuais, que é o adotado pela legislação, pela jurisprudência e pela doutrina majoritária.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1756749

29 de abril de 2021

É possível a rescisão de sentença concessiva de adoção se a pessoa não desejava verdadeiramente ter sido adotada e, após atingir a maioridade, manifestou-se nesse sentido

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-691-stj.pdf


ADOÇÃO - É possível a rescisão de sentença concessiva de adoção se a pessoa não desejava verdadeiramente ter sido adotada e, após atingir a maioridade, manifestou-se nesse sentido 

É possível, mesmo ante a regra da irrevogabilidade da adoção, a rescisão de sentença concessiva de adoção ao fundamento de que o adotado, à época da adoção, não a desejava verdadeiramente e de que, após atingir a maioridade, manifestou-se nesse sentido. A interpretação sistemática e teleológica do § 1º do art. 39 do ECA conduz à conclusão de que a irrevogabilidade da adoção não é regra absoluta, podendo ser afastada sempre que, no caso concreto, verificar-se que a manutenção da medida não apresenta reais vantagens para o adotado, tampouco é apta a satisfazer os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.892.782/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/04/2021 (Info 691). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Em 16/12/2014, João e Regina requereram em juízo a adoção de Lucas, adolescente de 13 anos de idade, com quem já tinham um apadrinhamento afetivo. Foi deferida a adoção tendo em vista o relatório psicológico favorável e a existência de vínculo de afeto. Em 30/6/2015, a sentença transitou em julgado. Algum tempo depois, João e Regina ajuizaram ação rescisória cumulada com pedido de retificação do registro civil e tutela antecipada, com fundamento no inciso VII do art. 966 do CPC, objetivando a rescisão da sentença concessiva da adoção, narrando que, após a adoção, “começaram a perceber que o menor não tinha vontade de realmente ser filho deles ou tampouco manifestava interesse em realizar as atividades próprias de sua idade, tais como ir à escola e ter atividade complementares como cursos extras etc.” Relataram, ainda, que “na data de 11/04/2016, o adotado fugiu de casa, deixando uma carta na qual afirma que não queria mais ser adotado e que não queria ter que estudar. Vale ressaltar que Lucas, quando já era maior que 18 anos, ao ser ouvido por psicóloga em procedimento instaurado pelo Ministério Público, admitiu que o consentimento que ele deu no processo de adoção somente foi concedido porque ele estava com receio de fecharem a instituição (“abrigo”) onde ele morava e de não ter local para ir. Disse, no entanto, que nunca quis ser adotado nem morar com João e Regina. 

O Tribunal de Justiça julgou improcedente a ação rescisória alegando que: 

a) não estaria caracterizada nenhuma das hipóteses de ação rescisória do art. 966 do CPC; 

b) a adoção seria medida irrevogável a teor do § 1º do art. 39 do ECA: 

Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei. 

§ 1º A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. (...) 

 (Juiz TJ/MT VUNESP 2018) A adoção é medida excepcional, porém revogável em certos casos, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. (errado) 

Os autores interpuseram recurso especial. O STJ deu provimento ao recurso? A sentença de adoção foi rescindida? SIM. Vamos entender com calma. 

A sentença que julga o pedido de adoção pode ser objeto de ação rescisória? SIM. A sentença concessiva de adoção, ainda quando proferida em procedimento de jurisdição voluntária, pode ser encoberta pelo manto protetor da coisa julgada material e, como consectário lógico, figurar como objeto de ação rescisória. 

Existia, no caso, alguma prova nova a justificar a propositura da ação rescisória? SIM. Está caracterizada a “prova nova” apta justificar a sentença concessiva de adoção, considerando que se extrai do Relatório Psicológico que não houve, de fato, consentimento do adotando com relação à adoção, conforme exige o § 2º do art. 45 do ECA: 

Art. 45 (...) § 2º Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.

Não se trata de “alegação de fato novo”, o que seria vedado na ação rescisória. O que houve foi a produção de prova pericial nova (relatório psicológico) que atestou a inexistência de ato jurídico anterior à sentença, qual seja, o consentimento do adolescente. 

Em qual inciso do art. 966 do CPC enquadra-se esta ação rescisória? No inciso VI: 

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) 

VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória; 

A situação se amolda à hipótese prevista no inciso VI do art. 966 do CPC, considerando que o juiz, ao deferir a adoção, afirmou que houve o consentimento do adotando, conforme exigido pelo § 2º do art. 45 do ECA. Esse consentimento, no entanto, revelou-se, posteriormente, ideologicamente falso. 

Mas o art. 39, § 1º do ECA afirma que a adoção é irrevogável... 

Realmente, o art. 39, § 1º do ECA afirma que a adoção é medida irrevogável. Vale ressaltar, no entanto, que a interpretação sistemática e teleológica do § 1º do art. 39 do ECA conduz à conclusão de que a irrevogabilidade da adoção não é regra absoluta, podendo ser afastada sempre que, no caso concreto, verificar-se que a manutenção da medida não apresenta reais vantagens para o adotado, tampouco é apta a satisfazer os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente. Não se pode estimular a revogabilidade das adoções. No entanto, “situações como a vivenciada pelos adotantes e pelo adotado demonstram que nem sempre as presunções estabelecidas dogmaticamente, suportam o crivo da realidade, razão pela qual, em caráter excepcional, é dado ao julgador demover entraves legais à plena aplicação do direito e à tutela da dignidade da pessoa humana.” O caso concreto representa situação sui generis na qual inexiste qualquer utilidade prática ou reais vantagens ao adotado na manutenção da adoção, medida que sequer atende ao seu melhor interesse. Ao contrário, a manutenção dos laços de filiação com os autores da rescisória representaria, para o adotado, verdadeiro obstáculo ao pleno desenvolvimento de sua personalidade, representando interpretação do § 1º do art. 39 do ECA descolada de sua finalidade protetiva. 

