RECURSO ESPECIAL Nº 1776425 - SP (2018/0284115-3)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE. EXTINÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS
DE ADVOGADO. CPC DE 2015. LEGITIMIDADE RECURSAL CONCORRENTE
DA PARTE E DO ADVOGADO.
1. A regra do art. 99, §5º, do CPC, não trata da legitimidade recursal, mas da
gratuidade judiciária e, notadamente, do requisito do preparo, deixando claro que,
mesmo interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária,
mas que se limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser
realizado acaso o advogado também não seja beneficiário da gratuidade.
2. Não há confundir esse requisito de admissibilidade com aquele relativo à
legitimidade recursal concorrente da parte e do próprio titular da verba de discutir
os honorários de advogado.
3. A própria parte, seja na vigência do CPC de 1973, inclusive após o
reconhecimento do direito autônomo dos advogados sobre a verba honorária, ou
mesmo na vigência do CPC de 2015, pode interpor, concorrentemente com o titular
da verba honorária, recurso acerca dos honorários de advogado.
4. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a)
Sr(a) Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze,
Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 08 de junho de 2021.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de recurso especial interposto por ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
PROMOÇÃODO DESIGN E INOVAÇÃO OBJETO BRASIL, com fundamento
nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:
Agravo de Instrumento. Honorários advocatícios Ação indenizatória em fase
de liquidação de sentença Decisão que indeferiu pleito de arbitramento de
honorários Honorários que pertencem ao advogado Legitimidade do
advogado para postular a reforma da R. Decisão agravada Recurso
interposto pela parte que não merece ser conhecido por ilegitimidade
recursal. Não se conhece do recurso.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Nas razões do recurso especial a parte alegou ofensa aos artigos: 23 e 24 da
Lei 8.906/94 e 85, §14, do CPC, sustentando tanto a parte, quanto seu advogado
contam com plena legitimidade para controverter acerca de honorários
advocatícios, em que pese constituam direito autônomo do advogado. Referiram o
enunciado 306/STJ e pediram o provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Eminentes Colegas. A discussão devolvida a esta Corte Superior diz com a
legitimidade de a parte, em nome próprio, recorrer de decisão postulando a fixação
de honorários de advogado.
Destaco que o acórdão recorrido não conheceu de agravo de instrumento
interposto para discutir o direito à fixação de honorários de advogado em sede de
exceção de pré-executividade extinta por perda superveniente de objeto.
A propósito, declarou o aresto combatido:
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão que
indeferiu pleito de fixação de honorários em favor dos advogados que
representam os interesses da Associação Brasileira de Promoção de Design e
Inovação Objeto Brasil, ora agravante, nos autos.
O recurso não merece ser conhecido, portanto, por ilegitimidade recursal, eis
que os honorários advocatícios tem natureza remuneratória e pertencem ao
advogado, mostrando-se equivocada a interposição do recurso pela parte.
A jurisprudência desta Corte, contemporânea ao CPC de 1973, reconhecia às
partes e aos advogados legitimidade concorrente para vindicar, em nome próprio, a
fixação ou majoração dos honorários advocatícios estipulados pelo órgão julgador,
a despeito de tal verba constituir direito autônomo do advogado.
Cumpre que se verifique se o art. 99, §5º, do CPC, alterou esta legitimidade
ao dispor:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição
inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou
em recurso.
(...)
§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a
concessão de gratuidade da justiça.
§ 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de
honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário
estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem
direito à gratuidade.
A conclusão que ecoa desses enunciados normativos é a de que o dispositivo
não alterou a legitimidade recursal em matéria de honorários sucumbenciais.
Com efeito, o artigo 99, especialmente o §5º, não versa acerca de legitimidade
recursal, mas do requisito do preparo, podendo-se dele extrair que, mesmo
interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária e que se
limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser realizado acaso o
advogado também não seja beneficiário da gratuidade.
Tão somente isso.
A legislação em vigor permite que a própria parte, seja na vigência do CPC de
1973, inclusive após o reconhecimento do direito autônomo dos advogados pelo
Estatuto da Advocacia, seja na vigência do CPC de 2015, em concorrência com o
advogado, interponha recurso acerca de parcela que não é de sua titularidade.
Esta mesma concorrência se verifica em sede executiva, dela tratando
Rogério Licastro Torres de Melo, enfatizando o seguinte:
Os honorários, portanto, constituem direito autônomo do advogado e,
destarte, comportam execução pelo profissional da Advocacia independente
da execução do crédito principal conferido à parte.
Tal realidade, apesar de não derivar da literalidade do CPC/1973, que era
silente a respeito, já defluía do art. 23 do Estatuto da Advocacia atualmente
vigente, o que culminou por produzir sólida orientação jurisprudencial no
STJ no sentido de reconhecer, bem antes da entrada em vigor do CPC/2015,
a existência de legitimidade concorrente entre o advogado e o cliente para
promover a execução da verba honorária.
