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7 de julho de 2021

ALIMENTOS - É cabível o ajuizamento de ação de alimentos, ainda que exista acordo extrajudicial válido com o mesmo objeto, quando o valor da pensão alimentícia não atende aos interesses da criança

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-697-stj.pdf 


ALIMENTOS - É cabível o ajuizamento de ação de alimentos, ainda que exista acordo extrajudicial válido com o mesmo objeto, quando o valor da pensão alimentícia não atende aos interesses da criança 

Situação concreta: mãe e pai da criança firmaram acordo extrajudicial de alimentos no centro judiciário de solução de conflitos. Cerca de 2 meses depois, a criança, representada pela mãe, ajuizou ação de alimentos contra o pai pedindo um valor maior. O juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito, decisão que, na visão do STJ, foi incorreta, não estando de acordo com a teoria da asserção, adotada em nosso ordenamento jurídico. O arrependimento e a insatisfação com os termos da avença realizada, porque não atenderia interesse indisponível e teria sido prejudicial, em tese, para a criança, caracteriza, sim, potencial interesse processual e o alegado prejuízo se confunde com o próprio mérito da ação, mostrando-se adequada a pretensão buscada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.609.701-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 18/05/2021 (Info 697). 

Imagine a seguinte situação adaptada: 

João e Regina foram casados e tiveram um filho chamado Lucas (10 anos). Regina, que ficou morando com Lucas, foi se informar a respeito dos direitos do filho, ocasião em que soube que poderia convocar João para um acordo extrajudicial a ser firmado no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUS), com a homologação do juiz coordenador do centro. João e Regina celebraram, então, um acordo extrajudicial, no CEJUSC, por meio do qual o pai se comprometeu a pagar, mensalmente, 35% do salário-mínimo, a título de pensão alimentícia em favor do filho Lucas. Cerca de 60 dias depois do acordo, Lucas, representado por Regina, ajuizou ação de alimentos contra João requerendo que fosse fixado um novo valor a título de alimentos. Isso porque a quantia definida no acordo não é suficiente para as necessidades da criança, além de estar aquém das possibilidades do pai. Narrou que João, apesar de possuir razoável condição financeira, não contribui suficientemente para a sua subsistência, deixando tal encargo exclusivamente à sua mãe. O juiz extinguiu o processo sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir, pela inadequação da via eleita, pois os alimentos já tinham sido fixados 60 dias antes no CEJUSC, com a homologação do juiz coordenador, possuindo o acordo natureza de título executivo extrajudicial. O caso chegou ao STJ. 

O fato de haver acordo extrajudicial homologado pelo juiz coordenador do CEJUSC autoriza logo de pronto a extinção do processo, sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual? 

NÃO. O STJ adota a teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação, dentre elas o interesse processual, definem-se pela narrativa formulada na petição inicial, e não pela análise do mérito da demanda, motivo pelo qual o juiz, na fase postulatória, não deve se aprofundar no exame de tais preliminares. Assim, os fatos narrados na inicial constituem meras alegações, de modo que, nesse momento (análise da inicial), as condições da ação, dentre elas o interesse processual, devem ser avaliadas in status assertionis, ou seja, de forma abstrata, à luz exclusivamente da narrativa constante na inicial, sem o aprofundamento na matéria de mérito e dispensando qualquer atividade probatória. 

A jurisprudência desta Corte Superior adota a teoria da asserção, segundo a qual a presença das condições da ação, entre elas a legitimidade ativa, deve ser apreciada à luz da narrativa contida na petição inicial, não se confundindo com o exame do direito material objeto da ação, a ser enfrentado mediante confronto dos elementos de fato e de prova apresentados pelas partes em litígio. STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp nº 1.710.937/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado aos 14/10/2019. 

O entendimento do Tribunal de origem não afasta a orientação desta Corte de que, segundo a teoria da asserção, as condições da ação devem ser aferidas a partir das afirmações deduzidas na petição inicial, dispensando-se qualquer atividade instrutória. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 776.762/RO, Rel. Min. Raul Araújo, julgado aos 24/8/2020. 

Veja como o tema já foi cobrado em provas: 

 (Juiz TJDFT 2015 CESPE) De acordo com o entendimento dominante no STJ, as condições da ação, incluída a legitimidade das partes, devem ser aferidas pelo juiz com base na teoria da asserção, ou seja, de forma abstrata e de acordo com as afirmações deduzidas na petição inicial. (CORRETA) 

 (Juiz TJAM 2016 CESPE) Segundo a teoria da asserção, a análise das condições da ação é feita pelo juiz com base nas alegações apresentadas na petição inicial. (CORRETA) 

 (Juiz TJAC 2012 CESPE) Na atual fase de evolução da lei processual brasileira, nos termos da teoria da asserção, devese considerar, na aferição das condições da ação, tanto o que foi alegado pelo autor na inicial quanto o que foi apurado, em concreto, após a instrução da causa. (INCORRETA) 

Na situação analisada, a ação de alimentos argumenta que o valor acordado a título de alimentos não atendia às necessidades básicas e era prejudicial ao alimentado. Em outras palavras, o caso não questiona a validade formal do acordo, e sim o binômio (necessidade/possibilidade) do filho, sendo, portanto, possível o prosseguimento da pretensão veiculada na ação de alimentos, ainda que exista acordo extrajudicial válido com o mesmo objeto. Deve-se buscar conferir efetividade aos princípios do melhor interesse e da proteção integral do menor e do adolescente, e, principalmente da dignidade da pessoa humana consagrados na ordem constitucional, de maneira que o trabalho interpretativo do magistrado, na solução de causa dessa natureza, seja guiado pelas linhas mestras do sistema constitucional, pelos seus princípios, suas garantias e suas normas valorativas. Nesse trilhar, é de se ter em mente que a questão envolve, não somente o interesse patrimonial, mas também a dignidade do infante, que é sujeito de direitos, e não objeto, de receber alimentos, ao menos, suficientes para o atendimento das suas necessidades básicas, que são presumidas, considerando a sua pouca idade (atualmente com 10 anos). Nesta toada, conclui-se que o arrependimento e a insatisfação com os termos da avença realizada no CEJUSC, porque não atenderia interesse indisponível e a ele teria sido prejudicial, em tese, caracterizou, sim, potencial interesse processual. Ademais, o alegado prejuízo se confunde com o próprio mérito da ação, que se mostra adequada para a pretensão buscada. 

Em suma: É cabível o ajuizamento de ação de alimentos, ainda que exista acordo extrajudicial válido com o mesmo objeto, quando o valor da pensão alimentícia não atende aos interesses da criança. STJ. 3ª Turma. REsp 1.609.701-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 18/05/2021 (Info 697)

O percentual fixado a título de pensão alimentícia abrange também as horas extras?

Fonte: Dizer o Direito 


O percentual fixado a título de pensão alimentícia abrange também as horas extras?


Imagine a seguinte situação hipotética:

Arthur, 5 anos de idade, representado por sua mãe, Carla, ajuizou ação de alimentos contra seu pai, Fausto, funcionário regularmente contratado de uma empresa.

O juiz, por meio de decisão interlocutória, de ofício, deferiu a tutela provisória de urgência, concedendo alimentos provisórios ao menor à razão de 30% sobre os valores líquidos percebidos por Fausto. Na decisão, o magistrado afirmou que esses 30% deveriam incidir, inclusive, sobre as horas extras.

 

Fausto não concordou com a decisão. Qual é o recurso que ele pode interpor neste caso?

Agravo de instrumento (art. 1.015, I, do CPC).

 

O juiz pode conceder alimentos provisórios de ofício?

SIM. Trata-se de uma das hipóteses em que é possível concessão de tutela provisória de urgênica de ofício. Esta previsão está implícita no art. 4º da Lei nº 5.478/68:

Art. 4º As despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita.

 

Em seu recurso, o pai/alimentante alegou que a pensão alimentícia não deve incidir sobre as horas extraordinárias do alimentante, tendo em vista que referidas verbas têm cunho indenizatório ou de prêmio ao esforço empreendido pelo trabalho.

 

A questão chegou até o STJ? A decisão do magistrado deve ser mantida? O percentual fixado a título de alimentos abrange também as horas extras?

SIM.

O valor recebido a título de horas extras integra a base de cálculo da pensão alimentícia fixada em percentual sobre os rendimentos líquidos do alimentante.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.741.716-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 25/05/2021 (Info 698).

 

O valor recebido pelo alimentante a título de horas extras, mesmo que não habituais, embora não ostente caráter salarial para efeitos de apuração de outros benefícios trabalhistas, é verba de natureza remuneratória e, portanto, integra a base de cálculo para a incidência dos alimentos fixados em percentual sobre os rendimentos líquidos do devedor (STJ. 4ª Turma. REsp 1098585/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/06/2013).

Soma-se a isso que a 1ª Seção do STJ também decidiu que o adicional de horas extras possui caráter remuneratório (REsp 1358281/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/04/2014).

Logo, os alimentos incidem sobre as horas extras, pois, para tal finalidade, as verbas integram a remuneração do alimentante, conferindo acréscimo a seu patrimônio.

 

þ (Advogado Prefeitura de Petrópolis/RJ 2012 FDC) Adicional de periculosidade; adicional de horas extras: ambos têm natureza salarial. (correta)

 

DOD Plus – informações complementares

Alimentos arbitrados em valor fixo não variam se houver recebimento de verbas eventuais pelo devedor

O 13º salário, a participação nos lucros e outras gratificações extras (eventuais) não compõem a base de cálculo da pensão alimentícia quando esta é estabelecida em valor fixo, salvo se houver disposição transacional ou judicial em sentido contrário.

No caso em que os alimentos tenham sido arbitrados pelo juiz em valor fixo (ex: 10 mil reais, 5 salários-mínimos etc.), o alimentando não tem direito a receber, com base naquele título judicial, quaisquer acréscimos decorrentes de verbas trabalhistas percebidas pelo alimentante e ali não previstos. Assim, o credor não terá direito a qualquer acréscimo no valor da pensão quando o devedor receber no mês um abono, comissão por produtividade, 13º salário, participação nos lucros etc.

STJ. 4ª Turma. REsp 1091095-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/4/2013 (Info 519).

STJ. 4 ª Turma. REsp 1.332.808-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/02/2015.

 

O aviso prévio não integra a base de cálculo da pensão alimentícia, salvo se houve disposição transacional ou judicial em sentido contrário

Não importa que a pensão tenha sido fixada em valor fixo ou percentual variável, o aviso prévio não interfere no valor a ser pago como pensão alimentícia.

O aviso prévio é parcela de caráter excepcional, razão pela qual não deve incidir no cálculo da pensão alimentícia, salvo se houver disposição transacional ou judicial em sentido contrário.

A jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que a verba indenizatória não se inclui na base de cálculo da pensão alimentícia.

STJ. 4ª Turma. REsp 1332808/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/12/2014 (Info 553).

8 de junho de 2021

O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia.

 REsp 1.911.030-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021

Pensão alimentícia. Filhos menores. Direito-dever de fiscalização. Ação de prestação de contas. Possibilidade.

O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia.


Com o inequívoco objetivo de proteção aos filhos menores, o legislador civil preconiza que, cessando a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, o dever de sustento oriundo do poder familiar resolve-se com a prestação de alimentos por aquele que não ficar na companhia dos filhos (art. 1.703 do CC/2002), cabendo-lhe, por outro lado, o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de sua prole (Art. 1.589 do CC/2202).

O poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda com exclusividade visa, de forma imediata, à obstrução de abusos e desvios de finalidade quanto à administração da pensão alimentícia, sobretudo mediante verificação das despesas e gastos realizados para manutenção e educação da prole, tendo em vista que, se as importâncias devidas a título de alimentos tiverem sido fixadas em prol somente dos filhos, estes são seus únicos beneficiários.

Nesse contexto, a ação de exigir contas propicia que os valores alimentares sejam melhor conduzidos, bem como previne intenções maliciosas de desvio dessas importâncias para finalidades totalmente alheias àquelas da pessoa à qual deve ser destinada, encartando também um caráter de educação do administrador para conduzir corretamente os negócios dos filhos menores, não se deixando o monopólio do poder de gerência desses valores nas mãos do ascendente guardião.

O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a - havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor - apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião (art. 1.637 combinado com o art. 1.638 do CC/2002).

Por fim, a Lei n. 13.058/2014, que incluiu o § 5º ao art. 1.583 do CC/2002, positivou a viabilidade da propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos.

O valor recebido a título de horas extras integra a base de cálculo da pensão alimentícia fixada em percentual sobre os rendimentos líquidos do alimentante.

 REsp 1.741.716-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por maioria, julgado em 25/05/2021.

Pensão alimentícia. Percentual sobre os rendimentos líquidos. Horas extras. Base de cálculo. Integração.