Desse modo, o STJ levando-se em consideração: 

a) os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente; 

b) a inexistência de contestação ao pleito dos adotantes; e 

c) que a regra da irrevogabilidade da adoção não possui caráter absoluto... 

entendeu que deveriam ser julgados procedentes os pedidos formulados na ação rescisória com a consequente rescisão da sentença concessiva da adoção e retificação do registro civil do adotado.

 Em suma: É possível, mesmo ante a regra da irrevogabilidade da adoção, a rescisão de sentença concessiva de adoção ao fundamento de que o adotado, à época da adoção, não a desejava verdadeiramente e de que, após atingir a maioridade, manifestou-se nesse sentido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.892.782/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/04/2021 (Info 691). 


Filigrana Doutrinária: prova nova para ação rescisória - José Miguel Garcia Medina

“(...) O CPC/2015 ampliou a abrangência da prova, não apenas para admitir documento ou prova que, em princípio, poderia fornecer igual ou maior grau de segurança quanto à demonstração do acerto da afirmação da parte (algo que se poderia obter com a prova pericial, frente a documental), mas admitiu a rescisória com base em prova nova, sem exceção. É possível, portanto, o ajuizamento de ação rescisória com base em prova testemunhal nova, desde que presentes as condições previstas no art. 966, VII, do CPC/2015 (...)” 

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.304-1.305 

28 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: prova nova para ação rescisória - Guilherme Rizzo do Amaral

“(...) A segunda alteração diz com a substituição da expressão documento novo por prova nova. Doutrina e jurisprudência já vinham admitindo tal amplitude à regra anterior. Assim, não apenas a prova documental nova autorizará o ajuizamento da ação rescisória, como também a descoberta de uma nova testemunha - desde que impossível sua oitiva antes do trânsito em julgado da decisão rescindenda - ou a possibilidade de realização de perícia antes indisponível para a parte". 

AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 984. 

27 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: prova nova para ação rescisória - Nelson Nery

“(...) Prova nova. O atual CPC é mais abrangente do que o CPC/1973, pois admite não só a apresentação de documento novo, mas também de tudo que possa formar prova nova em relação ao que constou da instrução no processo original. (...)”. 

NERY e NERY. Código de processo civil comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.060. 

Filigrana Doutrinária: Ação rescisória por ofensa à lei - Teresa Arruda Wambier

 “se se tratar de ofensa à lei [...], trata-se de demonstrar a adoção de solução normativa em si mesma equivocada, ou demonstrar que a solução normativa pela qual se optou é inadequada ao quadro fático constante dos autos”, porquanto “a ação rescisória, medida excepcional que é, não se pode transformar numa ação de revisão, pura e simplesmente, do que tenha sido decidido no processo de onde emanou a decisão rescindenda, como se de uma apelação se tratasse”. 

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso extraordinário e ação rescisória. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 513-514. 

26 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: Causa de pedir da ação rescisória - Flávio Yarshell

“não compete ao tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações a literal disposição de lei não alegadas pelo demandante, nem mesmo ao argumento de se tratar de matéria da ordem pública”.

YARSHELL, Flavio. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 151

Filigrana Doutrinária: causa de pedir na ação rescisória - Barbosa Moreira

“cada suposta violação constitui uma causa petendi”, razão pela qual “o autor precisa indicar, na inicial, a norma a seu ver infringida”, logo, “ao órgão julgador não é lícito acolher o pedido senão com base em alguma(s) das alegadas” violações, pois, “se nenhuma delas ocorreu, terá de julgar o pedido improcedente, ainda que verifique a transgressão de norma não indicada pelo autor”. 

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, 15ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 132-133, sem destaque no original. 

25 de abril de 2021

AÇÃO RESCISÓRIA - Quando o inciso VII do art. 966 do CPC/2015 fala que é possível o ajuizamento de ação rescisória com base em “prova nova”, isso abrange também a prova testemunhal

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/06/info-645-stj-1.pdf


AÇÃO RESCISÓRIA - Quando o inciso VII do art. 966 do CPC/2015 fala que é possível o ajuizamento de ação rescisória com base em “prova nova”, isso abrange também a prova testemunhal 

O art. 966, VII, do CPC/2015 prevê que cabe rescisória quando o autor obtiver, posteriormente ao trânsito em julgado, “prova nova” cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável. Quando esse inciso VII fala em prova nova, engloba não apenas a prova documental, mas qualquer outra espécie de prova, inclusive a prova testemunhal. Assim, no novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo na ação rescisória. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1.770.123-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/03/2019 (Info 645). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Em 2016, João ajuizou ação de usucapião buscando adquirir a propriedade de determinado imóvel. O pedido foi julgado procedente e a sentença transitou em julgado em 2018. Cerca de 1 ano depois (em 2019), Pedro ajuizou ação rescisória pedindo a desconstituição da decisão sob o argumento de que, após o trânsito em julgado, surgiram três testemunhas (cuja existência se ignorava) que sabem que João não teve a posse do imóvel pelo tempo exigido pela lei para a usucapião. A ação rescisória foi fundamentada no art. 966, VII, do CPC/2015, que prevê o seguinte: 

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; 

O Tribunal de Justiça não conheceu da ação afirmando que testemunha nova não se amolda no conceito de “prova nova” de que trata o inciso VII. A “prova nova” mencionada no inciso VII seria apenas o documento novo. 

A interpretação adotada pelo TJ está correta? 

NÃO. A prova testemunhal é uma espécie de prova admitida no nosso ordenamento jurídico, de modo que deve ser incluída no conceito de “prova nova” a que se refere o art. 966, VII, do CPC/2015 para todos os efeitos. Se compararmos a redação do CPC/2015 com a do Código passado, iremos constatar facilmente que a intenção do legislador foi a de ampliar a abrangência da hipótese de cabimento descrita no inciso VII. Veja: 

Como é atualmente (CPC/2015) 

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;


Como era no CPC/1973  

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável; 

Logo, de acordo com o novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo. Nesse sentido são as lições da doutrina abalizada: 

“(...) Prova nova. O atual CPC é mais abrangente do que o CPC/1973, pois admite não só a apresentação de documento novo, mas também de tudo que possa formar prova nova em relação ao que constou da instrução no processo original. (...)”. (NERY e NERY. Código de processo civil comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.060). 

