RECURSO ESPECIAL Nº 1.821.793 - RJ (2019/0177609-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM
SEGUNDA FASE DE AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTEÚDO NÃO
ABRANGIDO PELO ART. 1.015, INCISOS, DO CPC/15. ATIVIDADES
JURISDICIONAIS DESENVOLVIDAS NAS DUAS FASES DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO
DE CONTAS. NATUREZA JURÍDICA COGNITIVA. FASE DE LIQUIDAÇÃO OU DE
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE SOMENTE SE INICIA APÓS A PROLAÇÃO
DA SENTENÇA PROFERIDA NA SEGUNDA FASE DA AÇÃO. NECESSIDADE DE
PRÉVIO ACERTAMENTO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL, SEJA
QUANTO AO DEVER DE PRESTAR OU DE EXIGIR CONTAS, SEJA QUANTO A
APURAÇÃO DE CRÉDITO, DÉBITO E EXISTÊNCIA DE SALDO.
INAPLICABILIDADE DO REGIME RECURSAL PREVISTO NO ART. 1.015,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA
RECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA IMPUGNADA.
INAPLICABILIDADE DA TESE DA TAXATIVIDADE MITIGADA.
1- Recurso especial interposto em 05/09/2018 e atribuído à Relatora em
18/07/2019.
2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que, na segunda
fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial
contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos,
formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente
recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015,
parágrafo único, do CPC/15.
3- A ação de prestação de contas é de rito especial e possui estrutura
procedimental diferenciada, em que a primeira fase visa discutir a
existência ou não do direito de exigir ou de prestar contas e a segunda fase
julga a própria prestação das contas a partir das receitas, despesas e
eventual saldo, de modo que a atividade jurisdicional desenvolvida em
ambas as fases possui natureza jurídica cognitiva própria da fase de
conhecimento, tendo em vista a necessidade de acertamento da relação
jurídica de direito material que vincula as partes.
4- A fase de cumprimento da sentença e, eventualmente, de liquidação da
sentença na ação de prestação de contas apenas pode ser deflagrada após a prolação da sentença proferida na segunda fase dessa ação, oportunidade
em que a cognição acerca do dever de prestar ou de exigir e a apuração de
créditos, débitos e existência de saldo estarão definitivamente julgadas,
viabilizando, se necessário, a liquidação da sentença condenatória e a
cobrança do valor apurado sob a forma de cumprimento da sentença.
5- Na hipótese, a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de
prestação contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia
perito e defere prazo para apresentação de documentos, formulação de
quesitos e nomeação de assistentes, não se submete ao regime recursal
estabelecido para as fases de liquidação e cumprimento da sentença (art.
1.015, parágrafo único, do CPC/15), mas, sim, aplica-se o regime recursal
aplicável à fase de conhecimento (art. 1.015, caput e incisos, CPC/15), que
não admite a recorribilidade imediata da decisão interlocutória com o
referido conteúdo, não se aplicando, ademais, a tese da taxatividade
mitigada por se tratar de decisão interlocutória publicada anteriormente a
publicação do acórdão que fixou a tese e modulou os seus efeitos.
6- Recurso especial conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e
negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros
Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura
Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 20 de agosto de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto por FURNAS CENTRAIS
ELÉTRICAS S.A., com base na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de
acórdão do TJ/RJ que, por unanimidade, não conheceu do agravo de instrumento
por ela interposto.
Recurso especial interposto e m: 05/09/2018.
Atribuído ao gabinete e m: 18/07/2019.
Ação: de exigir contas, ajuizada por INNOVA COMÉRCIO
IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO E SERVIÇOS DE ENGENHARIA LTDA. em face da
recorrente.
Decisão interlocutória: na segunda fase da ação de exigir contas,
deferiu a produção de prova pericial contábil para a apuração do valor devido,
nomeou perito e deferiu prazo para apresentação de documentos, formulação de
quesitos e nomeação de assistentes técnicos.
Acórdão: por unanimidade, não conheceu do agravo de instrumento
interposto pela recorrente, nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de exigir contas. Decisão que
deferiu a produção de prova pericial contábil. Hipótese não enquadrada no rol taxativo do artigo 1.015 do NCPC. RECURSO QUE NÃO SE CONHECE. (fls. 45/51,
e-STJ).
Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram
rejeitados por unanimidade (fls. 58/61, e-STJ).
Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, parágrafo único,
do CPC/15, ao fundamento de que as atividades jurisdicionais desenvolvidas na
segunda fase da ação de exigir contas são de liquidação e de cumprimento da
sentença proferida na primeira fase, razão pela qual haveria ampla recorribilidade
das decisões interlocutórias proferidas nessas fases.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que, na
segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial
contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos,
formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível
por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, parágrafo único, do
CPC/15.
1. NATUREZA DA ATIVIDADE JUDICIAL DESENVOLVIDA NA
SEGUNDA FASE DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALEGADA
VIOLAÇÃO DO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15.
Preliminarmente, destaque-se que a matéria se encontra
devidamente prequestionada, pois, ao julgar os aclaratórios opostos pela
recorrente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a despeito de rejeitá-los,
complementou a fundamentação do acórdão recorrido para declinar os motivos
pelos quais a decisão interlocutória em exame seria irrecorrível de imediato.
Superada a questão, verifica-se que a tese deduzida no recurso
especial é de que, superada a primeira fase da ação de prestação de contas, todas as atividades desenvolvidas subsequentemente possuiriam natureza de
liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, razão pela qual a
decisão interlocutória que, na segunda fase da referida ação, deferiu a produção
de prova pericial contábil, nomeou perito e deferiu prazo para apresentação de
documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, seria
imediatamente recorrível por agravo de instrumento em razão do art. 1.015,
parágrafo único, do CPC/15.
De início, anote-se que, na esteira da jurisprudência desta Corte, “a
ação de prestação de contas é de rito especial e possui estrutura procedimental
diferenciada que, a depender das condutas das partes, pode se desdobrar em um
procedimento bifásico, em que: (i) a primeira fase visa discutir essencialmente a
existência ou não do direito de exigir ou de prestar contas; (ii) a segunda
fase busca a efetiva prestação das contas, levando-se em consideração as
receitas, as despesas e o saldo”. (REsp 1.480.810/ES, 3ª Turma, DJe
26/03/2018).
Estabelecidas essas premissas, verifica-se, a partir do exame do
conjunto de regras que disciplinam a ação de prestação de contas, no CPC/73 e no
CPC/15, que a atividade jurisdicional que se desenvolve na segunda fase dessa
ação de procedimento especial não é de liquidação ou de cumprimento de
sentença, mas, sim, de cognição própria da fase de conhecimento, em que há o
acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes.
Com efeito, ainda na vigência do CPC/73, dispunha o art. 918, fazendo
referência à sentença proferida na segunda fase da ação, que “o saldo credor
declarado na sentença poderá ser cobrado em execução forçada”, o que
demonstra que o início da fase de cumprimento ou a execução somente ocorrerá
após a efetiva prestação das contas, apurando-se as receitas, as despesas e o saldo.
Examinando a questão sob a ótica do CPC/73, lecionam Luiz
Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:
5. Fases. O procedimento da ação da prestação de contas
apresenta fases distintas: na primeira, declara-se a existência ou inexistência do
dever de prestar contas; na segunda, prestam-se as contas devidas (art. 917,
CPC) e, na terceira, executa-se (art. 918, CPC), mediante cumprimento de
sentença (art. 475-J, CPC) o saldo eventualmente apurado, servindo a decisão
judicial como título executivo. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo civil comentado artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p. 837).
Se a atividade jurisdicional desenvolvida da segunda fase da ação de
prestação de contas já era bastante clara na vigência da legislação revogada, fato é
que a natureza jurídica cognitiva dessa atividade fica ainda mais evidente na
vigência do CPC/15.
Com efeito, anote-se inicialmente que o art. 550, §2º, afirma que “prestadas as contas, o autor terá 15 (quinze) dias para se manifestar,
prosseguindo-se o processo na forma do Capítulo X do Título I deste Livro”. Para
melhor referência, relembre-se que o Título I do Livro I trata justamente de
procedimento comum no processo de conhecimento e o capítulo X, por sua
vez, trata justamente do julgamento conforme o estado do processo na fase
de conhecimento do procedimento comum.