O valor recebido a título de horas extras integra a base de cálculo da pensão alimentícia fixada em percentual sobre os rendimentos líquidos do alimentante.


Consoante a doutrina e a jurisprudência nacional, os alimentos devem ser fixados de acordo com o binômio necessidade/possibilidade, atendendo às peculiaridades do caso concreto.

No que tange à possibilidade de pagamento do devedor de alimentos, especificamente, quanto à incidência das horas extras, verifica-se que há entendimento no âmbito da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os valores pagos a título de horas extras devem ser incluídos na verba alimentar.

No julgamento do Recurso Especial 1.098.585/SP, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma, por maioria, entendeu que as horas extras têm caráter remuneratório e o acréscimo patrimonial delas advindo consubstancia aumento superveniente nas possibilidades do alimentante, o que autoriza a incidência dos alimentos.

Soma-se a isso, que por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.358.281/SP, processado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, de relatoria do Min. Herman Benjamim, a Primeira Seção do STJ reafirmou o entendimento no sentido de que o adicional de horas extras possui caráter remuneratório.

Assim, o valor recebido pelo alimentante a título de horas extras possui natureza remuneratória, integrando a base de cálculo dos alimentos fixados em percentual sobre os rendimentos líquidos do devedor.

11 de maio de 2021

Referência Bibliográfica: Farias, Cristiano Chaves de. O litisconsórcio entre pais e avós nas ações de alimentos: compreendendo uma megera indomada em três atos. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 211-230. São Paulo: Ed. RT, maio 2021

Farias, Cristiano Chaves de. O litisconsórcio entre pais e avós nas ações de alimentos: compreendendo uma megera indomada em três atos. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 211-230. São Paulo: Ed. RT, maio 2021. 

Resumo:

Tema historicamente pertencente à área cinzenta do Direito, a obrigação alimentícia imposta aos avós mereceu regulamentação com a edição da Súmula 596 do Superior Tribunal de Justiça, caracterizando-se como subsidiária e complementar. Apesar de uma leitura perfunctória do texto apontar em sentido distinto, é cabível a formação de um litisconsórcio eventual e facultativo atípico entre os pais e os avós nas ações de alimentos, a partir de criativas soluções como se viu em A megera domada, de Willian Shakespeare.

Palavras-Chave: Obrigação alimentícia – Alimentos avoengos – Subsidiariedade e complementaridade – Cabimento de um litisconsórcio eventual e facultativa atípico – Soluções criativas para garantir efetividade


Sumário:

1 Abertura ou introdução: os efeitos jurídicos decorrentes das famílias avoengas a partir das diferentes funções exercidas pelos seus membros

2 Primeiro ato: a megera é indomável? A (falsa) impressão do descabimento de litisconsórcio entre pais e avós na ação de alimentos

3 Segundo ato: como domar a megera? O cabimento do litisconsórcio eventual entre pais e avós na ação de alimentos

4 Terceiro ato: para domar uma megera é preciso soluções criativas? A obrigação alimentícia avoenga e o cabimento de um litisconsórcio facultativo atípico por iniciativa extensiva dos avós demandados e do Ministério Público

5 Quarto ato: à guisa de um epílogo com final feliz. A instrumentalidade do processo e a efetividade da prestação jurisdicional alimentícia como justificativa do litisconsórcio eventual e facultativo entre pais e avós

6 Referências

Não é obrigatório o arbitramento de aluguel ao ex-cônjuge que reside, após o divórcio, em imóvel de propriedade comum do ex-casal com a filha menor de ambos.

 REsp 1.699.013-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021.

Imóvel de propriedade comum do ex-casal. Residência de ex-cônjuge com filha menor de ambos. Arbitramento de aluguel. Não obrigatoriedade.


Não é obrigatório o arbitramento de aluguel ao ex-cônjuge que reside, após o divórcio, em imóvel de propriedade comum do ex-casal com a filha menor de ambos.


Inicialmente, o uso exclusivo do imóvel comum por um dos ex-cônjuges - após a separação ou o divórcio e ainda que não tenha sido formalizada a partilha - autoriza que aquele privado da fruição do bem reivindique, a título de indenização, a parcela proporcional a sua quota-parte sobre a renda de um aluguel presumido, nos termos do disposto nos artigos 1.319 e 1.326 do Código Civil.

Tal obrigação reparatória - que tem por objetivo afastar o enriquecimento sem causa do coproprietário - apresenta como fato gerador o uso exclusivo do imóvel comum por um dos ex-consortes, a partir da inequívoca oposição daquele que se encontra destituído da fruição do bem, notadamente quando ausentes os requisitos ensejadores da chamada "usucapião familiar" prevista no artigo 1.240-A do Código Civil.

No caso, ainda que o imóvel pertença a ambos os ex-cônjuges, é utilizado como moradia da prole comum (filha menor cuja guarda foi concedida ao ex-marido). Indaga-se, portanto, quanto as consequências desta situação, se possui o condão de afastar (ou, de algum modo, minorar) o dever de indenização pelo uso exclusivo do bem.

Como de sabença, incumbe a ambos os genitores - na medida de suas possibilidades econômico-financeiras -, custear as despesas dos filhos menores com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte; dever parental que, por óbvio, não se desfaz com o término do vínculo matrimonial ou da união estável, conforme se depreende do artigo 1.703 do Código Civil.

Enquanto o filho for menor, a "obrigação alimentícia" tem por lastro o dever de sustento derivado do poder familiar, havendo presunção de necessidade do alimentando; ao passo que, após a maioridade civil (dezoito anos), exsurge o dever dos genitores de prestar alimentos ao filho - em decorrência da relação de parentesco - quando demonstrada situação de incapacidade ou de indigência não proposital, bem como por estar o descendente em período de formação escolar profissionalizante ou em faculdade.

Outrossim, impende assinalar que uma das características da obrigação de prestar alimentos é a sua alternatividade, consoante se extrai da norma inserta no artigo 1.701 do Código Civil.

A prestação alimentícia, portanto, pode ter caráter pecuniário - pagamento de certa soma em dinheiro - e/ou corresponder a uma obrigação in natura, hipótese em que o devedor fornece os próprios bens necessários à sobrevivência do alimentando, tais como moradia, saúde e educação.

Nada obstante, à luz do disposto no artigo 1.707 do Código Civil, não se admite, em linha de princípio, a compensação de alimentos fixados em pecúnia com aqueles pagos in natura, os quais serão considerados como mera liberalidade do devedor quando divergirem da forma estipulada pelo juízo.

A jurisprudência desta Corte tem ponderado, contudo, que o aludido princípio da incompensabilidade da obrigação alimentar não é absoluto, podendo ser mitigado para impedir o enriquecimento indevido de uma das partes, mediante o abatimento de despesas pagas in natura para satisfação de necessidades essenciais do alimentando - como moradia, saúde e educação - do débito oriundo de pensão alimentícia.

Concluindo, é certo que a utilização do bem pela descendente dos coproprietários - titulares do poder familiar e, consequentemente, do dever de sustento - beneficia a ambos, não se configurando, portanto, o fato gerador da obrigação indenizatória fundada nos artigos 1.319 e 1.326 do Código Civil.

Ademais, o fato de o imóvel comum também servir de moradia para a filha do ex-casal tem a possibilidade de converter a "indenização proporcional devida pelo uso exclusivo do bem" em "parcela in natura da prestação de alimentos" (sob a forma de habitação), que deve ser somada aos alimentos in pecunia a serem pagos pelo ex-cônjuge que não usufrui do bem - e que pode ser apurado em ação própria -, afastando o enriquecimento sem causa de qualquer uma das partes.

8 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Ação de Prestação de Contas e Crédito alimentar

[...] A prestação de contas, tecnicamente falando, consiste 'no relacionamento e na documentação comprobatória de todas as receitas e de todas as despesas referentes a uma administração de bens, valores ou interesses de outrem, realizada por força de relação jurídica emergente da lei ou do contrato', sendo que seu objetivo é liquidar dito relacionamento jurídico no seu aspecto econômico (Theodoro Junior, 2012, p. 81). No caso de se querer transpor referida figura para o direito de família (e essa deve ser a hipótese, pois o legislador optou pelo uso do termo 'prestação de contas', que tem significado jurídico o se vai encontrar é que um pai não é credor do outro em face do dever de poder familiar de modo que se possa conceber o dever de prestação de contas entre eles, no sentido técnico do termo. Quando um pai exerce o poder familiar, ele não exerce a função administrando bens, valores ou interesses do outro, mas age exercendo dever que lhe é cometido por lei, diretamente relacionado ao filho e no interesse deste. Para existir a obrigação de prestar contas, há de haver uma relação material entre os sujeitos da relação, na qual se verifique 'a existência efetiva do poder daquele que se diz credor das contas de sujeitar o demandado a prestá-los' (Theodoro Junior, 2012, p. 85). Inexistente essa relação, não há que se falar em dever de prestação de contas, a despeito de o legislador ter atribuído legitimidade a qualquer dos pais para tal finalidade ('qualquer dos genitores sempre será parte legítima'). Se não há a relação de direito material, a legitimidade reconhecida pela lei é vazia, pois sem objeto. Causa espécie, ainda, a previsão de que a prestação de contas possa ser objetiva ou subjetiva, sobre assuntos ou situações que, direta ou indiretamente, afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos - uma amplitude que a torna praticamente inatingível. Questões que afetem saúde física e educação até seriam admissíveis, em tese, pois de alguma concretude. Porém, não se vislumbra como conceber uma prestação de contas subjetiva, na medida em que o subjetivo reside no âmbito psíquico e emocional, no espírito da pessoa. Não se concebe que espécie de dever subjacente residiria aqui e onde se chegaria, ao final, com a prestação de contas subjetiva. Difícil conceber a possibilidade de comprovar a ocorrência de fatos subjetivos que, de alguma forma, afetem o filho, com a respectiva relação de causa e efeito. A mesma perplexidade nos ocorre quando pensamos em assuntos (matérias, temas, conversas) ou situações (acontecimentos, oportunidades) como objeto da prestação de contas que, direta ou indiretamente, afetem a saúde física e psicológica do filho. Mais, a prestação de contas está prevista como forma de 'possibilitar a supervisão' dos interesses dos filhos. Em tese, então, o pedido teria que ser justificado na intenção/necessidade de inspecionar para ser admitido. Com efeito, não se questiona que o pai guardião deva manter o filho sob estreita vigilância e proteção. Todavia, disso a pretender que tenha verdadeiro domínio sobre a vida do filho, sem que nada lhe passe, nada atinja o filho sem que antes saiba, como se devesse monitorá-lo ininterruptamente, tudo para que, eventualmente, possa prestar contas a respeito de todos os assuntos ou situações que, direta ou indiretamente, o alcancem, parece-nos inviável. Prestar contas do resfriado, da infecção de garganta, do medo de cachorro que não tinha antes. Prestar contas porque o filho está triste, parece deprimido; está sem fome ou come demais. Não quer comer salada, mas antes comia. Falou um palavrão, desrespeitou o avô. Recusou ler o livro que ganhou. Caiu da bicicleta e se machucou; houve ou não negligência, e assim por diante, em infindáveis hipóteses. E o que dizer das inúmeras possibilidades acerca do elemento causador da situação: a escola, os amigos, os vizinhos, a televisão, a internet, a festinha de aniversário, a casa da avó e seu entorno, os primos, quando estava com o pai no mercado, quando estava com a mãe na farmácia. Difícil imaginar quem vai prestar contas disso e de que forma seria possível. Ainda que se pudesse admitir a obrigação de prestar contas, tratar-se-ia de obrigação inexequível, como regra, salvo situações excepcionais. Será necessário, portanto, especial cautela e ponderação acerca da viabilidade e utilidade de ações nesse sentido, de modo a não permitir ingerência despropositada na esfera de cuidados e diligências do pai guardião.


Denise Damo Comel. in: Revista Síntese, Direito de Família, RDF n.º 92, p. 98/99, 

AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ART. 1.583, § 5º, DO CC/02. VIABILIDADE JURÍDICA DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. INTERESSE JURÍDICO E ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL PRESENTES.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.814.639 - RS (2018/0136893-1) 

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

 R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO MOURA RIBEIRO 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ART. 1.583, § 5º, DO CC/02. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. VIABILIDADE JURÍDICA DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. INTERESSE JURÍDICO E ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL PRESENTES. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE.PROVIDO. 

1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 

2. Não há falar em omissão ou negativa de prestação jurisdicional, na medida em que o Tribunal gaúcho dirimiu, de forma motivada, as questões devolvidas em grau de apelação, pondo fim à controvérsia dos autos. 

3. O cerne da controvérsia gira em torno da viabilidade jurídica da ação de prestar (exigir) contas ajuizada pelo alimentante contra a guardiã do menor/alimentado para obtenção de informações acerca da destinação da pensão paga mensalmente. 