“(...) A segunda alteração diz com a substituição da expressão documento novo por prova nova. Doutrina e jurisprudência já vinham admitindo tal amplitude à regra anterior. Assim, não apenas a prova documental nova autorizará o ajuizamento da ação rescisória, como também a descoberta de uma nova testemunha - desde que impossível sua oitiva antes do trânsito em julgado da decisão rescindenda - ou a possibilidade de realização de perícia antes indisponível para a parte". (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 984). 

“(...) O CPC/2015 ampliou a abrangência da prova, não apenas para admitir documento ou prova que, em princípio, poderia fornecer igual ou maior grau de segurança quanto à demonstração do acerto da afirmação da parte (algo que se poderia obter com a prova pericial, frente a documental), mas admitiu a rescisória com base em prova nova, sem exceção. É possível, portanto, o ajuizamento de ação rescisória com base em prova testemunhal nova, desde que presentes as condições previstas no art. 966, VII, do CPC/2015 (...)” (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.304-1.305) 

Em suma: No novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo na ação rescisória. STJ. 3ª Turma. REsp 1.770.123-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/03/2019 (Info 645). 

Vale ressaltar, por fim, que o prazo de 2 anos da ação rescisória com base no inciso VII somente se inicia quando é descoberta a prova nova. Confira o que diz o CPC/2015: 

Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. (...) § 2º Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. 

Este novo termo inicial para a rescisória em tais casos é uma outra novidade do CPC/2015

24 de abril de 2021

AÇÃO RESCISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE. HIPÓTESES. TAXATIVIDADE. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE. ART. 485, V, DO CPC/73. LITERAL VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. INDICAÇÃO DA NORMA VIOLADA. ÔNUS DO AUTOR. CAUSA DE PEDIR. TRIBUNAL. VINCULAÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO. PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO MOTIVADO. REAPRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. JUÍZO RESCINDENTE. LIMITES. EXTRAPOLAÇÃO. SUCEDÂNEO RECURSAL. CARACTERIZAÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.663.326 - RN (2017/0067009-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE. HIPÓTESES. TAXATIVIDADE. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE. ART. 485, V, DO CPC/73. LITERAL VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. INDICAÇÃO DA NORMA VIOLADA. ÔNUS DO AUTOR. CAUSA DE PEDIR. TRIBUNAL. VINCULAÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO. PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO MOTIVADO. REAPRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. JUÍZO RESCINDENTE. LIMITES. EXTRAPOLAÇÃO. SUCEDÂNEO RECURSAL. CARACTERIZAÇÃO. 

1. Ação rescisória, pautada no art. 485, V, do CPC/ 73, por meio da qual, por alegada violação literal dos arts. 332, 382 e 397 do CPC/73, se pretende desconstituir sentença que julgou parcialmente procedente ação adjudicatória de imóvel, objeto de contrato de compra e venda. 

2. Recurso especial interposto em: 10/11/2016; conclusos ao gabinete em: 20/12/2017; aplicação do CPC/15. 

3. A correção de vícios por meio da ação rescisória é medida excepcional, cabível nos limites das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73, em homenagem à proteção constitucional à coisa julgada e ao princípio da segurança jurídica. Precedente. 

4. Como se trata de via processual própria para a desconstituição da coisa julgada, que corresponde à preclusão máxima do sistema processual, o exaurimento de instância no processo rescindendo não é um dos pressupostos para a ação rescisória, tampouco a preclusão consumativa é obstáculo ao seu processamento. Precedente. 

5. Ainda que, na hipótese concreta, a requerente não tenha interposto apelação da sentença rescindenda – que, julgou antecipadamente a lide e indeferiu a produção de prova por ela requerida –, essa circunstância, por si mesma, não representa óbice ao cabimento da ação rescisória. 

6. A rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada contrariou a literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, não alcançando a reapreciação de provas ou a análise da correção da interpretação de matéria probatória. 

7. A indicação do dispositivo de lei violado é ônus do requerente, haja vista constituir a causa de pedir da ação rescisória, vinculando, assim, o exercício da jurisdição pelo órgão competente para sua apreciação. 

8. Não é possível ao Tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações à lei não alegadas pelo demandante, mesmo que se trate de questão de ordem pública. 

9. O juiz é o destinatário final das provas, a quem cabe avaliar sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento fundamentado das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em juízo cuja revisão demanda a reapreciação do conjunto fático dos autos. Precedentes. 

10. Na hipótese dos autos, o juízo rescindente promovido pelo Tribunal de origem ultrapassou os limites das causas de pedir deduzidas pelo autor na presente ação rescisória, além de não ter observado que o indeferimento da produção probatória e o julgamento antecipado da lide foi devidamente fundamentado. 

11. O acolhimento da pretensão de desconstituição da sentença transitada em julgado acarretou, portanto, a utilização da ação rescisória como sucedâneo recursal. 12. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 11 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por TDC DISTRIBUIDORA DE COMBUSTIVEIS S.A., fundamentado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. 

Ação: rescisória, pautada no art. 485, V, do CPC/ 73, ajuizada S.R MEDEIROS E CIA LTDA. em face do recorrente, por meio da qual, por alegada violação literal dos arts. 332, 382 e 397 do CPC/73, pretende desconstituir sentença que julgou parcialmente procedente ação adjudicatória de imóvel, objeto de contrato de compra e venda. 

