Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-694-stj-1.pdf
PROCESSO COLETIVO - Se uma associação ajuizou ACP, na condição de substituta processual, e obteve sentença
coletiva favorecendo os substituídos, todos os beneficiados possuem legitimidade para a
execução individual, mesmo que não sejam filiados à associação autora
Em ação civil pública proposta por associação, na condição de substituta processual, possuem
legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência
do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.438.263/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/03/2021 (Recurso
Repetitivo – Tema 948) (Info 694).
Forma de atuação de uma associação em um processo coletivo
A atuação das associações em processos coletivos pode se verificar de duas maneiras:
a) por meio da ação coletiva ordinária, hipótese de representação processual, com base no permissivo
contido no art. 5º, inciso XXI, da CF/88:
Art. 5º (...)
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para
representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
b) na ação civil pública, agindo a associação nos moldes da substituição processual prevista no Código de
Defesa do Consumidor e na Lei da Ação Civil Pública.
Imagine a seguinte situação hipotética:
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) ajuizou ação civil pública contra o Banco Nossa Caixa
afirmando que a instituição financeira aplicou indevidamente os índices de atualização monetária para os
clientes que tinham contas na poupança.
Em outras palavras, o autor alegou que o banco aplicou índices de correção monetária menores do que os
que seriam devidos e, em razão disso, os poupadores tiveram menos rendimentos do que teriam direito.
Vale ressaltar que o IDEC é uma associação de defesa dos consumidores.
Importante também esclarecer que a ACP proposta pelo IDEC buscava beneficiar não apenas os filiados
da associação, mas sim todos os consumidores que se encontrassem na situação, ou seja, todos os
consumidores que foram prejudicados com a prática indevida do banco. Era uma ação buscando a tutela
de direitos individuais homogêneos.
Antes de prosseguirmos, faço uma interessante indagação: as associações precisam de autorização
específica dos associados para ajuizar ação coletiva?
Depende:
1) Ação coletiva de rito ordinário proposta pela associação na defesa dos interesses de seus associados: SIM.
2) Ação civil pública (ação coletiva proposta na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais
homogêneos): NÃO.
As associações precisam de autorização específica dos associados para ajuizar ação coletiva?
Quando uma associação ajuíza ação coletiva, ela atua como representante processual
ou como substituta processual?
1) Ação coletiva de rito ordinário proposta pela
associação na defesa dos interesses de seus
associados: SIM
A associação, quando ajuíza ação na defesa dos interesses de seus associados, atua como REPRESENTANTE PROCESSUAL e, por isso, é obrigatória a autorização individual ou assemblear dos associados.
Aplica-se o entendimento firmado pelo STF no RE 573232/SC (veja abaixo).
O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. STF. Plenário. RE 573232/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 14/5/2014 (repercussão geral) (Info 746).
2) Ação civil pública (ação coletiva proposta na
defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais
homogêneos): NÃO
A associação, quando ajuíza ação na defesa de
direitos difusos, coletivos ou individuais
homogêneos, atua como SUBSTITUTA PROCESSUAL
e não precisa dessa autorização. O entendimento firmado no RE 573232/SC não foi
pensado para esses casos. (...) 1. Ação civil pública, ajuizada pelo Movimento
das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais,
na qual sustenta a nulidade de cláusulas de
contratos de arrendamento mercantil. (...)
3. Por se tratar do regime de substituição
processual, a autorização para a defesa do interesse
coletivo em sentido amplo é estabelecida na
definição dos objetivos institucionais, no próprio
ato de criação da associação, sendo desnecessária
nova autorização ou deliberação assemblear. (...)
9. As teses de repercussão geral resultadas do
julgamento do RE 612.043/PR e do RE 573.232/SC
tem seu alcance expressamente restringido às ações
coletivas de rito ordinário, as quais tratam de
interesses meramente individuais, sem índole
coletiva, pois, nessas situações, o autor se limita a
representar os titulares do direito controvertido,
atuando na defesa de interesses alheios e em nome
alheio. (...)
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1799930/MG, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 26/08/2019.
No caso do nosso exemplo, o IDEC ajuizou uma ação civil pública (e não uma ação coletiva ordinária). Logo,
não precisou de autorização específica dos seus associados para propor a demanda.
Sentença coletiva
O juiz julgou o pedido procedente para declarar que os índices aplicados foram realmente menores que
os devidos e que os consumidores que tinham conta-poupança no banco naquele determinado período
possuem direito de receber a diferença.
A sentença coletiva transitou em julgado.
Cumprimento individual de sentença
João ficou sabendo da decisão pelo jornal e ingressou com cumprimento individual de sentença coletiva
em face do banco. Ele demonstrou que era correntista da instituição financeira no período abrangido pela
sentença e pediu o pagamento das diferenças que ele teria direito.
Tese do banco de ilegitimidade do poupador por não ser associado do IDEC
O banco argumentou que João, autor, não possuiria legitimidade para pleitear o cumprimento da sentença
coletiva, pois não era associado ao IDEC no momento do ajuizamento da ação de conhecimento.
Essa tese do banco foi acolhida pelo STJ?
NÃO.
Se uma associação ajuizou ação civil pública, na condição de substituta processual, e obteve uma sentença
coletiva favorecendo os substituídos, todos os beneficiados pela procedência do pedido possuem
legitimidade para pedir a liquidação e execução da sentença, mesmo que não sejam filiados à associação
que propôs a ACP.