4. O ingresso no ordenamento jurídico da Lei nº 13.058/2014 incluiu a polêmica norma contida no § 5º do art. 1.583 do CC/02, versando sobre a legitimidade do genitor não guardião para exigir informações e/ou prestação de contas contra a guardiã unilateral, devendo a questão ser analisada, com especial ênfase, à luz dos princípios da proteção integral da criança e do adolescente, da isonomia e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, que são consagrados pela ordem constitucional vigente. 

5. Na perspectiva do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente e do legítimo exercício da autoridade parental, em determinadas hipóteses, é juridicamente viável a ação de exigir contas ajuizada por genitor(a) alimentante contra a(o) guardiã(o) e representante legal de alimentado incapaz, na medida em que tal pretensão, no mínimo, indiretamente, está relacionada com a saúde física e também psicológica do menor, lembrando que a lei não traz palavras inúteis. 

6. Como os alimentos prestados são imprescindíveis para própria sobrevivência do alimentado, que no caso tem seríssimos problemas de saúde, eles devem ao menos assegurar uma existência digna a quem os recebe. Assim, a função supervisora, por quaisquer dos detentores do poder familiar, em relação ao modo pelo qual a verba alimentar fornecida é empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente. 

7. O poder familiar que detêm os genitores em relação aos filhos menores, a teor do art. 1.632 do CC/02, não se desfaz com o término do vínculo matrimonial ou da união estável deles, permanecendo intacto o poder-dever do não-guardião de defender os interesses superiores do menor incapaz, ressaltando que a base que o legitima é o princípio já destacado. 

8. Em determinadas situações, não se pode negar ao alimentante não-guardião o direito de averiguar se os valores que paga a título de pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus interesses básicos fundamentais, sob pena de se impedir o exercício pleno do poder familiar. 

9. Não há apenas interesse jurídico, mas também o dever legal, por força do § 5º do art. 1.538 do CC/02, do genitor alimentante de acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob a sua guarda, fiscalizando o atendimento integral de suas necessidades materiais e imateriais essenciais ao seu desenvolvimento físico e também psicológico, aferindo o real destino do emprego da verba alimentar que paga mensalmente, pois ela é voltada para esse fim. 

9.1. O que justifica o legítimo interesse processual em ação dessa natureza é só e exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do adolescente beneficiário dos alimentos, diante da sua possível malversação, e não o eventual acertamento de contas, perseguições ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), devendo ela ser dosada, ficando vedada a possibilidade de apuração de créditos ou preparação de revisional pois os alimentos são irrepetíveis. 

10. Recurso especial parcialmente provido. 

ACÓRDÃO 

Prosseguindo no julgamento, após o voto de desempate da Sra. Ministra Nancy Andrighi, acompanhando a divergência, vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, dar -lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro, que lavrará o acórdão. Votaram vencidos os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva. Votaram com o Sr. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Presidente) os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze e Nancy Andrighi. Dr(a). MÁRCIO MELLO CASADO, pela parte RECORRENTE: J E P 

Brasília (DF), 26 de maio de 2020(Data do Julgamento)

HABEAS CORPUS. ALIMENTOS DECORRENTES DE ATO ILÍCITO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. PRISÃO CIVIL. NÃO CABIMENTO. RITO EXECUTIVO PRÓPRIO. ART. 533 DO CPC/15. ORDEM CONCEDIDA.

HABEAS CORPUS Nº 523.357 - MG (2019/0217137-0) 

RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI 

HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ADMISSIBILIDADE EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. ALIMENTOS DECORRENTES DE ATO ILÍCITO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. PRISÃO CIVIL. NÃO CABIMENTO. RITO EXECUTIVO PRÓPRIO. ART. 533 DO CPC/15. ORDEM CONCEDIDA. 

1. A impetração de habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário somente é admitida excepcionalmente quando verificada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, hipótese dos autos. 

2. Os alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito, conforme previsão contida nos artigos 948, 950 e 951 do Código Civil, possuem natureza indenizatória, razão pela qual não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento. 

3. Ordem concedida. 

ACÓRDÃO 

Após o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão acompanhando a relatora, a Quarta Turma, por unanimidade, concedeu, de ofício, a ordem de "Habeas Corpus", nos termos do voto da relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi (Presidente), Luis Felipe Salomão (voto-vista) e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília/DF, 1º de setembro de 2020(Data do Julgamento)

6 de maio de 2021

PRISÃO CIVIL DECORRENTE DE INADIMPLEMENTO DE ALIMENTOS FIXADOS A TÍTULO DE MEDIDA PROTETIVA, NO ÂMBITO DE AÇÃO PENAL DESTINADA A APURAR CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 100.446 - MG (2018/0170173-4) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DECORRENTE DE INADIMPLEMENTO DE ALIMENTOS FIXADOS A TÍTULO DE MEDIDA PROTETIVA, NO ÂMBITO DE AÇÃO PENAL DESTINADA A APURAR CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. 1. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. VERIFICAÇÃO. ANÁLISE, DE OFÍCIO, DA LICITUDE DO DECRETO PRISIONAL, EM RAZÃO DA MAGNITUDE DO DIRETO CONSTITUCIONAL DO WRIT. NECESSIDADE. 2. HIGIDEZ DA DECISÃO PARA SUBSIDIAR A IMEDIATA COBRANÇA JUDICIAL DA VERBA ALIMENTAR. RECONHECIMENTO. 3. NATUREZA SATISFATIVA DA MEDIDA (E NÃO ASSECURATÓRIA). DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRINCIPAL NO PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. RECONHECIMENTO. 4. SUBSISTÊNCIA DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS ENQUANTO PERDURAR A SITUAÇÃO DE HIPERVULNERABILIDADE, DESENCADEADA PELA PRÁTICA DE VIOLAÇÃO DOMÉSTICA E FAMILIAR. RECONHECIMENTO. 5. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR MANTIDA ATÉ A REVOGAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO QUE A FIXOU. NECESSIDADE. 6. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. 

1. Não obstante a existência de vícios formais que obstam o conhecimento do recurso, dada a magnitude da garantia constitucional do habeas corpus, decorrente da proteção do direito à liberdade a que visa assegurar, impõe-se o exame de suas razões para constatação de eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. 

2. Controverte-se no presente recurso ordinário em habeas corpus, se a decisão proferida no processo penal — que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da então companheira e de sua filha, em razão da prática de violência doméstica, estribada no art. 22, V, da Lei n. 11.340/2006 e, no caso dos autos, ratificada em acordo homologado judicialmente no bojo da correlata execução de alimentos — constitui título hábil para cobrança (e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão civil) ou se, para tal propósito, seria necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito. 

3. A medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe. Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade, indiscutivelmente. 

4. O inciso V do art. 22 da Lei n. 11.340/2006 faz menção a alimentos provisórios ou provisionais, termos que são utilizados, no mais das vezes, como sinônimos. Embora não o sejam tecnicamente, a diferença é apenas terminológica e procedimental, guardando entre si, na substância, inequívoca identidade, destinando-se a garantir à alimentanda, temporariamente, os meios necessários à sua subsistência, do que ressai a sua natureza eminentemente satisfativa, notadamente porque a correspondente verba alimentar não comporta repetição. Desse modo, à medida protetiva de alimentos (provisórios ou provisionais) afigura-se absolutamente inaplicável o art. 806 do CPC/1973 (art. 308 do CPC/2015), que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de perda da eficácia da medida, já que não se cuida de medida assecuratória/instrumental. 

5. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei n. 11.340/2006 é o que considera subsistentes os alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência doméstica e familiar — e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência. 

5.1 O dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos, como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor — se não por si, mas, principalmente, pelos filhos em comum —, a sua subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se gravemente comprometida e ameaçada. 

5.2 A par da fixação de alimentos, destinados a garantir a subsistência da mulher em situação de hipervulnerabilidade, o magistrado deve, impreterivelmente, determinar outras medidas protetivas destinadas justamente a cessar, de modo eficaz, a situação de violência doméstica imposta à mulher. Compreender que a interrupção das agressões, por intermédio da intervenção judicial, seria suficiente para findar o dever de prestação de alimentos (a essa altura, se reconhecido, sem nenhum efeito prático) equivaleria a reconhecer a sua própria dispensabilidade, ou mesmo inutilidade, o que, a toda evidência, não é o propósito da lei. A cessação da situação de violência não importa, necessariamente, o fim da situação de hipervulnerabilidade em que a mulher se encontra submetida, a qual os alimentos provisórios ou provisionais visam, efetivamente, contemporizar. 

5.3 A revogação da decisão que fixa a medida protetiva de alimentos depende de decisão judicial que reconheça a cessação de tal situação, cabendo, pois, ao devedor de alimentos promover as providências judiciais para tal propósito, sem o que não há falar em exaurimento da obrigação alimentar. 

6. Recurso ordinário não conhecido, inexistindo qualquer ilegalidade do decreto prisional impugnado que autorize a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 27 de novembro de 2018 (data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: W. de L. S. interpõe recurso ordinário em contrariedade ao aresto prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que denegou a ordem de habeas corpus ali impetrado, mantendo-se, pois, o decreto prisional exarado pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Monte Carmelo/MG, no bojo da ação de execução de alimentos que lhe foi promovida por sua filha, menor, L. de F. S., representada por sua genitora S. de F. O., por 90 (noventa) dias, ou até que fossem quitadas as parcelas vencidas nos 3 (três) meses anteriores à propositura da execução e também daquelas vencidas no curso do processo. 

Extrai-se dos elementos contidos nos autos que, no âmbito de ação criminal — destinada a apurar o cometimento de crime de violência doméstica e familiar contra a mulher imputado ao ora recorrente, W. de L. S., consistente na agressão e na ameaça à sua então companheira, S. de F. O., tendo, inclusive, ateado fogo na residência do casal, em que a mulher e a filha, L. de F. S., se encontravam —, o Juízo criminal, em 23 de abril de 2010, além de decretar a prisão preventiva do acusado, impôs a medida protetiva prevista no inciso V do art. 22 da Lei 11.340/2006, determinando o pagamento de pensão alimentícia em favor de S. de F. O. e de sua filha, L. de F. S., no valor 70% (setenta por cento) do salário mínimo vigente na data do pagamento. 

A propósito, o teor do decisum: 

Os fatos narrados a f. 3-5, ao menos em sede de cognição sumária e convencimento provisório, configuram violência doméstica, nos termos do artigo 7º, da Lei n. 11.340/2006, e autorizam a imposição de medidas previstas no artigo 22, do mesmo diploma legal. Assim, defiro parte dos requerimentos de f. 7-8 e imponho ao Sr. Wemerson o pagamento de pensão alimentícia em favor da Srs. Simone e sua filha no valor correspondente a 70% (setenta por cento) do salário mínimo vigente na data do pagamento, mediante depósito em conta corrente a ser aberta em nome da representante legal do requerente ou em outra por ela indicada. Da mesma forma, e a fim de assegurar a ordem pública e por conveniência da instrução criminal, visto que o investigado, ao que parece, sempre agrediu e ameaçou a Sra. Simone, tanto que foi capaz de atear fogo na residência do casal com a sua mulher e a sua filha no interior do imóvel, decreto a prisão preventiva de Wemerson de Lima Souza, por entender presentes os requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal. Essa providência, salvo melhor juízo, torna desnecessárias aquelas elencadas no artigo 22, incisos II, III e IV, da Lei n. 11.340/2006. Expeça-se mandado de prisão. Intime-se e cumpra-se (e-STJ, fl. 17) 

Os alimentos provisionais fixados, do que se depreende dos autos, em momento algum foram quitados. 

Por tal razão, S. de F. O. e sua filha, L. de F. S., em 8/4/2013, promoveram perante o Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Monte Carmelo/MG ação de execução de alimentos, com fulcro no art. 732 do CPC/1973, em relação aos débitos pretéritos (somados no importe de R$ 16.768,96 — dezesseis mil, setecentos e sessenta e oito reais e noventa e seis centavos), e no art. 733 do CPC/1973, em referência aos débitos atuais (estes, no valor de R$ 1.406,58 — mil quatrocentos e seis reais e cinquenta e oito centavos), referentes aos três meses anteriores ao ajuizamento da ação, bem como aqueles que vencerem no curso da demanda, sob pena de prisão civil (e-STJ, fls. 11-13). 