Acórdão: por maioria, julgou procedente o pedido para desconstituir a sentença transitada em julgado, para retomar o prosseguimento da ação de adjudicação do imóvel sendo debatida a matéria de ordem pública suscitada pela recorrida – simulação da compra e venda, que, em verdade, encobriria um pacto comissório em um mútuo – e garantida a apresentação de provas tendentes a demonstrá-la. 

Embargos infringentes: interpostos pela recorrente, foram desprovidos, com a manutenção da conclusão pela desconstituição da sentença transitada em julgado. 

Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados. 

Recurso especial: alega violação dos arts. 131, 245, 485, V, do CPC/73, bem como dissídio jurisprudencial. 

Assevera que a recorrida não demonstrou a manifesta violação de dispositivo de lei e que a ação rescisória foi utilizada como sucedâneo recursal. 

Aduz que o indeferimento da produção da prova foi devidamente fundamentado na sentença rescindenda, de modo que nenhum dos dispositivos indicados na inicial teria sido violado de forma literal. 

Afirma que a recorrida deveria ter alegado a suposta nulidade por cerceamento de defesa na primeira oportunidade que lhe coube falar nos autos, que seria a apelação da sentença rescindenda, sequer interposta, tendo ocorrido, assim, a preclusão. 

É O RELATÓRIO. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal consiste em determinar se: a) a tese suscitada na ação rescisória pautada no art. 485, V, do CPC/73 deveria ter sido objeto de arguição recursal no processo rescindendo, para fins do exame de seu mérito na ação rescisória; b) a ação rescisória está sendo utilizada como sucedâneo recursal ou existiu efetiva violação literal de disposição de lei na sentença que julga antecipadamente a lide, indeferindo a produção de prova anteriormente requerida. 

Recurso especial interposto em: 10/11/2016; 

Conclusos ao gabinete em: 20/12/2017; 

Aplicação do CPC/15. 

1. DA AÇÃO RESCISÓRIA 

O principal efeito do trânsito em julgado material das decisões judiciais de mérito é imutabilidade da relação jurídica por ela decidida, servindo, pois, ao propósito de evitar a perpetuidade dos litígios, pacificando as pretensões resistidas, e de impedir a manutenção da insegurança jurídica acerca de matéria submetida ao crivo jurisdicional. 

No entanto, diante da possibilidade de que decisões judiciais de mérito que contenham vícios graves sejam revestidas pela autoridade da coisa julgada, o sistema processual previu o remédio da ação rescisória, que visa reparar essas sérias imperfeições, superando a imutabilidade de uma determinada decisão judicial de mérito. 

Contudo, tendo em vista a prevalência do princípio segurança jurídica, a ação rescisória somente é cabível nas hipóteses taxativamente previstas em lei e de acordo com a expressa manifestação da parte prejudicada. 

Realmente, conforme o sólido entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, a correção de vícios por meio da ação rescisória é medida excepcional, “cabível nos limites das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73 [...], em razão da proteção constitucional à coisa julgada e do princípio da segurança jurídica” (AgInt na AR 4.821/RN, Segunda Seção, DJe 18/03/2019, sem destaque no original). 

1.1. DO EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA, DA PRECLUSÃO E A AÇÃO RESCISÓRIA (ART. 245 DO CPC/73; 278 DO CPC/15) 

Como se trata de via processual própria para a desconstituição da coisa julgada, que corresponde à preclusão máxima do sistema processual, o exaurimento de instância no processo rescindendo não é um dos pressupostos para a ação rescisória. 

Assim, o fato de, no processo rescindendo, não ter sido interposto algum recurso eventualmente cabível, ou de o ter sido sem a invocação de determinada tese de defesa, não impede o exame de mérito da rescisória, pois o essencial para tanto é que a decisão rescindenda tenha incidido em alguma das hipóteses de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73 – vigente à época do trânsito em julgado. 

Realmente, o entendimento da e. Segunda Seção é de que “a preclusão não é obstáculo ao cabimento da ação rescisória”, de modo que “o fato de não ter sido interposto algum recurso eventualmente cabível, ou tê-lo sido sem a invocação de determinado dispositivo legal, não impede o ajuizamento de ação rescisória”; portanto, “não se exige exaurimento de instância como pressuposto para a ação rescisória” (AgRg na AR 4.459/DF, Segunda Seção, DJe 01/02/2016, sem destaque no original). 

Dessa forma, ainda que, na hipótese concreta, a requerente não tenha interposto apelação da sentença rescindenda – que, julgou antecipadamente a lide e indeferiu a produção de prova por ela requerida –, essa circunstância, por si mesma, não representa óbice ao cabimento da ação rescisória. 

Assim, o recurso especial não comporta provimento no ponto, devendo ser examinado, na sequência, a fim de se apurar a alegada violação ao art. 485, V, do CPC/73, se houve a efetiva demonstração de violação literal a dispositivo legal, exigida pelo referido dispositivo. 

1.2. CABIMENTO DA RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO LITERAL DA LEI 

Apesar de o exaurimento de instância não ser pressuposto do ajuizamento da ação rescisória, o respeito à coisa julgada e à segurança jurídica demanda que, na ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73 (hoje, art. 966, V, do CPC/15), se demonstre a violação frontal, manifesta e literal à lei, a qual deve ser flagrante, a ponto de poder ser considerada teratológica. 

A ação rescisória não é, de fato, admitida como sucedâneo recursal, não sendo permitido o ajuizamento da ação rescisória com a simples intenção de rediscutir o acerto ou a correção do julgamento. 

Com efeito, a jurisprudência desta e. Terceira Turma pontua que “o cabimento da ação rescisória com suporte no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada tivesse contrariado a literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, sob pena de se perpetuar a discussão sobre matéria decidida e desrespeitar a segurança jurídica” (REsp 1750556/GO, Terceira Turma, DJe 11/10/2019). 