Todos os substituídos numa ação civil pública que tem por objeto a tutela de um direito individual
homogêneo possuem legitimidade para liquidação e execução da sentença, e que esses substituídos são
todos aqueles interessados determináveis que se unem por uma mesma situação de fato.
Os direitos individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III do CDC) são direitos subjetivos individuais
tutelados coletivamente em razão de decorrerem de uma mesma origem, resultam “não de uma
contingência imposta pela natureza do direito tutelado, e sim de uma opção política legislativa, na busca
de mecanismos que potencializem a eficácia da prestação jurisdicional”.
A coisa julgada formada nas ações coletivas fundadas em direitos individuais homogêneos é estabelecida
segundo o art. 103, III, do CDC:
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
(...)
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus
sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
Assim, proposta uma ação coletiva fundada em direitos individuais homogêneos, já se sabe que a sentença
irá formar coisa julgada pro et contra em relação aos legitimados coletivos, enquanto terá efeitos erga
omnes no caso de procedência do pedido (secundum eventum litis).
Importante também ressaltar que a sentença de uma ação coletiva fundada em direitos individuais
homogêneos será sempre genérica, fixando apenas a responsabilidade do réu pelos danos causados (art.
95, do CDC).
Em suma:
Em ação civil pública proposta por associação, na condição de substituta processual, possuem
legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do
pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.438.263/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/03/2021 (Recurso
Repetitivo – Tema 948) (Info 694).
DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Ainda está com dúvida? Quer entender melhor o que é essa ação coletiva ordinária? Veja abaixo mais
algumas observações interessantes.
AÇÃO COLETIVA ORDINÁRIA PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO EM FAVOR DE SEUS FILIADOS
As associações podem propor ações coletivas em favor dos seus associados?
SIM. A CF/88 autoriza que as associações façam a defesa, judicial ou extrajudicial, dos direitos e interesses
individuais e coletivos de seus associados (art. 5º, XXI, da CF/88).
A associação precisa da autorização dos associados para propor a ação na defesa de seus interesses?
SIM. O inciso XXI do art. 5º da CF/88 exige que as associações tenham sido expressamente autorizadas.
Imagine que a associação dos Auditores Fiscais ajuizou ação coletiva pedindo que a União fosse
condenada a pagar a gratificação "X" a todos os Auditores filiados à associação, bem como àqueles que
vierem a se associar até o momento da execução do título judicial. Esse pedido poderá ser conhecido?
NÃO.
A associação não tem legitimidade ativa para defender os interesses dos associados que vierem a se
agregar somente após o ajuizamento da ação de conhecimento.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.468.734-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 1º/3/2016 (Info 579).
Conforme foi definido pelo STF, “as balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por
associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa
dos associados e a lista destes juntada à inicial.” (STF. Plenário. RE 573232/SC, rel. orig. Min. Ricardo
Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 14/5/2014. Info 746).
Em palavras mais simples, no momento em que a associação ajuíza a demanda, ela deverá juntar aos autos
autorização expressa dos associados para a propositura dessa ação e uma lista com os nomes de todas as
pessoas que estão associadas naquele momento.
A associação não tem legitimidade ativa para defender os direitos de pessoas que, depois da propositura
da ação, vierem a se agregar à entidade.
Caso a ação seja julgada procedente, o título executivo irá beneficiar apenas os associados cujos nomes
estão na lista de filiados juntada com a petição inicial. Só essas pessoas é que poderão executar o título.
Em suma, as pessoas que se filiarem à associação em momento posterior à data do ajuizamento da ação
e que, por esse motivo, não constaram da relação de nomes anexada à inicial da demanda, não são
alcançadas e beneficiadas pela eficácia da coisa julgada.
Por quê?
A enumeração dos associados até o momento imediatamente anterior ao do ajuizamento se presta à
observância do princípio do devido processo legal, inclusive sob o enfoque da razoabilidade. Por meio
dela, presente a relação nominal é que se viabiliza o direito de defesa, o contraditório e a ampla defesa
AÇÃO COLETIVA PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO SOMENTE ALCANÇA OS FILIADOS RESIDENTES NO ÂMBITO
DA JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR
Imagine a seguinte situação hipotética:
A Associação dos Servidores da Justiça Federal da 4ª Região ajuizou uma ação coletiva pedindo que a União
pagasse a gratificação “X” para os integrantes da carreira.
A ação foi proposta originalmente perante a Justiça Federal de 1ª instância de Curitiba.
O juiz julgou a ação procedente determinando que a União pague a gratificação.
Suponhamos que houve o trânsito em julgado.
Essa decisão irá beneficiar todos os servidores da Justiça Federal da 4ª Região (que abrange os Estados
do RS, SC e PR)?
NÃO. A sentença terá eficácia apenas para os associados que, no momento do ajuizamento da ação,
tinham domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator da decisão. Isso está previsto
no caput do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97:
Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa,
na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que
tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão
prolator.
Assim, neste exemplo, a decisão irá beneficiar apenas os servidores que, na data da propositura da ação,
tinham domicílio em Curitiba (âmbito da competência territorial do órgão prolator).
Esse art. 2º-A da Lei nº 9.494/97 é constitucional?
SIM. O STF, no julgamento do RE 612043/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2017, declarou a
constitucionalidade do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97. Veja:
A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por
associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito
da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da
demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento.
STF. Plenário. RE 612043/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2017 (repercussão geral) (Info 864).