Da decisão que decretou a prisão do executado, proferida em fevereiro de 2018, consta a afirmação de que foi concedido ao devedor diversas oportunidades para apresentar justificativa idônea, bem como para quitar o débito, inclusive por meio da efetivação de acordo, homologado judicialmente, o qual não foi por ele honrado integralmente. É o que se verifica dos fundamentos adotados por ocasião da referida decisão, integrada pelo decisum que julgou os subsequentes embargos de declaração: 

[...] Considerando que o executado devidamente intimado não pagou o débito, tampouco justificou a impossibilidade de fazê-lo (f. 71-v), a decretação da prisão é medida que se impõe. Com efeito, quanto à manifestação de fls. 104-06, descabido ao executado alegar que, 'entendeu que o processo se extinguiria com o pagamento das parcelas vencidas, uma vez que fizeram acordo sobre isso. Porém, para a sua surpresa, tomou conhecimento de que está novamente inadimplente'. (sic)(f.104)(g.n.). Em verdade o executado tivesse lido com a devida atenção ao acordo celebrado com a exequente às fl. 56-57, não estaria 'surpreso' com a sua inadimplência, pois, no referido acordo constou expressamente que, o 'não pagamento de quaisquer prestações, vencidas ou vincendas, acarretará o vencimento antecipado das subsequentes, autorizando a imediata cobrança do débito remanescente, sem a parda da natureza alimentar, possibilitando-se, pois, em eventual execução, a apreciação de requerimento de prisão civil' (sic)(f. 57). Ante o exposto, decreto a prisão do Sr. Wemerson de Lima Souza pelo prazo de 60 (sessenta) dias ou até que seja apresentado nos autos o pagamento integral dos valores em atraso (fs. 97-100), bem como as parcelas vencidas no curso do processo. (e-STJ, fls. 62) De fato, verifica-se que efetivamente na decisão de f. 109 não há obscuridade ou contradição; muito menos erro material ou omissão. Afinal, ao executado foi oportunizado o contraditório e a ampla defesa em várias oportunidades (fs.I9; 22; 23; 26; 29; 31: 32-3; 34-40; 41; 43; 44-6) e mesmo assim não efetuou o pagamento devido do débito alimentai; sendo decretada a sua prisão civil (f.55), tanto que o Sr. Wemerson de Lima Souza, para evitá-la, ainda celebrou acordo com a exequente (fs.56-8) e vinha cumprindo a avença regularmente (fs.67-v; 69; 70-v). E mesmo tendo sido oportunizado ao executado o pagamento integral do débito alimentar, inclusive o das prestações vencidas durante o curso do processo (Súmula n° 309, STJ), por capricho, o Sr. Wemerson de Lima Souza, simplesmente, descumpriu o acordo homologado judicialmente, efetuando o pagamento de parte do acordo firmado (fs.70;73-5; 71-v; 78-82; 83-95: 96-102). Dessa forma, não tendo cumprido o acordo de fs. 56-8 e ainda deixado de efetuar o pagamento das prestações vencidas durante o curso do processo, ocorreu a prisão civil do executado. Vale ainda consignar que é inadmissível a extinção do presente feito sob a alegação de que a "decisão proferida no processo penal de forma cautelar provisória, não é título hábil a ser utilizado para cobrar pensão alimentícia, por lapso temporal indeterminado... " (f. 111). Isso porque o C. Superior Tribunal de Justiça, em precedente relatado pelo Ministro Aldir Passarinho Júnior, já decidiu que a "decisão que fixa os alimentos provisórios produz efeitos imediatos, integrando ao patrimônio do alimentando um direito que, embora provisório, é existente, efetivo e juridicamente protegido. II. A sentença posterior que altera a situação jurídica regulada pelo provimento precário opera efeitos ex nunc. não podendo retroagir em prejuízo do alimentaste. Precedentes. " (REsp N° 834440/SP 2006/0062898-5 - T4 Quarta Turma; data do julgamento: 20/11/2008; data da publicação: DJe 15/12/2008 -g.n.). Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração opostos por Wemerson de Lima Souza às fs.110-1. (e-STJ, fl. 61) 

Em contrariedade ao decreto prisional, Kélen Viana Silva (subscritora do recurso ordinário) impetrou em favor de W. de L. S. habeas corpus, ao argumento de que a decisão que fixou alimentos provisórios, proferida em ação penal, é inidônea para subsidiar ação de execução de alimentos, afigurando-se indispensável, para esse propósito, o ajuizamento de ação principal de alimentos, a viabilizar o contraditório (quanto ao binômio necessidade-possibilidade), no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de decadência. 

O Desembargador relator indeferiu o pedido liminar, deixando assente não ter sido imposto nenhum limite de duração aos alimentos fixados, razão pela qual considerou que os alimentos provisórios fixados continuam sendo devidos. Assentou, ademais, que a decisão que decretou a prisão civil encontra-se lastreada no acordo homologado judicialmente que não foi integralmente honrado pelo devedor (e-STJ, fls..55-56). 

As informações prestadas pela autoridade reputada coatora, datada de abril de 2018, confirmam, in totum, os fatos até aqui aduzidos, noticiando, inclusive, que os mandados de prisão, por duas ocasiões expedidos, não foram, até então, cumpridos (e-STJ, fl. 58). 

Ao final, o Tribunal de origem, conforme relatado, denegou a ordem impetrada, reconhecendo a executividade da decisão judicial que fixou os alimentos provisórios, além da detida observância do enunciado n. 309 da Súmula do STJ (e-STJ, fls. 24-29). 

O aresto recebeu a seguinte ementa: 

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO. POSSIBILIDADE DE DECRETO DE PRISÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DENEGADA A ORDEM. Admite-se a discussão em sede de habeas corpus de questões relacionadas à regularidade do procedimento e da cobrança dos alimentos. Tendo sido observadas, de forma regular, todas as fases no procedimento de execução de que cuida o artigo 528, do CPC/15, não tendo o executado quitado as parcelas devidas, não há falar em violência e/ou ilegalidade na possibilidade de decretação da prisão do alimentante, passível de reparação pela via estreita do habeas corpus. (e-STJ, fl. 215) 

Nas razões do presente recurso, sustenta o recorrente, em síntese, que a decisão proferida no processo penal, de forma cautelar e provisória, com esteio no art. 22, V, da Lei n. 11.340/2006, não é título hábil à cobrança por prazo indeterminado, afigurando-se necessário, para tanto, o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, da ação principal de alimentos (propriamente dita), em que o contraditório e a ampla defesa poderão ser exercidos plenamente. 

Argumenta, assim, que "a ausência da ação principal de alimentos, a qual nunca foi impetrada pelas exequentes, e dos pagamentos já efetuados além do que foi determinado pelo lapso temporal da cautelar, o juiz não poderia requerer, nesse processo, a prisão civil do paciente, que tem como fundamento uma decisão interlocutória de caráter provisório cautelar, na qual a cautelaridade já se esvaiou" (e-STJ, fl. 269). 

Anota que "a obrigação de efetuar a pensão, conforme determinado na decisão interlocutória criminal por lapso temporal indeterminado, afronta os direitos do paciente à ampla defesa e ao contraditório" (e-STJ, fl. 269), em manifesta inobservância do art. 528, § 7º, do Código de Processo Civil de 2015 e da Súmula 309 do STJ. 

Pugna, liminarmente, pela revogação do mandado de prisão, ou ao menos, pela sua suspensão, até a análise do mérito do presente recurso ordinário. 

Por fim, requer "a confirmação no mérito da liminar pleiteada para que se consolide, em favor do paciente W. de L. S., a competente ordem de habeas corpus, para impedir o constrangimento ilegal que o mesmo vem sofrendo" (e-STJ, fl. 271). 

A Ministra Laurita Vaz, no exercício da Presidência do STJ, indeferiu o pedido liminar (e-STJ, fls. 37-40). Contra o decisum foi interposto agravo interno (e-STJ, fls. 43-48), pendente de julgamento. 

O Ministério Publico Federal ofertou parecer pelo não conhecimento do recurso ordinário, pela exposição dos seguintes motivos: i) a insurgência recursal foi apresentada diretamente perante esta Corte de Justiça; ii) não consta certidão da publicação do acórdão recorrido, o que impede a aferição da tempestividade do recurso; iii) ausência de instrumento procuratório; e iv) inexistência de ilicitude do decreto prisional, passível de ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): Preliminarmente, conforme bem ponderado pelo Representante do Ministério Público Federal, o recurso ordinário, efetivamente, não possui condições processuais de ser conhecido. 

De início, consigna-se que o processamento do recurso ordinário constitucional há de observar o regramento estabelecido nos arts. 105, II, da Constituição Federal; 30 a 32 da Lei n. 8.038/90; 244 a 246 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça; e 994, V, c/c 1.027 e 1.028 do Código de Processo Civil de 2015. 

Segundo o ali disposto, a interposição do recurso ordinário em habeas corpus deve ser feita perante o Tribunal prolator do acórdão impugnado, que, após a intimação da parte recorrida a apresentar as contrarrazões, remeterá o feito a esta Corte Superior. 

Tal proceder, contudo, não foi observado pelo recorrente, que interpôs sua insurgência recursal diretamente perante esta Corte de Justiça, o que, por si só, impede seu conhecimento, na esteira da jurisprudência do STJ (ut AgRg no RHC 57.871/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 06/05/2015; AgRg no RHC 63.626/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 07/06/2016). 

De igual modo, não foi acostado aos autos instrumento procuratório outorgado pela parte à subscritora do recurso (e-STJ, fl. 31), o que redundaria na própria inexistência do recurso, tampouco consta, nos elementos contidos no processo, certidão da publicação do acórdão recorrido, a obstar a aferição da tempestividade do recurso. Ainda que essas duas últimas irregularidades pudessem vir a ser sanadas pela parte, por meio de intimação para esse propósito, tem-se por despicienda a tomada de tal providência. 

Isso porque, não obstante a existência de vícios formais que obstam o conhecimento do recurso, dada a magnitude da garantia constitucional do habeas corpus, decorrente da proteção do direito à liberdade a que visa assegurar, impõe-se o exame de suas razões para constatação de eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. 

Essa medida, ressalta-se, é levada a efeito no caso de impetração de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário ou, como na espécie, na hipótese de interposição de recurso ordinário em habeas corpus não passível de conhecimento, na esteira da uníssona jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme corroboram os seguintes julgados: 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INTEMPESTIVIDADE. CARACTERIZAÇÃO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. INVIABILIDADE NA ESPÉCIE. PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. ART. 733, § 1º, CPC. SÚMULA Nº 309/STJ. DÍVIDA ALIMENTAR. CAPACIDADE ECONÔMICA DO DEVEDOR. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. 1. À luz do art. 30 da Lei nº 8.038/90, o recurso ordinário em habeas corpus deve ser interposto no prazo de 5 (cinco) dias. 2. A decretação da prisão do alimentante, nos termos do art. 733, § 1º, do CPC, revela-se cabível quando não adimplido acordo firmado entre o alimentante e o alimentado no curso da execução de alimentos, nos termos da Súmula nº 309/STJ, sendo certo que o pagamento parcial do débito não elide a prisão civil do devedor. 3. O habeas corpus, que pressupõe direito demonstrável de plano, não é o instrumento processual adequado para aferir as condições econômico-financeiras do paciente, pois demandaria o reexame aprofundado de provas. 4. Recurso ordinário não conhecido. (RHC 41.852/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 05/11/2013, DJe 11/11/2013) - sem grifo no original 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. RECURSO INTEMPESTIVO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA DESNECESSÁRIA, IMPERTINENTE OU PROTELATÓRIA. POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O recurso foi interposto após o quinquídio legal. Todavia, malgrado a intempestividade recursal, impõe-se o exame de suas razões para constatação de eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão de ofício da ordem de habeas corpus. Precedentes. [...] Recurso ordinário em habeas corpus não conhecido. (RHC 87.342/PR, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 22/05/2018, DJe 08/06/2018) - sem grifo no original 

PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ART. 105, II, "A", CF/88. PENSÃO ALIMENTÍCIA. 1. O habeas corpus não é admitido como sucedâneo ou substitutivo de recurso ordinário, ex vi da disposição expressa do art. 105, II, "a", daCF/88. 2. A competência originária do STJ deve ser preservada em prol dos legitimados do art. 105, inc. I, "c", da CF/88, prestigiando-se, a um só tempo, a divisão de competências realizada pelo legislador constituinte, bem ainda a racionalização e simplificação do sistema recursal. 3. Evolução jurisprudencial encampada pela Suprema Corte, cuja adesão de entendimento pelo STJ também se presta ao alento do órgão jurisdicional precípua e constitucionalmente incumbido da guarda e exegese da Constituição. 4. Não verificada a presença de flagrante ilegalidade, não há se cogitar da concessão ex officio da ordem pleiteada. 5. É cabível a prisão civil do alimentante inadimplente em ação de execução contra si proposta, quando se visa ao recebimento das últimas três parcelas devidas a título de pensão alimentícia, mais as que vencerem no curso do processo. 6. O pagamento parcial do débito não afasta a possibilidade de prisão civil do alimentante executado. 7. Habeas Corpus não conhecido. (HC 258.607/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013) - sem grifo no original. 