1.3. VINCULAÇÃO AOS PEDIDOS E AOS DISPOSITIVOS TIDOS POR LITERALMENTE VIOLADOS 

Segundo a doutrina, a indicação de violação literal de disposição de lei é ônus do requerente, haja vista constituir a causa de pedir da ação rescisória, vinculando, assim, o exercício da jurisdição pelo órgão competente para sua apreciação. 

De fato, conforme leciona BARBOSA MOREIRA, “cada suposta violação constitui uma causa petendi”, razão pela qual “o autor precisa indicar, na inicial, a norma a seu ver infringida”, logo, “ao órgão julgador não é lícito acolher o pedido senão com base em alguma(s) das alegadas” violações, pois, “se nenhuma delas ocorreu, terá de julgar o pedido improcedente, ainda que verifique a transgressão de norma não indicada pelo autor” (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, 15ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 132-133, sem destaque no original). 

Na mesma linha, FLAVIO YARSHELL pontua que “não compete ao tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações a literal disposição de lei não alegadas pelo demandante, nem mesmo ao argumento de se tratar de matéria da ordem pública” (Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 151, sem destaque no original). 

Dessa forma, na ação rescisória do art. 485, V, do CPC/73, o juízo rescisdente do Tribunal se encontra vinculado aos dispositivos de lei apontados pelo autor como literalmente violados, não podendo haver exame de matéria estranha à apontada na inicial, mesmo que o tema possua a natureza de questão de ordem pública, sob pena de transformar a ação rescisória em mero sucedâneo recursal. 

1.4. DA VIOLAÇÃO LITERAL À LEI E A DECISÃO SOBRE A PRODUÇÃO DE PROVAS 

Como visto, para que a via processual da ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73 não se transforme em espécie de sucedâneo recursal, a rediscussão da justiça da decisão fustigada deve se ater aos limites do absurdo e da teratologia na interpretação do texto legal, o que, em regra, também não ocorre quando for necessário reexaminar os critérios fáticos envolvidos na aplicação da norma jurídica. 

Em relação aos limites da rescindibilidade da rescisória pautada na literal violação de disposição de lei, a doutrina pontua que, “se se tratar de ofensa à lei [...], trata-se de demonstrar a adoção de solução normativa em si mesma equivocada, ou demonstrar que a solução normativa pela qual se optou é inadequada ao quadro fático constante dos autos”, porquanto “a ação rescisória, medida excepcional que é, não se pode transformar numa ação de revisão, pura e simplesmente, do que tenha sido decidido no processo de onde emanou a decisão rescindenda, como se de uma apelação se tratasse” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso extraordinário e ação rescisória. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 513-514, sem destaque no original). 

Esse entendimento encontra respaldo na jurisprudência desta Terceira Turma, que afirma que “a viabilidade da ação rescisória por ofensa de literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, sendo inviável, nesta seara, a reapreciação das provas produzidas o u a análise acerca da correção da interpretação dessas provas pelo acórdão rescindendo” (AgInt no AREsp 569.690/SP, Terceira Turma, DJe 25/11/2016). 

A e. Primeira Seção, examinando hipótese de indeferimento do pedido de produção de provas, adota posicionamento equivalente, ao asseverar que “as afirmações de que a prova pericial requerida pelo autor deveria obrigatoriamente ser produzida [...] não se relaciona[...] a uma suposta transgressão ao Direito em tese, mas sim diz[...] respeito ao inconformismo do autor com o juízo concreto de adequação dos fatos às normas, circunstância essa que confere à pretensão deduzida caráter de indevido sucedâneo recursal” (AR 5.015/SP, Primeira Seção, DJe 10/11/2017, sem destaque no original). 

Assim, em conclusão, não há violação literal de disposição legal quando o exame da tese da rescisória demandar a reanálise do contexto fático envolvido na interpretação do texto da lei, sendo esta a hipótese da apreciação da adequação da dispensa fundamentada da produção de prova requerida pela parte com consequente julgamento antecipado da lide. 

1.5. DO CERCEAMENTO DE DEFESA PELO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE 

À luz dos princípios da livre apreciação da prova e do livre convencimento motivado, o Juiz é o destinatário final das provas, a quem cabe avaliar sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 130 do CPC/73 (atual art. 370, caput e parágrafo único, do CPC/15). 

Por essa razão, se, a despeito de um anterior deferimento do pedido de produção de provas, houver o julgamento antecipado da lide, em virtude de motivada declaração de inutilidade da produção probatória requerida, não se configurará cerceamento de defesa. 

Essa é a orientação prevalente nas Turmas de Direito Privado desta Corte, que consignam que “não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, devidamente fundamentado, sem a produção das provas pretendidas pela parte, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e deferir a produção probatória que considerar necessária à formação do seu convencimento” (REsp 1810435/SP, Terceira Turma, DJe 28/11/2019, sem destaque no original). No mesmo sentido: AgInt no AREsp 1051746/SP, Quarta Turma, DJe 15/03/2018. 

1.6. DA HIPÓTESE CONCRETA 

Na hipótese dos autos, a ação rescisória está fundada na previsão do art. 485, V, do CPC/73, tendo como causas de pedir as alegadas violações literais dos arts. 332, 382 e 397 do diploma processual revogado. 

Apesar disso, conforme reconhecido pelo Tribunal de origem, o juízo rescindente decorreu da circunstância de se “reconhecer que a sentença proferida de forma antecipada transgrediu literal disposição de lei, na espécie o art. 303 do CPC e, por ser assim, a sua rescisão era a medida devida” (e-STJ, fl. 843, sem destaque no original). 

De fato, esse é o principal fundamento do acórdão que apreciou a ação rescisória, no qual se pontuou que “a alegação, ainda que feita posteriormente à contestação pela S. R. Medeiros & Cia. Ltda., era capaz de ensejar a nulidade do negócio jurídico, porquanto objeto de simulação, que é matéria de ordem pública, reconhecível até mesmo de oficio pelo julgador, poderia ser ela arguida a qualquer tempo, haja vista que impossível de ser atingida pela preclusão”, eis que “é o que dispõe o art. 303, II, do Código de Processo Civil, como exceção ao princípio da eventualidade” (e-STJ, fl. 672, sem destaque no original). 