Daí porque, de igual modo, diz o art. 550, §4º, que “se o réu não
contestar o pedido, observar-se-á o disposto no art. 355”, que versa sobre o
julgamento antecipado de mérito na fase de conhecimento do procedimento
comum.
Corrobora a natureza cognitiva da primeira e da segunda fase da ação de exigir contas, ademais, o conteúdo do art. 552, que aprimorando a redação do
art. 918 do CPC/73, dispõe que “a sentença apurará o saldo e constituirá título
executivo judicial”.
Em comentário ao referido dispositivo legal, Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério
Licastro Torres de Mello ensinam:
Ação de caráter dúplice. A ação de exigir contas ostenta
caráter dúplice, vale dizer, ambas as partes, independentemente de se
encontrarem no polo ativo ou no polo passivo da ação, poderão
obter em seu favor pronunciamento jurisdicional condenatório que
lhe permita promover a cobrança do saldo credor que eventualmente
seja apurado nas contas prestadas. 1.1. Com efeito, é certo que não
necessariamente o saldo apurado quando da prestação de contas será favorável
ao credor de contas: é plenamente factível que o prestador de contas (o réu) seja
credor de quantias em face do autor, do que decorre que o réu será, ao cabo da
demanda, credor do autor. 1.2. Tal circunstância (tanto autor quanto réu da
ação de exigir contas poderão ser beneficiários de provimento condenatório ao
pagamento de quantias) permite que a sentença que julgar as contas
apresentadas consista em título executivo representativo de crédito
do autor ou o do réu. 1.3. Em caso de apuração do saldo favorável a uma das
partes, a parte beneficiária deverá promover a respectiva cobrança,
que se dará sob a forma de cumprimento de sentença. (ARRUDA ALVIM,
Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO,
Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo
Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.
1.005/1.006).
Exatamente no mesmo sentido são as lições de Fernando da
Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcellos Roque e Zulmar
Duarte de Oliveira Jr.:
A sentença que, ao julgar as contas, apurar saldo (credor ou
devedor) – independentemente de pedido do réu/administrador –, declarará o
montante devido e valerá como título executivo judicial, facultado ao
réu/credor (ou mesmo ao autor/credor) promover-lhe o
cumprimento nos próprios autos. Evidentemente, caso as contas sejam
exatas, isto é, as despesas coincidam integralmente com as receitas, o juiz julgará boas as contas e não declarará saldo algum em favor de quem quer que seja.
(GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos;
OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença:
comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 916).
Conclui-se, portanto, que a fase de cumprimento da sentença na ação
de prestação de contas apenas se iniciará após a prolação da sentença
condenatória que porventura vier a ser proferida na segunda fase do referido
procedimento especial.
De outro lado, embora seja possível, em tese, a existência
subsequente de uma fase de liquidação da sentença proferida na ação de exigir
contas, fato é que, além de se tratar de uma circunstância rara (na medida em que
a segunda fase dessa ação se destina, justamente, a apurar e a quantificar as
receitas, as despesas e o eventual saldo), a fase de liquidação a que se referem os
arts. 509 a 512 do CPC/15 não prescinde da pré-existência de uma sentença
condenatória ilíquida que somente é proferida, na ação de exigir contas, no
momento em que se encerra a segunda fase.
Na hipótese, pois, a decisão interlocutória que, na segunda fase da
referida ação, deferiu a produção de prova pericial contábil, nomeou perito e
deferiu prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e
nomeação de assistentes, não se submete ao regime recursal diferenciado
que o legislador estabeleceu para as fases de liquidação e cumprimento
da sentença (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15), mas, ao revés, ao regime
recursal aplicável à fase de conhecimento (art. 1.015, caput e incisos,
CPC/15).
Assim, inexiste previsão legal para a recorribilidade imediata
da referida decisão interlocutória a partir das hipóteses de cabimento
arroladas nos incisos do art. 1.015 do CPC/15 e, ademais, não se trata de hipótese em que se possa aplicar a aplicação da tese da taxatividade
mitigada, pois a decisão interlocutória impugnada foi publicada em 11/06/2018,
ou seja, anteriormente a publicação do acórdão que fixou a tese e modulou os seus
efeitos.
2. CONCLUSÕES.
Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso
especial.