Passa-se, pois, a analisar a licitude do decreto prisional. 

Controverte-se, no presente recurso ordinário em habeas corpus, se a decisão proferida no âmbito de ação penal, que fixa alimentos em favor da então companheira e de sua filha, em razão da prática de violência doméstica, com fundamento no art. 22, V, da Lei n. 11.340/2006 e, no caso dos autos, no acordo homologado judicialmente no bojo da correlata execução de alimentos, constitui título hábil para cobrança — e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão civil — ou se, para tal propósito, seria necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito, tal como sustenta o insurgente. 

Para efeito de exigibilidade da medida protetiva de alimentos, a alegada necessidade de ajuizamento de ação de alimentos perante a Vara da Família, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de decadência, não encontra nenhum respaldo na lei de regência e refoge em absoluto da natureza e da finalidade da aludida verba alimentar. 

Mais que isso. A referida linha argumentativa se aparta, in totum, do norte interpretativo que deve ser levado a efeito na aplicação das disposições e dos novos institutos jurídicos trazidos pela Lei n. 11.340/2006, que é justamente conferir plena efetividade para a proteção à mulher submetida à situação de violência doméstica e familiar, propósito precípuo da lei. A esse propósito, aliás, dispõe seu art 4º, in verbis: na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. 

De plano, relevante consignar que se afigura absolutamente consonante com a abrangência das matérias outorgadas à competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher o deferimento de medida protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. 

Esta decisão, proferida por Juízo materialmente competente para fixar medida protetiva de alimentos, para sua validade e eficácia, não precisa, por óbvio, ser ratificada por outro Juízo, no bojo de outra ação, como pretende fazer crer o ora insurgente. 

A esse propósito, relevante assentar que o art. 14 da Lei n. 11.340/2006 estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, para o julgamento e execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. 

O dispositivo legal em comento assim dispõe: 

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. 

Constata-se, a partir da literalidade do artigo acima transcrito, que o legislador, ao estabelecer as competências criminal e cível da Vara Especializada de Violência Doméstica Contra a Mulher, não especificou quais seriam as ações que deveriam ali tramitar. De modo bem abrangente, preconizou a competência desse "Juizado" para as ações de natureza criminal e civil que tenham por causa de pedir, necessariamente, a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus julgados. 

A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que, a um só tempo, facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção. 

Em interpretação acerca da abrangência da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil (notadamente as relacionadas ao Direito de Família), esta Terceira Turma, por mais de uma ocasião, reconheceu, para seu estabelecimento, ser imprescindível que a causa de pedir da correlata ação consista justamente na prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando, assim, apenas às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22, incisos II, IV e V; 23, incisos III e IV; e 24, da Lei n. 11.340/2006, que assumem natureza civil. 

Nessas oportunidades, reconheceu-se a relevância, para tal escopo, que, no momento do ajuizamento da ação de natureza cível, seja atual a situação de violência doméstica e familiar a que a demandante se encontre submetida, a ensejar, potencialmente, a adoção das medidas protetivas expressamente previstas na Lei n. 11.340/2006, sob pena de banalizar a competência das Varas Especializadas. Ressaltou-se, inclusive, que a competência para conhecer e julgar determinada ação resta instaurada por ocasião de seu ajuizamento, afigurando-se desinfluente, para tanto, superveniente alteração fática. Refiro-me aos julgados REsp 1.550.166/DF, Terceira Turma, julgado em 21/11/2017, DJe 18/12/2017; e REsp 1.496.030/MT, Terceira Turma, julgado em 06/10/2015, DJe 19/10/2015. 

Na espécie, a decisão que fixou tais alimentos foi prolatada por Juízo Criminal, que, em atenção ao art. 33 da Lei n. 11.340/2006, cumula as competências civil e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus julgados, enquanto não estruturados os Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. 

É de se reconhecer, portanto, que a medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe (perante o próprio Juízo). Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade, indiscutivelmente. 

No ponto, anota-se que o inciso V do art. 22 da Lei n. 11.340/2006 faz menção a alimentos provisórios ou provisionais, termos que são utilizados, no mais das vezes, como sinônimos. Embora não o sejam tecnicamente, a diferença é apenas terminológica e procedimental, guardando entre si, na substância, inequívoca identidade. 

Os alimentos provisórios são concedidos antecipadamente em ação de alimentos (ou cumulada com outras ações), regida pela Lei n. 5.478/1968, e dependem de prova pré-constituída da existência de vínculo de parentesco, de casamento ou de união estável. Já os alimentos provisionais, que tinham previsão no art. 852 do CPC/1973 (não reproduzido no CPC/2015), indevidamente nominados como medida cautelar, são deferidos em cognição sumária, sem a exigência de prova pré-constituída da existência de vínculo de parentesco, de casamento ou de união estável, até que, em outra demanda, reconheça-se a existência de obrigação alimentar. Diz-se indevidamente nominados como medida cautelar, pois os alimentos provisionais, na verdade, consubstanciam provimento de urgência de natureza satisfativa, voltada a atender, de modo imediato, a necessidade do demandante quanto a sua própria subsistência, cujo deferimento não comporta repetição. 

Na essência, como assinalado, os alimentos provisórios e provisionais não guardam diferença entre si, destinando-se a garantir ao alimentando, temporariamente, os meios necessários à sua subsistência, do que ressai a sua natureza eminentemente satisfativa, sobretudo porque a correspondente verba alimentar não comporta repetição. 

Desse modo, independentemente da espécie de alimentos não definitivos fixados (se provisórios ou se provisionais), os quais, como visto, não guardam, em si, a natureza assecuratória/instrumental, absolutamente inaplicável o art. 806 do CPC/1973 (art. 308 do CPC/2015), que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de perda da eficácia da medida. 

De tal compreensão, autorizada doutrina não dissuade, inclusive com expressa referência à medida protetiva de alimentos prevista no art. 22 da Lei n. 11.340/2006: 

Os alimentos provisórios possuem natureza antecipatória, sendo concedidos em ações de alimentos (ou em outras ações que tragam pedido de alimentos de forma cumulativa), de forma liminar, initio litis, bastando que se comprove, de forma pré-constituída, a existência da obrigação alimentícia, conforme previsão do art. 4º da Lei n. 5.478/68. [...] Aliás, convém sublinhar que eles podem ser concedidos, inclusive, ex officio pelo magistrado, independentemente de pedido expresso do autor. Já os alimentos provisórios estão elencados como medida cautelar nominada, contemplada no art. 852 do Código de Processo Civil, embora possua nítida natureza satisfativa. Trata-se de medida topologicamente cautelar, porque está elencada dentre as medidas cautelares, embora não possua tal natureza assecuratória. Aliás, basta observar a natureza irrepetível dos alimentos para se inferir a natureza não-cautelar dos alimentos provisionais, uma vez que não se destinam a assegurar o resultado útil de um outro processo, mas satisfazer, imediatamente, as necessidade do autor. [...] Exatamente por força dessa natureza satisfativa, não-cautelar, não se aplica às ações de alimentos provisionais a exigência de propositura de ação principal no prazo de 30 dias, contida no art. 806 do Código de Processo Civil. [...] Serão concedidos os provisionais quando o interessado não tiver prova pré-constituída da existência da obrigação alimentar, não podendo pleitear alimentos provisórios em sede de ação de alimentos. [...] Não há, portanto, diferença substancial entre os institutos, significando, em ambas as hipóteses, a possibilidade de conceder, de logo, em caráter de urgência, alimentos a quem precisa. A distinção é mais terminológica e procedimental do que em relação à sua substância e natureza. Até porque ambos possuem a mesma finalidade, sendo concedidos temporariamente para garantir a quem precisa os meios suficientes à manutenção, até que seja proferida uma decisão fixando alimentos em caráter definitivo. [...] Confirmando a inexistência de diferença substancial entre os provisórios e os provisionais, vale a lembrança de que a Lei Maria da Penha, em seu art. 22, V, permite a fixação de alimentos, provisórios ou provisionais, a título de medida protetiva de urgência na sede do Juízado Especializado, diante de um episódio de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando já procedido o registro da ocorrência perante a autoridade policial. É, sem dúvida, mais uma firme demonstração da inexistência de diferença crucial em relação à natureza dos institutos. (DE FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nélson. Direito das Famílias. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 821-823) 

Reconhecida, nesses termos, a higidez da decisão judicial que fixa os alimentos provisórios ou provisionais, a autorizar a imediata cobrança judicial, com os meios coercitivos pertinentes previstos em lei, não se pode deixar de assentir que tais alimentos, por definição, afiguram-se temporários. De tal constatação advém a indagação de qual seria o termo final para que estes alimentos, provisórios ou provisionais, deixem de ser exigíveis. 

Naturalmente, caso os alimentos se tornem definitivos, a sentença que assim os reconheça passa a ser o fundamento de validade para tal cobrança. Porém, enquanto esta não sobrevém, de suma importância identificar qual é a circunstância fática que autoriza a permanência da vigência da medida protetiva de alimentos em favor da mulher, vítima de violência doméstica e familiar. 

Sem descurar da existência de controvérsia na doutrina nacional, tem-se que o entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei n. 11.340/2006 é o que considera subsistentes os alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência doméstica e familiar — e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência. 

Ainda que se afigure elementar, a fixação de alimentos, como toda medida protetiva prevista no art. 22 da Lei n. 11.304/2006, possui como pressuposto lógico a exposição da mulher à situação de violência doméstica e familiar. 

Consigna-se que o dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos, como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. 

Isso porque, nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor — se não por si, mas, principalmente, pelos filhos em comum —, a sua própria subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se gravemente comprometida e ameaçada. Esta circunstância fática, aliás, entre inúmeras outras, induzem a mulher, vítima de constragimentos de toda ordem no ambiente doméstico, a muitas vezes silenciar-se, o que tem o condão de somatizar e potencializar o sofrimento ao qual se encontra submetida. 

Nessa medida, enquanto a mulher se encontrar em situação de vulnerabilidade, desencadeada pela agressão doméstica, os alimentos provisórios ou provisionais fixados a título de medida protetiva continuam a ser devidos e exigíveis. Com a vênia daqueles que compreendem de modo diverso, adotar como marco, para efeito de findar o dever de prestar alimentos provisórios ou provisionais, a cessação da violência, seria o mesmo que tornar inócua a referida medida protetiva de alimentos. 

A par da fixação de alimentos provisórios ou provisionais, destinada a garantir a subsistência da mulher em situação de hipervulnerabilidade, o magistrado deve, impreterivelmente, determinar outras medidas protetivas destinadas justamente a cessar, de modo eficaz, a situação de violência doméstica imposta à mulher. Compreender que a interrupção das agressões, por intermédio da intervenção judicial, seria suficiente para findar o dever de prestação de alimentos (a essa altura, se reconhecido, sem nenhum efeito prático) equivaleria a reconhecer a sua própria dispensabilidade, ou mesmo inutilidade, o que, a toda evidência, não é o propósito da lei. 

A cessação da situação de violência não importa, necessariamente, o fim da situação de hipervulnerabilidade em que a mulher se encontra submetida e a qual os alimentos provisórios ou provisionais visam, efetivamente, contemporizar. Portanto, enquanto perdurar a situação de hipervulnerabilidade, desencadeada pela violência doméstica e familiar contra a mulher, os alimentos provisórios ou provisionais continuam devidos e exigíveis. 

Esta é, como visto, a circunstância fática que autoriza a permanência da vigência da medida protetiva de alimentos em favor da mulher, vítima de violência doméstica e familiar. Evidentemente, a sua revogação depende de decisão judicial que reconheça a cessação de tal situação. Cabe, pois, ao devedor de alimentos promover as providências judiciais cabíveis para a revogação da decisão deferitória, sem o que não há falar em exaurimento da obrigação alimentar. 

Nessa linha de entendimento, destaca-se o seguinte excerto doutrinário: 

Em relação à esposa e à companheira, a obrigação alimentar decorre do dever de mútua assistência. Frente aos filhos, o dever de sustento situa-se no âmbito do poder familiar. Apesar da falta de clareza da lei e dos desencontros da doutrina, que provam decisões divergentes, impositivo reconhecer que os alimentos são devidos desde a data em que são fixados, e antecipadamente, pois de todo descabido aguardar o decurso do prazo de um mês para que ocorra o pagamento. [...] Sustenta Fredie Didier que deferidos alimentos, cessada a violência, deixa de existir fundamento para a sua manutenção. Neste caso, a fixação de nova prestação depende do ajuizamento de ação própria perante o juízo da família. Não lhe assiste razão. Não há como sujeitar alimentos à condição resolutiva, qual seja o fim da violência. Caberia questionar sobre a forma de buscar a cessação do encargo alimentar. Claro que este encargo é do próprio alimentante que tem que provar que, com o fim da violência cessou a necessidade dos alimentos. De qualquer modo, deferidos alimentos, a ofendida não precisa propor ação principal no prazo de 30 dias. Indeferida a pretensão alimentar em sede de medida protetiva de urgência, nada impede que o pedido seja levado a efeito por meio da ação de alimentos perante o juízo cível (DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na Justiça: A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. p. 156-157) 

Na hipótese dos autos, conforme consignado pelo Tribunal de origem, não há nenhum julgado que tenha, até o presente momento, revogado a decisão que fixou os alimentos provisórios e provisionais, do que ressai a conclusão, inexorável, da vigência e obrigatoriedade da obrigação alimentar. 