E, realmente, “o Juízo de Primeiro Grau, [...] fundamentou na ausência de impugnação específica a impossibilidade de consideração da veracidade da realização do negócio jurídico” (e-STJ, fl. 802). 

Infere-se de referidas situações que o juízo rescindente promovido pelo Tribunal de origem ultrapassou os limites das causas de pedir deduzidas pelo autor na presente ação rescisória, que não mencionou em nenhum momento da inicial a literal violação do disposto no art. 303, II, do CPC/73. 

Não o suficiente, extrai-se da sentença rescindenda que o indeferimento da produção de prova foi devidamente fundamentado na presunção de veracidade das alegações da recorrente, em razão da ausência de oportuna contestação por parte da ora recorrida. 

Dessa forma, em razão de ter havido a devida fundamentação para o julgamento antecipado da lide com o consequente indeferimento de produção da prova requerida pela recorrida, não há se falar em cerceamento de defesa, nem em violação literal do disposto nos arts. 332, 382 e 397 do CPC/73. 

Em virtude dessas circunstâncias, o conhecimento e o provimento de ação rescisória é causa de violação do disposto no art. 485, V, do CPC/73, haja vista ter sido utilizada como nítido sucedâneo recursal, em substituição da apelação cabível. 

A presente rescisória merece, portanto, ser julgada improcedente, haja vista ser inviável sua utilização como meio de reavaliar os fatos da causa ou corrigir eventual injustiça da decisão. 

2. CONCLUSÕES 

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedente o pedido da ação rescisória, invertendo, em favor da recorrente, os ônus sucumbenciais fixados pelo Tribunal de origem e revertendo, nos termos do art. 494, do CPC/73, em favor da recorrente, o depósito prévio efetuado pela recorrida. 

18 de abril de 2021

A ação rescisória de sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face dos herdeiros, e não do espólio.

 REsp 1.667.576-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/09/2019, DJe 13/09/2019

Sentença proferida em ação investigatória de paternidade. Falecimento do pretenso genitor. Ação rescisória. Ação de estado e de natureza pessoal. Legitimidade passiva. Herdeiros do falecido e não do espólio.

Regitre-se, de início, que a jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido de que a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face dos herdeiros e não do espólio do falecido. Nesse contexto, o fato de a sentença que se pretende rescindir ter sido proferida em ação investigatória de paternidade, em que somente o de cujus figurou como parte, não modifica esse entendimento. Embora o CPC/1973 não trate da legitimidade passiva para a ação rescisória (o CPC/2015 também não examina esse tema), é correto afirmar que a regra do art. 487, I, do CPC revogado (idêntico ao art. 967, I, do novo CPC), que disciplina a legitimidade ativa e que informa que poderá propor a referida ação "quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular" deve se aplicar, por lógica, coerência e simetria, também à adequada configuração da legitimação passiva da ação rescisória. Por essa razão, o falecimento da parte após o trânsito em julgado da sentença a ser rescindida implica sucessão processual não apenas no polo ativo, mas também no polo passivo. Como se sabe, a legitimidade passiva decorre de uma relação lógica e abstrata entre quem pede, o que se pede e contra quem se pede, devendo figurar no polo passivo a pessoa indicada pelo autor que possa ser compelida e reúna condições de satisfazer o pedido inicial. Tendo em mira essa premissa, conclui-se que, evidentemente, o espólio não é parte legítima para responder à ação rescisória em que se pleiteie a rescisão de sentença e o rejulgamento de ação investigatória de paternidade post mortem, seja como legitimado exclusivo, seja como litisconsorte passivo necessário, na medida em que, nessa ação, nada será pedido contra o espólio, que tão somente é um ente despersonalizado apto a titularizar a universalidade jurídica denominada herança até que se efetive a partilha dos bens. Sublinhe-se que as eventuais repercussões econômicas ou patrimoniais derivadas do reconhecimento, ou não, da filiação que se pretende alcançar por intermédio da ação investigatória de paternidade é que poderão, hipoteticamente, ser objeto de pretensões autônomas que serão deduzidas contra o espólio, como já se consignou em precedentes desta Corte em relação à petição de herança (AgRg no Ag 580.197/SP, Quarta Turma, DJe 04/05/2009) e à execução de dívidas do de cujus (REsp 1.559.791/PB, Terceira Turma, DJe 31/08/2018).

AÇÃO RESCISÓRIA - Juiz que não declara, de ofício, prescrição na ação de cobrança não viola literal disposição de lei para fins de ação rescisória, com base no art. 485, V, CPC/1973

Fonte: Dizer o Direito 

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/informativo-comentado-656-stj.html


AÇÃO RESCISÓRIA - Juiz que não declara, de ofício, prescrição na ação de cobrança não viola literal disposição de lei para fins de ação rescisória, com base no art. 485, V, CPC/1973 

O fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição não redunda na ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015). STJ. 3ª Turma. REsp 1.749.812-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/09/2019 (Info 656). 

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de cobrança contra Pedro. O réu foi revel. O autor demonstrou a inadimplência por meio de documentos e o juiz julgou o pedido procedente, condenando Pedro a pagar a dívida. Houve o trânsito em julgado. 

Ação rescisória 

Alguns meses depois, Pedro ajuizou ação rescisória alegando que quando João propôs a ação de cobrança contra ele, a pretensão já estava prescrita, considerando que já haviam-se passado mais de 3 anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil: 

Art. 206 (...) § 3º Em três anos: (...) V - a pretensão de reparação civil; 

Argumentou que, independentemente da revelia havida nos autos originais, o art. 219, § 5º, do CPC/1973 determinava que o juiz deveria pronunciar, de ofício, a prescrição, já que se tratava de matéria de ordem pública: 

Art. 219. (...) § 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição. 

