Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/01/info-636-stj.pdf
AÇÃO DE EXIGIR CONTAS - É cabível ação de prestação de contas proposta contra empresa administradora de consórcio caso a empresa que promoveu as vendas não tenha concordado com os números apresentados
É cabível a propositura de ação de prestação de contas para apuração de eventual saldo, e sua posterior execução, decorrente de contrato relacional firmado entre administradora de consórcios e empresa responsável pela oferta das quotas consorciais a consumidores. Caso concreto: a empresa 1 celebrou contrato com a empresa 2, por meio do qual a empresa 1 organizaria e administraria um consórcio e a empresa 2 ficaria responsável por oferecer e comercializar as quotas consorciais aos consumidores. Vale ressaltar que, depois que o consumidor firmava o contrato, ele deveria efetuar os pagamentos das prestações diretamente para a empresa 1. A empresa 2 seria remunerada com um percentual dos pagamentos. Ao se analisar o ajuste celebrado, percebe-se que se trata de relação contratual que configura típico contrato de agência, previsto no art. 710 do CC. No contrato de agência, tanto uma parte como a outra possuem o dever de prestar contas: O vínculo contratual colaborativo originado do contrato de agência importa na administração recíproca de interesses das partes contratantes, viabilizando a utilização da ação da prestação de contas e impondo a cada uma das partes o dever de prestar contas a outra. Vale ressaltar, por fim, que, mesmo que a empresa 1 já tenha, extrajudicialmente, prestado contas para a empresa 2, ainda assim persiste o interesse de agir de propor a ação. Isso porque a apresentação extrajudicial e voluntária das contas não prejudica o interesse processual da promotora de vendas, na hipótese de não serem elas recebidas como boas, ou seja, caso ela não tenha concordado com os valores demonstrados. STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.623-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2018 (Info 636).
Em direito civil/empresarial, o que é um consórcio?
O consórcio ocorre quando um grupo de pessoas (físicas ou jurídicas) se reúne com o objetivo de comprar um determinado tipo de bem (móvel ou imóvel) ou adquirir um serviço. O exemplo mais comum é o consórcio para compra de veículos, mas existem para diversas outras espécies de bens, inclusive para imóveis. Cada pessoa que faz parte do consórcio pagará parcelas mensais e, todos os meses, haverá a possibilidade de um ou mais integrantes do consórcio serem contemplados. A contemplação pode acontecer de duas formas: por meio de sorte ou pelo maior lance. Sorteio é a escolha de um dos participantes que será beneficiado por meio da sorte (este sorteio é normalmente feito pela Loteria Federal). O lance consiste na possibilidade de os participantes do consórcio oferecerem um valor para serem logo contemplados. É uma espécie de “leilão” para ser logo contemplado. Ex: o consórcio é de R$ 100 mil e a pessoa dá um lance de R$ 50 mil, ou seja, ela aceita pagar R$ 50 mil de suas parcelas adiantado em troca de ser logo contemplada. Aquele que oferece o maior lance no mês será contemplado. Quando a pessoa é contemplada, ela recebe um crédito no valor do bem objeto do consórcio. Isso é chamado de “carta de crédito”. Ex: João aderiu ao consórcio de um carro da marca XX, modelo YY, no valor de R$ 100 mil. Isso significa que, durante um determinado período (48, 60, 90 meses etc.), ele pagará uma prestação mensal e todos os meses um ou mais participantes do consórcio serão sorteados ou poderão dar lances. Caso a pessoa seja sorteada ou seu lance seja o maior, ela receberá o crédito de R$ 100 mil e poderá, com ele, comprar aquele carro ou outro bem daquele mesmo segmento de sua cota (outro veículo de modelo diferente). Os consórcios são indicados para pessoas que querem comprar determinado bem, mas não precisam dele de imediato e têm certa dificuldade de economizar. Assim, sabendo que possui aquela prestação mensal, a pessoa fica obrigada a poupar e, um dia, será contemplada, seja por sorteio, seja por decidir dar um lance. Para a maioria dos economistas, o consórcio não é um bom negócio, salvo se a pessoa for contemplada logo no início ou se, como já dito, ela não tiver disciplina para economizar sozinha. Uma curiosidade: o consórcio é um tipo de compra/investimento que foi criado no Brasil, tendo surgido na década de 60, por iniciativa de um grupo de funcionários do Banco do Brasil que se reuniu para comprar carros por meio dessa “poupança coletiva”.
Legislação
O sistema de consórcios é atualmente regido pela Lei n. 11.795/2008, sendo essa atividade regulada pelo Banco Central, que edita circulares para disciplinar o tema. A atual é a Circular 3.432/2009.
O que é uma administradora de consórcio?
A administradora de consórcio é uma pessoa jurídica que é responsável pela formação e administração de grupos de consórcio. Em outras palavras, é ela quem organiza o consórcio.