Ainda segundo a moldura fática delineada nos autos, os débitos alimentares que ensejaram a decretação da prisão civil são aqueles considerados atuais, em detida atenção ao enunciado n. 309 da Súmula do STJ, o que evidencia a conformidade do decreto prisional com a lei. É certo, inclusive, que o devedor de alimentos subscreveu acordo, homologado judicialmente, no bojo da ação de execução de alimentos, sem promover a sua quitação integral, a revelar a recalcitrância em cumprir a obrigação alimentar para com as alimentadas e, por consequência, a correção da prisão civil determinada. 

Saliente-se, a esse propósito, que a prisão civil, como decorrência do inadimplemento da medida protetiva de alimentos (atuais), não exclui outras, notadamente de viés criminal que deste mesmo fato possa advir (art. 40 da Lei n. 11.340/2006). 

Em arremate, na esteira dos fundamentos acima delineados, não conheço do presente recurso ordinário, inexistindo qualquer ilegalidade do decreto prisional impugnado que autorize a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício. 

É o voto. 

Filigrana doutrinária: Crédito alimentar decorrente de Violência doméstica - Maria Berenice Dias

Em relação à esposa e à companheira, a obrigação alimentar decorre do dever de mútua assistência. Frente aos filhos, o dever de sustento situa-se no âmbito do poder familiar. Apesar da falta de clareza da lei e dos desencontros da doutrina, que provam decisões divergentes, impositivo reconhecer que os alimentos são devidos desde a data em que são fixados, e antecipadamente, pois de todo descabido aguardar o decurso do prazo de um mês para que ocorra o pagamento. [...] Sustenta Fredie Didier que deferidos alimentos, cessada a violência, deixa de existir fundamento para a sua manutenção. Neste caso, a fixação de nova prestação depende do ajuizamento de ação própria perante o juízo da família. Não lhe assiste razão. Não há como sujeitar alimentos à condição resolutiva, qual seja o fim da violência. Caberia questionar sobre a forma de buscar a cessação do encargo alimentar. Claro que este encargo é do próprio alimentante que tem que provar que, com o fim da violência cessou a necessidade dos alimentos. De qualquer modo, deferidos alimentos, a ofendida não precisa propor ação principal no prazo de 30 dias. Indeferida a pretensão alimentar em sede de medida protetiva de urgência, nada impede que o pedido seja levado a efeito por meio da ação de alimentos perante o juízo cível 


DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na Justiça: A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. p. 156-157 

5 de maio de 2021

AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA PELO MENOR, REPRESENTADO POR SUA GENITORA. POSTERIOR ALTERAÇÃO DA GUARDA EM FAVOR DO EXECUTADO. IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELA GENITORA. DIREITO AOS ALIMENTOS CONCEBIDO COMO DIREITO DA PERSONALIDADE DO ALIMENTANDO, DO QUE DECORRE SUA INTRANSMISSIBILIDADE (AINDA QUE VENCIDOS), DADO O SEU VIÉS PERSONALÍSSIMO

RECURSO ESPECIAL Nº 1.771.258 - SP (2018/0259352-5) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA PELO MENOR, REPRESENTADO POR SUA GENITORA. POSTERIOR ALTERAÇÃO DA GUARDA EM FAVOR DO EXECUTADO. IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELA GENITORA. DIREITO AOS ALIMENTOS CONCEBIDO COMO DIREITO DA PERSONALIDADE DO ALIMENTANDO, DO QUE DECORRE SUA INTRANSMISSIBILIDADE (AINDA QUE VENCIDOS), DADO O SEU VIÉS PERSONALÍSSIMO. AUSÊNCIA DE SUB-ROGAÇÃO NA ESPÉCIE. EVENTUAL PRETENSÃO DA GENITORA VISANDO O RESSARCIMENTO DOS GASTOS COM O MENOR, DURANTE O PERÍODO DE INADIMPLÊNCIA DO OBRIGADO, DEVERÁ SER MANEJADA EM AÇÃO PRÓPRIA, NOS TERMOS DO ART. 871 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO DESPROVIDO. 

1. A controvérsia instaurada no presente recurso especial centra-se em saber se a genitora do alimentando poderia prosseguir, em nome próprio, com a ação de execução de alimentos, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado. 

2. Em conformidade com o direito civil constitucional — que preconiza uma releitura dos institutos reguladores das relações jurídicas privadas, a serem interpretados segundo a Constituição Federal, com esteio, basicamente, nos princípios da proteção da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia material —, o direito aos alimentos deve ser concebido como um direito da personalidade do indivíduo. Trata-se, pois, de direito subjetivo inerente à condição de pessoa humana, imprescindível ao seu desenvolvimento, à sua integridade física, psíquica e intelectual e, mesmo, à sua subsistência. 

3. Os alimentos integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente. Para efeito de caracterização da natureza jurídica do direito aos alimentos, a correlata expressão econômica afigura-se in totum irrelevante, apresentando-se de modo meramente reflexo, como ocorre com os direitos da personalidade. 

4. Do viés personalíssimo do direito aos alimentos, destinado a assegurar a existência do alimentário — e de ninguém mais —, decorre a absoluta inviabilidade de se transmiti-lo a terceiros, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro fato jurídico. 

5. Nessa linha de entendimento, uma vez extinta a obrigação alimentar pela exoneração do alimentante - no caso pela alteração da guarda do menor em favor do executado -, a genitora não possui legitimidade para prosseguir na execução dos alimentos vencidos, em nome próprio, pois não há que se falar em sub-rogação na espécie, diante do caráter personalíssimo do direito discutido. 

6. Para o propósito perseguido, isto é, de evitar que o alimentante, a despeito de inadimplente, se beneficie com a extinção da obrigação alimentar, o que poderia acarretar enriquecimento sem causa, a genitora poderá, por meio de ação própria, obter o ressarcimento dos gastos despendidos no cuidado do alimentando, durante o período de inadimplência do obrigado, nos termos do que preconiza o art. 871 do Código Civil. 

7. Recurso especial desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 06 de agosto de 2019 (data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Colhe-se dos autos que V. R. B. P., representado por sua genitora, A. C. B., ajuizou ação de execução de alimentos em desfavor de R. C. T. P., buscando o recebimento dos valores fixados a título de prestação alimentícia, no bojo do Processo n. 4022666-22.2013.8.26.0405 (e-STJ, fls. 20-25). 

O executado, por sua vez, manejou exceção de pré-executividade, argumentando, dentre outras questões, a ilegitimidade da genitora do menor em prosseguir com a execução, aduzindo, para tanto, o seguinte (e-STJ, fls. 46-65): 

(...), no bojo da presente execução de alimentos, a mãe do menor V. ajuizou a presente execução de alimentos, cobrando o não pagamento da pensão referente aos meses de setembro, outubro e dezembro de 2013, que, após a realização de audiência de conciliação realizada em 24 de agosto de 2015, ficou consolidado o pagamento dos meses de setembro a dezembro de 2014. Contudo, conforme consta nos autos, em 17 de dezembro de 2014, o menor V. passou a residir com seu pai na cidade e Comarca de Marília-SP. Assim, tem-se que a Exequente, após a propositura da presente demanda, com a ocorrência de fato superveniente, deixou de representar os interesses do menor e passou a litigar em seu beneficio, não visando os interesses do alimentando. Ou seja, a partir do momento que o Executado passa a ter a guarda do alimentando, sua representação processual também muda, sendo certo que, em tal hipótese, deixou sua mãe de representá-lo judicialmente, sendo este dever de seu pai, ora peticionário. Desta forma, com a mudança da guarda do menor para seu pai, cessa automaticamente a representação processual do mesmo pela sua mãe, e ora exequente, em razão de fato superveniente ocorrido após a distribuição da presente demanda, a qual extingue a obrigatoriedade do Executado efetuar o pagamento de alimentos pretéritos. Ora Exa., o crédito pretendido pela Exequente não é dela, e sim do alimentante, faltando-lhe, portanto, legitimidade para pleitear o pagamento de tal verba. Além disso, coagir o Executado a efetuar o pagamento de tais valores trará enorme prejuízo ao alimentante, que será tolhido de recursos, que seu pai atualmente não tem, para custear sua escola, alimentação, vestuário, etc. 

O Juízo de primeiro grau, contudo, indeferiu a exceção de pré-executividade, sob o fundamento, no tocante à alegação de ilegitimidade ativa, de que "as verbas alimentares vencidas e não pagas que fundamentam esta ação executiva referem-se a período em que o menor V. ainda estava vivendo sob a guarda de sua genitora, o que confere legitimidade a esta última para manejar a presente ação executiva, a fim de ser indenizada pelo período que teve de arcar sozinha com as despesas para a criação do filho comum, já que nesse período o executado deixou de cumprir a obrigação alimentar como lhe cabia" (e-STJ, fl. 27). 

Contra essa decisão, o excipiente interpôs agravo de instrumento, o qual foi provido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em acórdão assim ementado: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. Feito executório manejado pelo alimentando contra o alimentante, seu genitor. Posterior alteração da titularidade da guarda do menor, que passou a ser exercida pelo executado. Cessação da representação legal até então exercida pela genitora. Inadmissibilidade de que siga exigindo o crédito do infante, em nome próprio, ainda que referente ao período em que deteve a guarda. Vício de representação para sequência do feito que deve ser reconhecido. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. 

Daí o presente recurso especial, em que V. R. B. P. e A. C. B. afirmam que o acórdão recorrido, além de divergir da orientação de outros Tribunais Estaduais e do próprio STJ (REsp n. 1.410.815/SC), violou o art. 924, inciso III, do Código de Processo Civil de 2015. 

Sustentam os recorrentes que "a circunstância de modificação da guarda não é suficiente para extinguir a obrigação do devedor, ora recorrido, dos alimentos e excluir o direito dos recorrentes de receberem tais valores, pois persiste intangível o interesse e legitimidade processual dos recorrentes" (e-STJ, fl. 150). 

Reforçam ser "evidente e irrefutável que o débito alimentar, no período em que o recorrente menor estava sob a guarda da genitora, permanece inalterado, assim, a recorrente tem legitimidade para continuar executando os alimentos objeto de execução e aqueles não pagos até a alteração da guarda", sobretudo porque foi ela "quem teve que arcar sozinha com o sustento do seu filho/recorrente, no período em que era a guardiã, visto o recorrido não ter cumprido com o dever alimentar a que estava obrigado" (e-STJ, fls. 151). 

Buscam, assim, o provimento do recurso especial para, reformando o acórdão recorrido, determinar o prosseguimento da ação de execução de alimentos na origem. 

As contrarrazões foram apresentadas às fls. 196-209 (e-STJ). 

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso em parecer assim resumido (e-STJ, fls. 235-240): 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PELO RITO DO ART. 733 DO CPC/1973. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MENOR REPRESENTADO PELA GENITORA. INADIMPLEMENTO REFERENTE AO PERÍODO DE SETEMBRO A DEZEMBRO DE 2014. ALTERAÇÃO POSTERIOR DA GUARDA POR INTERESSE EXCLUSIVO DO MENOR EM FAVOR DO EXECUTADO. ACÓRDÃO DO TJSP QUE RECONHECEU A ILEGITIMIDADE ATIVA PARA A CAUSA. ENTENDIMENTO QUE DEVE SER REFORMADO. CRÉDITO ALIMENTAR REFERENTE AO PERÍODO EM QUE A GENITORA EXERCIA A GUARDA SOBRE O MENOR. LEGITIMIDADE ATIVA QUE DEVE SER MANTIDA PARA O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. - Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso especial. 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): A controvérsia instaurada no presente recurso especial centra-se em saber se a genitora do alimentando poderia prosseguir, em nome próprio, com a ação de execução de alimentos, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado. 