Como o magistrado não agiu dessa forma, houve violação literal do referido dispositivo legal. Logo, caberia ação rescisória, com fundamento no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015): 

CPC/1973 

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar literal disposição de lei


CPC/2015 

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar manifestamente norma jurídica; 

A tese defendida na ação rescisória foi acolhida pelo STJ? NÃO. 

O fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição não redunda na ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015). STJ. 3ª Turma. REsp 1.749.812-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/09/2019 (Info 656). 

Art. 219, § 5º do CPC/1973 não trazia um dever do magistrado 

A prescrição, compreendida como a perda da pretensão de exigir de alguém a realização de uma prestação, em virtude da fluência de prazo fixado em lei, está relacionada com interesses exclusivamente das partes envolvidas. Isso porque a prescrição refere-se a direitos subjetivos patrimoniais e relativos, na medida em que a correlata ação condenatória tem por finalidade obter, por meio da realização de uma prestação do demandado, a reparação dos prejuízos suportados em razão da violação do direito do autor. Não é por outra razão, aliás, que a prescrição, desde que consumada, comporta, à parte que a favoreça, sua renúncia, expressa ou tácita (ao contrário do que se dá com a decadência que, diretamente, guarda em si, um interesse público). 

Assim, a possibilidade que havia no CPC/1973 de o juiz reconhecer de ofício a prescrição tinha por objetivo dar mais celeridade, efetividade e economia processual. A despeito disso, o fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição não pode ser tido como ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015). Isso porque o art. 219, § 5º do CPC/1973, que autorizava o juiz a pronunciar, de ofício, a prescrição, não representava um dever do magistrado. Tratava-se de uma possibilidade ligada, como já dito, à celeridade processual. 

Para que houvesse violação literal de lei era necessário que o juiz deliberasse sobre o tema 

A violação literal de lei, como fundamento da ação rescisória, pressupõe que o órgão julgador delibere sobre a questão posta, conferindo indevida aplicação a determinado dispositivo legal ou deixando de aplicar preceito legal que, supostamente, segundo a compreensão do autor da rescisória, melhor resolva a matéria. Em uma ou outra situação, é indispensável que a questão aduzida na ação rescisória tenha sido objeto de deliberação na ação rescindenda, o que não se confunde com exigência de prequestionamento do dispositivo legal apontado. No caso concreto, a questão relacionada à prescrição, embora fosse possível, não foi tratada, de ofício, pelo juiz, tampouco foi suscitada por qualquer das partes, não tendo havido, assim, nenhuma deliberação sobre a matéria na ação original. Não cabe o manejo de ação rescisória, sob a tese de violação literal de lei, se a questão a qual o preceito legal apontado na ação rescisória deveria supostamente regular não foi objeto de nenhuma deliberação na ação originária. 

O CPC/2015 permite o reconhecimento de ofício da prescrição? 

SIM, conforme previsão do art. 487, II. No entanto, exige que esse tema seja submetido a contraditório, nos termos do art. 10: 

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; 

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. 


Não é cabível ação rescisória contra decisão do Presidente do Tribunal proferida em suspensão de liminar

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2019/11/nao-e-cabivel-acao-rescisoria-contra.html


Suspensão de liminar
O pedido de suspensão é
- um instrumento processual (incidente processual)
- por meio do qual as pessoas jurídicas de direito público ou o Ministério Público
- requerem ao Presidente do Tribunal que for competente para o julgamento do recurso
- que suspenda a execução de uma decisão, sentença ou acórdão proferidos,
- sob o argumento de que esse provimento jurisdicional prolatado causa grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Nomenclatura
Comumente, esse instituto é chamado de pedido de “suspensão de segurança”. Isso porque ele foi previsto originalmente na lei apenas para suspender as decisões liminares ou sentenças proferidas em mandados de segurança.
Ocorre que, com o tempo, foram editadas novas leis trazendo a possibilidade de suspensão para praticamente toda e qualquer decisão judicial prolatada contra a Fazenda Pública.
Por essa razão, atualmente, além de “suspensão de segurança”, pode-se falar em “suspensão de liminar”, “suspensão de sentença”, “suspensão de acórdão” etc. Alguns julgados também falam em “pedido de contracautela”.

Previsão legal
Há cinco diferentes dispositivos legais prevendo pedido de suspensão:
• art. 12, § 1º da Lei nº 7.347/85 (suspensão de liminar em ACP);
• art. 4º da Lei nº 8.437/92 (suspensão de liminar ou sentença em ação cautelar, em ação popular ou em ACP). É considerada pela doutrina como a previsão mais geral sobre o pedido de suspensão;
• art. 1º da Lei nº 9.494/97 (suspensão de tutela antecipada concedida contra a Fazenda Pública);
• art. 16 da Lei nº 9.507/97 (suspensão da execução de sentença concessiva de habeas data);
• art. 15 da Lei nº 12.016/09 (suspensão de liminar e sentença no mandado de segurança).

Veja as duas previsões mais “importantes” sobre o tema:
Lei nº 8.437/92:
Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.
(...)

Lei nº 12.016/2009:
Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.

Possibilidade de formular pedido de suspensão e interpor recurso
Contra uma decisão interlocutória proferida por um juiz, em 1ª instância, poderão ser interpostos, em tese, o agravo de instrumento e, concomitantemente, o pedido de suspensão. Isso porque o pedido de suspensão não é recurso. Logo, não há violação ao princípio da singularidade ou unirrecorribilidade. Além disso, os objetivos do agravo e do pedido de suspensão são diferentes.
Vale ressaltar que essa possibilidade é prevista expressamente:
Lei nº 8.437/92
Art. 4º (...) § 6º A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.

Lei nº 12.016/2009
Art. 15 (...) § 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.

Legitimidade
Quem pode formular pedido de suspensão?
a) União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
b) Autarquias e fundações;
c) Ministério Público;
d) Concessionárias de serviço público (desde que para tutelar o interesse público primário).