Por todos, merece destaque o acórdão proferido pelo STJ por ocasião do
julgamento do Recurso Especial 828.300/SC, de relatoria do Min. Luiz Fux,
DJ de 24.04.2008, cuja reprodução parcial de sua ementa é suficiente para
revelar o entendimento consolidado daquela Corte acerca da admissão de
execução da condenação honorária sucumbencial pelo advogado, como
legitimado ativo, já antes da vigência do CPC/2015:
“(...) 2. É cediço nesta Corte que a execução da sentença, na
parte alusiva aos honorários resultantes da sucumbência, pode
ser promovida tanto pela parte como pelo advogado. Precedentes:
(...)
Ainda previamente à entrada em vigor do CPC/2015, também a doutrina se
posicionou no sentido da titularidade dos honorários sucumbenciais por
parte do causídico. Em conhecido estudo sobre honorários advocatícios,
Yussef Said Cahali escreveu com propriedade que “A sentença marca o
momento histórico da aquisição do direito autônomo do advogado, pelo
implemento da condição que lhe faz nascer esse direito; em outros termos, os
honorários da sucumbência, a partir de então, pertencem definitivamente ao
advogado que estava atuando na demanda”. (in Honorários Advocatícios -
Sucumbenciais e por Arbitramento, 1ª ed., Ed. Thomson Reuters Brasil 2019,
Cap. I, 1ª parte, item 2)
Não me parece consentâneo, negar-se à parte legitimidade para, por exemplo,
postular a majoração de honorários de advogado fixados pelo juízo, mas, no
mesmo processo, permitir-lhe a execução de valores cuja titularidade é de terceiro.
Reconheceu-se no art. 23 do Estatuto da Advocacia e se reforçou no CPC de
2015 a titularidade dos honorários e a possibilidade de o advogado, pois titular da
verba a que o vencido foi condenado a pagar na ação ajuizada pelo seu
representado, executá-la em nome próprio, mesmo não sendo parte formal no
processo em que ela foi originada e, assim, não constando do título executivo
base para o cumprimento de sentença.
Yussef Said Cahali (in Honorários Advocatícios, RT, 3ª ed., p. 804),
ao comentar a norma do Estatuto da Advocacia, observava o seguinte:
"Estabelecendo o art. 23 da Lei n° 8.906/94, que os honorários incluídos na
condenação por sucumbência, pertencem ao advogado, concedeu-se-lhe,
agora, verdadeiramente, um direito próprio e autônomo (expressão que
antes era contestada por alguns), com possibilidade de sua execução pelo
próprio patrono, ainda que tendo como causa geradora o mesmo fato do
sucumbimento da parte adversa do cliente vitorioso. Com a titularidade do
direito aos honorários da sucumbência, que agora lhe é expressamente
atribuída, o advogado é introduzido, de alguma forma na relação processual
que se estabelece a partir da sentença condenatória nessa parte, quando
antes, o processo seria quanto a ele uma res inter alios."
Araken de Assis, ao analisar a legitimidade recursal do advogado mesmo
após a entrada em vigor do Novo CPC, ressalta atuar ele como terceiro
prejudicado, ponderando:
Legitima-se a interpor a apelação, relativamente à omissão dos honorários,
ou à correção do valor fixado, porque divergente dos critérios gerais e
particulares que regulam a espécie, quer a parte vencedora, quer o
respectivo advogado.
É legítimo o advogado defender o direito que lhe consagra o art. 23 da Lei
8.906/1994 e o art. 85, § 14, na qualidade de terceiro prejudicado.
E esclarece que, mesmo sendo titular da verba, ostenta a qualidade de terceiro
por que não é parte na relação jurídica processual:
O advogado é terceiro, apesar de titular do crédito e do seu interesse direto
na resolução, porque (ainda) não figura como parte, e sua legitimidade
concorre com a da parte.
Não lhe cabe, em nome próprio, impugnar o capítulo principal, embora este
repercuta na verba honorária, mas o capítulo da sucumbência.
Exageradamente, negou-se a legitimidade da parte, atribuindo-a
unicamente ao advogado, porque não se configuraria a utilidade na revisão
da matéria. Essa posição ficou superada pela jurisprudência recente que
admite legitimidade concorrente.
Não é razoável, pois, reconhecer-se que o direito aos honorários advocatícios
sucumbenciais, que naturalmente se origina de ação ajuizada por parte que, no
mais das vezes, não será a sua titular (à exceção de quando é ajuizada em causa
própria), não possa ser em seu nome discutido.
Arruda Alvim, no seu Manual de Direito Processual Civil - edição publicada
já sob a vigência do CPC de 2015 -, pontifica:
Outrossim, o advogado possui interesse recursal no que concerne à discussão
do valor dos honorários estabelecidos pela decisão. Em tal caso, apesar do
direito do procurador de executar autonomamente a verba honorária (arts.
23 e 24 do Estatuto da Advocacia – Lei 8.906/1994), a jurisprudência já
pacificou a legitimação concorrente da parte e de seu procurador para
rediscutir a questão em sede recursal. (18ª ed., Ed. Thomson Reuters, 2019,
Cap. 18, item 31.4.2)
Assim, o acórdão recorrido merece ser reformado, reconhecendo-se
legitimidade recursal concorrente à parte e ao titular dos honorários de advogado.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial
reconhecendo a legitimidade recursal concorrente da parte e do advogado e
determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no
seu julgamento como entender de direito.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura
Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.