O Tribunal Paulista entendeu que essa situação não era possível, "tendo em vista que o titular do crédito executado é o menor (e não o eventual guardião) e, sendo inconteste que o agravante passou a ser o representante legal do agravado e seria o responsável pelo recebimento do objeto da execução, é ilógico que tenha sequência a tutela executória delineada pelos interesses da genitora. Em outras palavras, a circunstância da alteração da titularidade da guarda apontada faz cessar automaticamente a representação legal até então exercida pela genitora, não remanescendo cabível que exija o adimplemento de crédito alimentar devido ao menor, ainda que referente ao período em que detinha sua guarda" (e-STJ, fl. 136). 

Os recorrentes, por outro lado, sustentam que, ao se entender dessa forma, "o Poder Judiciário de São Paulo estaria permitindo que o devedor contumaz de pensão alimentícia se furte da obrigação imposta em juízo, pela simples mudança de guarda do menor, logo, aquela que detinha a guarda e arcou única e exclusivamente com todas as despesas do menor perderia a condição de exigir o adimplemento da obrigação fixada em juízo, ou seja, notório contrassenso jurídico. É imprescindível que não se permita, tampouco se reconheça possível em nosso ordenamento jurídico que o devedor do crédito alimentar, por meio do manejo de ação de alteração da guarda, alcance a extinção da ação execução de alimentos" (e-STJ, fl. 147), sob pena de violação do art. 924, inciso III, do CPC/2015. 

No tocante à divergência jurisprudencial alegada, os recorrentes apontam como acórdão paradigma o Recurso Especial n. 1.410.815/SC, em que a Quarta Turma do STJ entendeu, por maioria de votos, ser possível que a genitora prossiga na execução de alimentos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado. 

O referido acórdão foi assim ementado: 

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PELO RITO DO ART. 733 DO CPC/1973 - FILHAS MENORES REPRESENTADAS PELA GENITORA - TRANSFERÊNCIA DA GUARDA AO EXECUTADO NO CURSO DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - ILEGITIMIDADE ATIVA PARA A CAUSA - INSURGÊNCIA DAS EXEQUENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. Hipótese: Cinge-se a controvérsia a decidir se a genitora tem ou não legitimidade para prosseguir na execução de débitos alimentares proposta à época em que era guardiã das menores, ainda que depois disso a guarda tenha sido transferida ao executado. 1. A matéria constante dos artigos 8º, 9º e 794 do CPC/1973 não foi objeto de discussão no acórdão impugnado, tampouco foram opostos embargos de declaração com a finalidade de sanar eventual omissão, não se configurando o necessário prequestionamento, o que impossibilita a sua apreciação na via especial. Incidência da Súmula 282 do STF, por analogia. 2. A genitora possui legitimidade para prosseguir na execução de débitos alimentares proposta à época em que era guardiã das menores, visando a satisfação de prestações pretéritas, até o momento da transferência da guarda. 2.1. A mudança da guarda das alimentandas em favor do genitor no curso da execução de alimentos, não tem o condão de extinguir a ação de execução envolvendo débito alimentar referente ao período em que a guarda judicial era da genitora, vez que tal débito permanece inalterado. 2.2. Não há falar em ilegitimidade ativa para prosseguimento da execução, quando à época em que proposta, e do débito correspondente, era a genitora a representante legal das menores. Ação de execução que deve prosseguir até satisfação do débito pelo devedor, ora recorrido. 3. Recurso especial provido. (REsp n. 1.410.815/SC, Quarta Turma, Relator o Ministro Marco Buzzi, DJe de 23/9/2016 - sem grifo no original) 

O voto do Ministro Relator Marco Buzzi, no referido recurso especial, foi fundamentado nos seguintes termos, na parte que interessa (sem grifo no original): 

Não se discute que, a partir da alteração da guarda, cessou a obrigação do genitor de depositar alimentos às filhas, contudo, tal fato não o exime da dívida alimentar pretérita, contraída até o momento em que passou a ser guardião das filhas. Assim, o débito alimentar no período em que as recorrentes estavam sob a guarda materna permanece inalterado e a genitora tem legitimidade para continuar executando os alimentos pretéritos, bem como aqueles eventualmente não quitados até a alteração da guarda. A respeito, Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direito das Famílias (9. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 582), consigna o seguinte: Para evitar prejuízo enorme, como o genitor que detém a guarda é quem acaba sozinho provendo ao sustento da prole, indispensável reconhecer a ocorrência de sub-rogação. Ou seja, resta ele como titular do crédito vencido e não pago enquanto o filho era menor, ainda que relativamente capaz. Se ele está sob sua guarda, como o dever de lhe prover o sustento é de ambos os genitores, quando tal encargo é desempenhado somente por um deles, pode reembolsar-se com relação ao omisso. [...] O mesmo ocorre quando o filho passa para a guarda do outro genitor. Se existe um crédito alimentar, quem arcou sozinho com o sustento do filho pode reembolsar-se do que despendeu. Dispõe ele de legitimidade para cobrar os alimentos. Age em nome próprio, como credor sub-rogado. (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 582.) [grifou-se] A legislação processual civil, inclusive, permite expressamente ao sub-rogado que não receber o crédito do devedor, prosseguir na execução - nos mesmos autos, conforme dispunha o artigo 673, § 2º, CPC/1973, cujo comando fora mantido pelo artigo 857, § 2º, CPC/2015. No caso, há uma dívida que foi paga, pouco importando a sua natureza e, portanto, àquela que arcou com o compromisso assiste agora o direito de se ver pago. O diferencial, contudo, é que na hipótese subjudice a modificação da guarda dos filhos (alimentadas) ocorreu no curso de ação de execução de alimentos já em trâmite. Ou seja, ao tempo da extinção da ação, a relação material existente entre as partes não era nem de gestão de negócios, tampouco de sub-rogação de créditos, mas apenas e, tão somente, de cobrança de alimentos que não estavam sendo pagos pelo alimentante. Assim, a modificação das credoras e do estado das partes verificado no curso da lide já aforada (autor, réu e Estado) não pode ser imposto à representante das alimentadas que, por sua vez, bancou as prestações alimentícias de responsabilidade exclusiva do executado, e agora, sob a égide do princípio da economia processual, do agrupamento dos atos processuais e tendo em vista a nova orientação do CPC/2015, pretende se ver ressarcida dos valores dispendidos para o sustento das filhas, cuja obrigação – à época – cabia ao executado/recorrido. Na medida em que se deu a modificação da guarda, a representante das exequentes – ora recorrente - deixou de pedir, por si, a proteção a direito alheio, pois a tutela pretendida, antes protegida à guisa de alimentos, passou a sê-lo a título ressarcitório, de um direito próprio da postulante. Devem prevalecer, na hipótese, os princípios norteadores do direito processual civil: da celeridade e economia processual, ambos consagrados pelo CPC/1973, bem assim pelo novo diploma processual de 2015. Ao tratar do assunto, Luiz Guilherme Marinoni destaca: O direito à tutela tempestiva implica direito à economia processual, na medida em que o aproveitamento na maior medida possível dos atos processuais já praticados - sem decretações de nulidade e repetições desnecessárias de atos - promove um processo com consumo equilibrado de tempo. (Novo Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: RT, 2016.) E o que se pretende com o recurso ora em análise é justamente o aproveitamento dos atos processuais já praticados e o prosseguimento da ação de execução movida pelas recorrentes em face do recorrido. É iniludível que o crédito executado é referente ao período em que as menores estavam sob os cuidados exclusivos da genitora, época em que esta suportou sozinha a obrigação de sustentar as filhas, de modo que não há como afastar a sua legitimidade para prosseguir na execução. Ainda que no curso da demanda executiva o genitor/recorrido passou a exercer a guarda das filhas, tal fato não altera a situação pretérita, isso porque o montante da quantia devida advém de período anterior à modificação da guarda. Portanto, merecem reparo as decisões proferidas pelas instâncias ordinárias para que a execução prossiga normalmente, com a cobrança do débito alimentar devido até o mês de fevereiro de 2011, cujo encargo fora suportado - à época - exclusivamente pela genitora. A extinção da execução, na situação ora em análise, estaria prestigiando o inadimplemento alimentar, indo de encontro aos interesses das menores, o que, evidentemente, não pode ser incentivado por esta Corte. Ademais, a medida extintiva possivelmente ensejará a propositura de nova demanda executiva pela genitora, circunstância esta que confronta com os princípios da celeridade e economia processual, norteadores do sistema processual civil vigente. Desta forma, a anulação da sentença e do acórdão recorrido é medida que se impõe, devendo os autos retornarem à origem para que seja dado regular prosseguimento ao feito, a fim de viabilizar a cobrança da dívida alimentar pretérita, anterior à modificação da guarda. 

A Ministra Maria Isabel Gallotti acompanhou o voto do Ministro Relator, "ressalvando apenas que, a partir da perda da guarda, a execução não corre mais com possibilidade de prisão. Seria, portanto, o art. 732 do Código de 73 com a correspondência do atual CPC". 

Esse entendimento também foi acompanhado pelo Ministro Antônio Carlos Ferreira, sem declaração de voto. 

O Ministro Raul Araújo, por sua vez, ficou vencido no referido julgamento, declinando os seguintes fundamentos: 

(...), este é um caso bastante difícil de se encontrar a solução em face das regras processuais que tratam da sucessão das partes. O art. 41 do Código anterior dizia: "Só é permitida, no curso do processo, a substituição voluntária das partes nos casos expressos em lei". Hoje, o art. 108 diz: "No curso do processo, somente é lícita a sucessão voluntária das partes nos casos expressos em lei". Não encontro, no Código de Processo, dispositivo prevendo a hipótese que temos, porque, no caso, havia uma pretensão deduzida pela mãe das crianças de, em nome delas, receber os alimentos. Agora, a pretensão é alterada, porque diz ela: embora a guarda tenha sido transferida para o pai, eu tenho direito próprio, como credora, porque arquei com aquelas despesas das menores que deviam ter sido suportadas pelos alimentos que eram devidos pelo pai inadimplente. Então, tenho direito próprio de me ver ressarcida [diz ela] por essas despesas que realizei. Mas não seria esta uma outra pretensão diversa daquela primeira? Claro que, sob aspecto prático, não teria dúvida em acompanhar o eminente Ministro Relator, porque o voto de Sua Excelência tem muita pertinência. Mas, do ponto de vista do formalismo processual, inerente às ações judiciais, não sei se podemos adotar a solução, que aparenta entrar em conflito com as disposições processuais que há pouco referi. (...). O nosso problema não é se ela tem legitimidade para o que agora requer, porque pode ter realmente. O problema é se ela pode prosseguir na mesma ação, assumindo o polo ativo de uma demanda que antes era das filhas. Embora nenhum código possa esgotar todas as possibilidades, que são inúmeras, que a vida oferece na sua casuística infinita, como o nobre Relator diz muito bem, parece-me que o nosso Código de Processo, nessa questão especificamente, quis se arvorar à condição de fazê-lo, ou seja, de esgotar todas as possibilidades. Por quê? Porque diz o art. 6º do Código de 73: 'Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei'. Deve haver autorização legal para essa hipótese. O Código atual, no art. 18, repete a regra dizendo: 'Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico'. E o art. 41 do Código antigo dizia: 'Só é permitida, no curso do processo, a substituição voluntária das partes nos casos expressos em lei'. Quer dizer, a lei irá prever todas as situações da vida em que se deverá relativizar a regra. Então, embora talvez não devesse, parece que o Código entende que deve ser assim. E o Código atual volta a dizer: no curso do processo, somente haverá a sucessão voluntária das partes, nos casos expressos em lei. Também o Código atual, portanto, segue o entendimento de que caberá a lei esgotar todas as hipóteses de substituição. No caso, há ainda uma dificuldade adicional. A representante das menores teve destituída a guarda, que até então detinha, das filhas. Assim, embora reconheça a utilidade prática da solução que o eminente Relator adota, seria uma solução absolutamente excepcional para um Tribunal como o nosso, que é encarregado da guarda da legislação federal, num caso em que encontramos vedação expressa na legislação processual civil de regência. Há vedação expressa de substituição das partes. Para passarmos por cima de tal óbice teríamos de estar diante de algo absolutamente excepcional. Uma exceção das exceções, porque vamos encontrar esses óbices legais e ter de suplantá-los e superá-los. A execução deveria ter por base agora outro artigo, porque não pode mais haver prisão, já não vai caber pedido de prisão, tem que mudar para o art. 732. O art. 733 do CPC/73 tem previsão de prisão. O 732, não. No atual Código é o art. 913. Agora ela busca o ressarcimento de valores despendidos com alimentos das filhas. Quer mudar a ação, pois não é mais uma ação de alimentos, é uma ação de ressarcimento. 

O Ministro Luis Felipe Salomão não participou do referido julgamento. 