Imagine a seguinte situação hipotética (com adaptações):
Rodobens administradora de consórcios Ltda. e Promocasa promotora de vendas Ltda. celebraram um contrato, por meio do qual a Rodobens organizaria o consórcio e a Promocasa ficaria responsável por oferecer e comercializar as quotas consorciais aos consumidores. Vale ressaltar que, depois que o consumidor firmava o contrato, ele deveria efetuar os pagamentos das prestações diretamente para a Rodobens. A Promocasa teria, todos os meses, direito a um percentual das parcelas pagas pelos consorciados. Depois de alguns anos, o contrato chegou ao fim. A Promocasa, analisando o balanço, entendeu que a Rodobens não havia repassado todos os valores corretos que ela teria direito e que havia, ainda, um saldo a receber. No entanto, a Promocasa não dispunha de todos os dados dos clientes, considerando que essa informação ficava com a outra empresa. Logo, a Promocasa não tinha o valor exato deste eventual saldo. Diante disso, a Promocasa ajuizou ação de prestação de contas (ação de exigir contas) contra a Rodobens com o objetivo de apurar eventual saldo credor decorrente do contrato mantido entre elas, uma vez que a ré teria deixado de apresentar os valores recebidos em razão de quotas consorciais comercializadas pela autora. Em contestação, a ré alegou que o contrato firmado não transferiu à Rodobens a administração de bens ou interesses da Promocasa, mas sim a administração de valores dos consumidores que adquiriram as quotas consorciais. Desse modo, a administradora não teria a obrigação de prestar contas à sua parceira, cuja atuação era estritamente de intermediação, remunerada por comissão. Além disso, afirmou que apresentou uma planilha com todos os cálculos e que, portanto, a autora não teria interesse de agir.
O que o STJ decidiu? É cabível ação de exigir contas neste caso? SIM.
É cabível a propositura de ação de prestação de contas para apuração de eventual saldo, e sua posterior execução, decorrente de contrato relacional firmado entre administradora de consórcios e empresa responsável pela oferta das quotas consorciais a consumidores. STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.623-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2018 (Info 636). Vamos entender os motivos.
Ação de exigir contas (ação de prestação de contas)
No CPC 1973, havia a previsão de um procedimento especial chamado de “ação de prestação de contas”. O CPC 2015 alterou o nome para “ação de exigir contas” (art. 550).
Administração de interesses de terceiros
Para saber se é cabível ou não ação de prestação de contas (ação de exigir contas), é necessário analisar a relação jurídica de direito material envolvida e identificar se ela consiste ou não em administração de interesses de terceiros. A ação de exigir contas (ação de prestação de contas) tem por objetivo fazer com que alguém que está administrando em nome de outra pessoa demonstre o resultado dessa administração. Assim, na ação de prestação de contas (ação de exigir contas), é fundamental a existência, entre autor e réu, de relação jurídica de direito material em que um deles administre bens, direitos ou interesses alheios. Sem essa relação, inexiste o dever de prestar contas.
Encargo de administrar traz consigo o dever de prestar contas
Ao aceitar o encargo de administrar interesses jurídicos de terceiros, nasce também, por decorrência lógica, o dever de prestar ao titular do direito todas as informações necessárias a respeito da administração, especialmente aquelas que se referem a pagamentos e recebimentos realizados em seu nome e que demonstram o efetivo resultado da administração realizada.
Contrato de agência
Ao se analisar o ajuste celebrado entre a Rodobens e a Promocasa, percebe-se que se trata de relação contratual que configura típico contrato de agência, previsto no art. 710 do CC:
Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.
No contrato de agência, tanto uma parte como a outra possuem o dever de prestar contas, conforme afirmou o STJ:
O vínculo contratual colaborativo originado do contrato de agência importa na administração recíproca de interesses das partes contratantes, viabilizando a utilização da ação da prestação de contas e impondo a cada uma das partes o dever de prestar contas a outra. STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.623-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2018 (Info 636).
Mesmo a ré tendo apresentado extrajudicialmente os cálculos, ainda assim a autora teria interesse de agir para propor a ação de exigir contas?
SIM. O procedimento da ação de exigir contas é composto de duas fases: na primeira, discute-se se o réu tem ou não o dever de prestar as contas. Se ficar constatado que ele tem este dever, inicia-se a segunda fase, que é a apresentação das contas em si e a discussão sobre elas.
“É preciso notar, porém, que não se está diante de dois processos distintos, tramitando simultaneamente nos mesmos autos. O processo, em verdade, é único, embora dividido em duas fases distintas. Há, pois, o ajuizamento de uma única demanda, contendo um único mérito. A análise deste, porém, é dividida em dois momentos: o primeiro, dedicado à verificação da existência do direito de exigir a prestação de contas, o segundo, dirigido à verificação das contas e do saldo eventualmente existente.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 21ª ed., 2014, p. 391).
Desse modo, se a empresa, extrajudicialmente, prestou contas, mas a outra sociedade empresária não concordou com os valores, ela tem sim interesse de ingressar com a ação e que pode resultar, ao final, na constatação de que existe saldo remanescente. Como decidiu o STJ:
A apresentação extrajudicial e voluntária das contas não prejudica o interesse processual da promotora de vendas, na hipótese de não serem elas recebidas como boas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.623-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2018 (Info 636).
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