Competência
Decisão prolatada por juiz  de 1ª instância:
A competência para apreciar o pedido de suspensão é do Presidente do Tribunal que teria competência para julgar o recurso contra a decisão.
Ex: concedida liminar por juiz federal do AM, o pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TRF1.
Ex2: concedida liminar por juiz de direito do AM, o pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TJAM.
Decisão prolatada por membro de TJ ou TRF:
O pedido de suspensão será decidido pelo:
• Presidente do STF: se a matéria for constitucional.
• Presidente do STJ: se a matéria for infraconstitucional.
Ex: concedida liminar pelo Desembargador do TJ/AM, o pedido de suspensão será dirigido ao Presidente do STF ou do STJ, e não ao Presidente do TJ/AM (art. 25 da Lei nº 8.038/90).
Decisão prolatada por membro de Tribunal Superior:
Se a causa tiver fundamento constitucional, é possível o ajuizamento de pedido de suspensão dirigido ao Presidente do STF.
Se a causa não tiver fundamento constitucional, não há possibilidade de pedido de suspensão.

Recurso contra a decisão proferida no pedido de suspensão
Da decisão do Presidente do Tribunal de 2ª instância (TJ / TRF) que conceder ou negar a suspensão cabe algum recurso?
SIM. Caberá agravo interno para o Plenário ou Corte Especial do próprio Tribunal.

Novo pedido de suspensão
Se, na decisão do agravo, não for concedida ou mantida a suspensão, a Fazenda Pública ainda terá a possibilidade de apresentar novo pedido de suspensão, desta vez para o STJ ou para o STF, a depender da natureza da matéria (se infraconstitucional ou constitucional). Nesse sentido, confira o que diz a Lei nº 8.437/92:
Art. 4º (...)
§ 4º Se do julgamento do agravo de que trata o § 3º resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.

Ex1: juiz concede liminar contra a Fazenda Pública, que formula pedido de suspensão para o Presidente do TJ; este concede a suspensão; a parte autora agrava da decisão do Presidente para o Plenário, que reforma a decisão do Presidente e restabelece a liminar concedida em primeira instância. Dessa decisão do Plenário, a Fazenda Pública terá a possibilidade de formular novo pedido de suspensão para o STJ ou para o STF.
Ex2: juiz concede liminar contra a Fazenda Pública, que formula pedido de suspensão para o Presidente do TJ; este não concede a suspensão; a Fazenda Pública agrava da decisão do Presidente para o Plenário, que mantém a decisão do Presidente e a liminar concedida em primeira instância. Dessa decisão do Plenário, a Fazenda Pública terá a possibilidade de formular novo pedido de suspensão para o STJ ou para o STF.
A doutrina afirma que se trata de um pedido de suspensão “por salto de instância”.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João foi demitido do cargo de Delegado de Polícia Civil em processo administrativo disciplinar.
Inconformado, ajuizou ação ordinária alegando que a demissão foi ilegal e pedindo a sua reintegração.
O juiz concedeu a tutela provisória de urgência determinando, liminarmente, a sua volta ao cargo.
Contra esta decisão, o Estado-membro apresentou pedido de suspensão de liminar dirigido ao Presidente do Tribunal de Justiça que negou o pleito.
A Fazenda Pública apresentou agravo contra a decisão do Presidente para o Plenário do TJ que manteve, contudo, a decisão e a liminar concedida em primeira instância.
Contra esta decisão do Plenário do TJ, o Estado-membro apresentou novo pedido de suspensão, desta vez dirigido ao Presidente do STJ.
O Ministro Presidente do STJ determinou a suspensão da execução da medida liminar deferida pelo Juízo de 1º grau sob o fundamento de existência de grave lesão à ordem pública e à ordem econômica.
O autor não interpôs qualquer recurso contra esta decisão do Ministro Presidente do STJ, tendo ela transitado em julgado.
Logo em seguida, João ajuizou ação rescisória contra a decisão do Presidente do STJ.

Esta ação rescisória foi conhecida?
NÃO.
Não é cabível ação rescisória contra decisão do Presidente do STJ proferida em Suspensão de Liminar e de Sentença, mesmo que transitada em julgado.
STJ. Corte Especial. AR 5.857-MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 07/08/2019 (Info 654).

Um dos requisitos para a propositura da ação rescisória é a existência de coisa julgada, mais especificamente, a existência de “decisão de mérito, transitada em julgado” (art. 966 do CPC/2015).
A decisão do Ministro Presidente do STJ não tornou indiscutível o objeto meritório da ação ordinária. Esta decisão apontou apenas a ocorrência de grave lesão à ordem pública e à ordem econômica.
Com essa decisão do Ministro Presidente os efeitos da decisão interlocutória do juízo de 1º grau foram suspensos, mas não necessariamente de forma permanente.
Se a decisão de suspensão não é modificada, ela vigora, em tese, até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal, conforme prevê o art. 4º, § 9º, da Lei nº 8.437/92:
Art. 4º (...)
§ 9º A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal.

Assim, o objeto na ação principal continua controvertido e não há decisão que tornou indiscutível e imutável a lide. Apenas os efeitos da decisão interlocutória, de natureza provisória e satisfativa, estão suspensos.
Desse modo, a decisão do Presidente do STJ – que se quer rescindir – não está fundamentada no art. 487 do CPC/2015, que trata das “sentenças” de mérito.
Apesar de ter transitado em julgado, a decisão do Presidente do STJ não formou coisa julgada material nos termos dos arts. 502 e 503, do CPC/2015, eis que não teve natureza exauriente:
Art. 502.  Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
Art. 503.  A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

Logo, a decisão do Ministro Presidente do STJ que determina a suspensão dos efeitos da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, mesmo quando transitada em julgado, não se sujeita a ação rescisória. Isso porque não faz coisa julgada material nem impede a rediscussão do objeto controvertido na ação principal.