Analisando detidamente os judiciosos fundamentos declinados no referido julgado, assim como os argumentos suscitados pelas recorrentes neste recurso especial, entendo, com a devida vênia, que não há como conferir legitimidade à genitora para, em nome próprio, por sub-rogação, prosseguir com a execução de alimentos, visando ser ressarcida pelos débitos alimentares referentes ao período em que detinha a guarda do menor, compreensão, aliás, que encontra respaldo em julgados da Terceira Turma do STJ. 

Com efeito, entendimento diverso, permissa venia, se afastaria, a um só tempo, da natureza jurídica do direito aos alimentos, com destaque para o seu caráter personalíssimo — viés que não se altera, independentemente de os alimentos serem classificados como atuais, pretéritos, vencidos ou vincendos, e do qual decorre a própria intransmissibilidade do direito em questão —, bem como de sua finalidade precípua, consistente em conferir àquele que os recebe a própria subsistência, como corolário do princípio da dignidade humana. 

Em conformidade com o direito civil constitucional — que preconiza uma releitura dos institutos reguladores das relações jurídicas privadas, a serem interpretados segundo a Constituição Federal, com esteio, basicamente, nos princípios da proteção da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia material —, o direito aos alimentos deve ser concebido como um direito da personalidade do indivíduo. 

Trata-se, pois, de direito subjetivo inerente à condição de pessoa humana, imprescindível ao seu desenvolvimento, à sua integridade física, psíquica e intelectual e, mesmo, à sua subsistência. Note-se, assim, que os alimentos, concebidos como direito da personalidade, integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente. 

Logo, para efeito de caracterização da natureza jurídica do direito aos alimentos, a correlata expressão econômica afigura-se in totum irrelevante, apresentando-se de modo meramente reflexo, característica própria dos direitos da personalidade. 

E, por se tratar de um direito da personalidade, o direito aos alimentos assume nítido viés personalíssimo, pois se destina a assegurar a subsistência da pessoa do alimentando, unicamente, em todos os seus aspectos (integridade física, psíquica e intelectual), como corolário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade que deve permear as relações familiares, a partir das específicas particularidades da pessoa do credor de alimentos e do alimentante, conforme as necessidades do primeiro e a possibilidade do segundo. 

Por sua vez, do viés personalíssimo do direito aos alimentos, destinado a assegurar a existência do alimentário — e de ninguém mais —, decorre a absoluta inviabilidade de se transmiti-lo a terceiros, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro fato jurídico. 

Com essa compreensão, destaca-se a doutrina de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: 

Destinados a preservar a integridade física e psíquica de quem os recebe, é intuitivo perceber uma feição personalíssima nos alimentos. Assim sendo, o direito a alimentos não admite cessão, onerosa ou gratuita, bem assim como não tolera compensação, com dívidas de que natureza for. De mais a mais, também será impenhorável o crédito alimentício e terá preferência de pagamento nos casos de concursos de credores. Corroborando isso, Fabiana Marion Spengler explica que "o direito ao recebimento de alimentos é personalíssimo no sentido de que não pode ser repassado a outrem, seja através de negócio, seja de outro acontecimento jurídico. É assim considerado por tratar-se de uma das formas de garantir o direito à vida, assegurado constitucionalmente, e que não pode faltar ao cidadão o necessário à manutenção de sua existência, tanto concernente à alimento quanto em relação à saúde, educação e lazer. Prova cabal dessa natureza personalíssima é o fato de que os alimentos são fixados levando em conta as peculiaridades da situação do credor e do devedor, consideradas as suas circunstâncias pessoais. (Direito das Famílias. 3ª Edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2011. p. 754) 

De igual modo, posiciona-se Arnaldo Rizzardo: 

[...] De outro lado, dado o caráter da pessoalidade, é intransferível o direito a alimentos. Trata-se de um direito estabelecido em função da pessoa. Arremata San Tiago Dantas: 'O direito dos alimentos está, no caso, entre aqueles direitos estabelecidos intuitu personae, em que se tem em vista a própria pessoa que é titular. Esse direito adere ao seu sujeito ut lepra corpori'. (Direito de Família. 8ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 2011. p. 649) 

Nessa linha de entendimento, é de se concluir que, uma vez extinta a obrigação alimentar pela exoneração do alimentante, como se dá in casu, a genitora não possui legitimidade para prosseguir na execução de alimentos (vencidos), em nome próprio, pois não há que se falar em sub-rogação, diante do caráter personalíssimo do direito discutido. 

Não se olvida que o entendimento que prevaleceu na Quarta Turma tinha o nobre propósito de evitar que o alimentante, apesar de inadimplente com a relevante obrigação alimentar, venha, sob o aspecto patrimonial (e somente sob esse prisma, ressalta-se), a se beneficiar com a extinção da obrigação, além de tentar garantir a observância aos princípios da celeridade e economia processual, fato que pode ser facilmente observado do trecho do voto do Ministro Relator quando afirmou que "a extinção da execução, na situação ora em análise, estaria prestigiando o inadimplemento alimentar, indo de encontro aos interesses das menores, o que, evidentemente, não pode ser incentivado por esta Corte. Ademais, a medida extintiva possivelmente ensejará a propositura de nova demanda executiva pela genitora, circunstância esta que confronta com os princípios da celeridade e economia processual, norteadores do sistema processual civil vigente". 

Tal compreensão, entretanto, com as mais respeitosas vênias, afasta-se por completo da finalidade e da natureza jurídica dos alimentos, notadamente quanto ao seu viés personalíssimo. 

Com efeito, para o propósito perseguido — de evitar que o alimentante, a despeito de inadimplente, se beneficie com a extinção da obrigação alimentar — deve-se reconhecer viável o exercício eventual da pretensão da genitora, em nome próprio, de obter o ressarcimento pelos gastos despendidos no cuidado do alimentando que eram da obrigação do alimentante, a fim de evitar o enriquecimento sem causa deste. 

A corroborar a compreensão ora adotada, não se pode deixar de reconhecer que a intransmissibilidade do direito aos alimentos, como consectário de seu viés personalíssimo, amplamente difundido na doutrina nacional, tem respaldo no Código Civil que, no art. 1.707, dispõe: "pode o credor [de alimentos] não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora". 

Já em relação à garantia de reembolso daquele que arca sozinho com as despesas do alimentando, em razão da inadimplência do devedor de alimentos, o Código Civil estabelece, em seu art. 871, o seguinte: 

Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato. 

Dessa maneira, conclui-se que a via adequada para se buscar o ressarcimento dos valores custeados integralmente pela genitora do menor, tendo em vista a inadimplência do alimentante, é por meio de ação própria, nos termos do referido art. 871 do CC, e não no bojo da execução de alimentos. 

Em casos semelhantes ao presente, a Terceira Turma desta Corte Superior já decidiu nesse sentido, conforme se verificam dos seguintes julgados: 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. SUPRIMENTO DAS PRESTAÇÕES PELA GENITORA DURANTE O INADIMPLEMENTO DO OBRIGADO. MODIFICAÇÃO DE GUARDA. SUB-ROGAÇÃO INEXISTENTE. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA PARA A OBTENÇÃO DO RESSARCIMENTO. 1- Ação distribuída em 26/08/2010. Recurso especial interposto em 13/09/2013 e atribuído à Relatora em 25/08/2016. 2- A genitora que, no inadimplemento do pai, custeia as obrigações alimentares a ele atribuídas, tem direito a ser ressarcida pelas despesas efetuadas e que foram revertidas em favor do menor, não se admitindo, todavia, a sub-rogação da genitora nos direitos do alimentado nos autos da execução de alimentos, diante do caráter personalíssimo que é inerente aos alimentos. Inaplicabilidade do art. 346 do Código Civil. 3- A ação própria para buscar o ressarcimento das despesas efetivadas durante o período de inadimplemento do responsável pela prestação dos alimentos se justifica pela inexistência de sub-rogação legal, pela necessidade de apuração, em cognição exauriente, das despesas efetivamente revertidas em favor do menor e, ainda, pela existência de regra jurídica que melhor se amolda à hipótese em exame. Incidência do art. 871 do Código Civil. Precedentes. 4- Recurso especial provido. (REsp n. 1.658.165/SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 18/12/2017 - sem grifo no original) 

DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO. ALIMENTOS DEVIDOS PELO PAI. SUPRIMENTO PELA GENITORA. SUB-ROGAÇÃO INEXISTENTE. GESTÃO DE NEGÓCIOS. 1. A contradição ensejadora de embargos declaratórios somente é aquela ocorrida no bojo do julgado impugnado, ou seja, a discrepância existente entre a fundamentação e a conclusão. 2. Equipara-se à gestão de negócios a prestação de alimentos feita por outrem na ausência do alimentante. Assim, a pretensão creditícia ao reembolso exercitada por terceiro é de direito comum, e não de direito de família. 3. Se o pai se esquivou do dever de prestar alimentos constituídos por título judicial, onerando a genitora no sustento dos filhos, não é a execução de alimentos devidos o meio apropriado para que ela busque o reembolso das despesas efetuadas, devendo fazê-lo por meio de ação própria fundada no direito comum. 4. Recurso especial desprovido. (REsp n. 1.197.778/SP, Relator o Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe de 1/4/2014 - sem grifo no original) 

Além disso, a própria Quarta Turma do STJ, ao analisar o prazo prescricional da pretensão de ressarcimento da genitora embasada no referido art. 871 do CC, entendeu que a hipótese em comento não era de sub-rogação, mas, sim, mera gestão de negócios, conforme se verifica do seguinte aresto: 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO. GENITORA QUE ASSUME OS ENCARGOS QUE ERAM DE RESPONSABILIDADE DO PAI. CARACTERIZAÇÃO DA GESTÃO DE NEGÓCIOS. ART. 871 DO CC. SUB-ROGAÇÃO AFASTADA. REEMBOLSO DO CRÉDITO. NATUREZA PESSOAL. PRESCRIÇÃO. PRAZO GERAL DO ART. 205 DO CC. 1. Segundo o art. 871 do CC, 'quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato'. 2. A razão de ser do instituto, notadamente por afastar eventual necessidade de concordância do devedor, é conferir a máxima proteção ao alimentário e, ao mesmo tempo, garantir àqueles que prestam socorro o direito de reembolso pelas despesas despendidas, evitando o enriquecimento sem causa do devedor de alimentos. Nessas situações, não há falar em sub-rogação, haja vista que o credor não pode ser considerado terceiro interessado, não podendo ser futuramente obrigado na quitação do débito. 3. Na hipótese, a recorrente ajuizou ação de cobrança pleiteando o reembolso dos valores despendidos para o custeio de despesas de primeira necessidade de seus filhos - plano de saúde, despesas dentárias, mensalidades e materiais escolares -, que eram de inteira responsabilidade do pai, conforme sentença revisional de alimentos. Reconhecida a incidência da gestão de negócios, deve-se ter, com relação ao reembolso de valores, o tratamento conferido ao terceiro não interessado, notadamente por não haver sub-rogação, nos termos do art. 305 do CC. 4. Assim, tendo-se em conta que a pretensão do terceiro ao reembolso de seu crédito tem natureza pessoal (não se situando no âmbito do direito de família), de que se trata de terceiro não interessado - gestor de negócios sui generis -, bem como afastados eventuais argumentos de exoneração do devedor que poderiam elidir a pretensão material originária, não se tem como reconhecer a prescrição no presente caso. 5. Isso porque a prescrição a incidir na espécie não é a prevista no art. 206, § 2º, do Código Civil - 2 (dois) anos para a pretensão de cobrança de prestações alimentares -, mas a regra geral prevista no caput do dispositivo, segundo a qual a prescrição ocorre em 10 (dez) anos quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. 6. Recurso especial provido. (REsp n. 1.453.838/SP, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 7/12/2015 - sem grifo no original) 

Por fim, não obstante se reconheça o caráter pragmático da solução adotada no REsp n. 1.410.815/SC, não se revela apropriado, com a devida vênia, a utilização dos princípios da celeridade e da economia processual, bem como da teoria do aproveitamento dos atos processuais, para desvirtuar completamente as regras dispostas nos Códigos Civil e Processual Civil, permitindo que uma ação de execução de alimentos proposta pelo menor, representado por sua mãe, seja transmudada para uma ação de ressarcimento em nome da própria genitora. 

Nesse particular, rememoro as palavras do Ministro Raul Araújo em seu voto, ao consignar que, "embora reconheça a utilidade prática da solução que o eminente Relator adota, seria uma solução absolutamente excepcional para um Tribunal como o nosso, que é encarregado da guarda da legislação federal, num caso em que encontramos vedação expressa na legislação processual civil de regência. Há vedação expressa de substituição das partes. Para passarmos por cima de tal óbice teríamos de estar diante de algo absolutamente excepcional. Uma exceção das exceções, porque vamos encontrar esses óbices legais e ter de suplantá-los e superá-los". 

Por essas razões, nego provimento ao recurso especial. 

É o voto.