Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/informativo-comentado-656-stj.html
AÇÃO RESCISÓRIA - Juiz que não declara, de ofício, prescrição na ação de cobrança não viola literal disposição de lei para fins de ação rescisória, com base no art. 485, V, CPC/1973
O fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição não redunda na ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015). STJ. 3ª Turma. REsp 1.749.812-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/09/2019 (Info 656).
Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de cobrança contra Pedro. O réu foi revel. O autor demonstrou a inadimplência por meio de documentos e o juiz julgou o pedido procedente, condenando Pedro a pagar a dívida. Houve o trânsito em julgado.
Ação rescisória
Alguns meses depois, Pedro ajuizou ação rescisória alegando que quando João propôs a ação de cobrança contra ele, a pretensão já estava prescrita, considerando que já haviam-se passado mais de 3 anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil:
Art. 206 (...) § 3º Em três anos: (...) V - a pretensão de reparação civil;
Argumentou que, independentemente da revelia havida nos autos originais, o art. 219, § 5º, do CPC/1973 determinava que o juiz deveria pronunciar, de ofício, a prescrição, já que se tratava de matéria de ordem pública:
Art. 219. (...) § 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.
Como o magistrado não agiu dessa forma, houve violação literal do referido dispositivo legal. Logo, caberia ação rescisória, com fundamento no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015):
CPC/1973
Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar literal disposição de lei
CPC/2015
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar manifestamente norma jurídica;
A tese defendida na ação rescisória foi acolhida pelo STJ? NÃO.
O fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição não redunda na ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015). STJ. 3ª Turma. REsp 1.749.812-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/09/2019 (Info 656).
Art. 219, § 5º do CPC/1973 não trazia um dever do magistrado
A prescrição, compreendida como a perda da pretensão de exigir de alguém a realização de uma prestação, em virtude da fluência de prazo fixado em lei, está relacionada com interesses exclusivamente das partes envolvidas. Isso porque a prescrição refere-se a direitos subjetivos patrimoniais e relativos, na medida em que a correlata ação condenatória tem por finalidade obter, por meio da realização de uma prestação do demandado, a reparação dos prejuízos suportados em razão da violação do direito do autor. Não é por outra razão, aliás, que a prescrição, desde que consumada, comporta, à parte que a favoreça, sua renúncia, expressa ou tácita (ao contrário do que se dá com a decadência que, diretamente, guarda em si, um interesse público).
Assim, a possibilidade que havia no CPC/1973 de o juiz reconhecer de ofício a prescrição tinha por objetivo dar mais celeridade, efetividade e economia processual. A despeito disso, o fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição não pode ser tido como ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015). Isso porque o art. 219, § 5º do CPC/1973, que autorizava o juiz a pronunciar, de ofício, a prescrição, não representava um dever do magistrado. Tratava-se de uma possibilidade ligada, como já dito, à celeridade processual.
Para que houvesse violação literal de lei era necessário que o juiz deliberasse sobre o tema
A violação literal de lei, como fundamento da ação rescisória, pressupõe que o órgão julgador delibere sobre a questão posta, conferindo indevida aplicação a determinado dispositivo legal ou deixando de aplicar preceito legal que, supostamente, segundo a compreensão do autor da rescisória, melhor resolva a matéria. Em uma ou outra situação, é indispensável que a questão aduzida na ação rescisória tenha sido objeto de deliberação na ação rescindenda, o que não se confunde com exigência de prequestionamento do dispositivo legal apontado. No caso concreto, a questão relacionada à prescrição, embora fosse possível, não foi tratada, de ofício, pelo juiz, tampouco foi suscitada por qualquer das partes, não tendo havido, assim, nenhuma deliberação sobre a matéria na ação original. Não cabe o manejo de ação rescisória, sob a tese de violação literal de lei, se a questão a qual o preceito legal apontado na ação rescisória deveria supostamente regular não foi objeto de nenhuma deliberação na ação originária.
O CPC/2015 permite o reconhecimento de ofício da prescrição?
SIM, conforme previsão do art. 487, II. No entanto, exige que esse tema seja submetido a contraditório, nos termos do art. 10:
Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
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