30 de abril de 2021

Estados e Municípios podem restringir temporariamente atividades religiosas coletivas presenciais a fim de evitar a proliferação da Covid-19

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1012-stf.pdf


DIREITO À SAÚDE / LIBERDADE DE CULTO - Estados e Municípios podem restringir temporariamente atividades religiosas coletivas presenciais a fim de evitar a proliferação da Covid-19 

Covid-19 É compatível com a Constituição Federal a imposição de restrições à realização de cultos, missas e demais atividades religiosas presenciais de caráter coletivo como medida de contenção do avanço da pandemia da Covid-19. STF. Plenário. ADPF 811/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 8/4/2021 (Info 1012). 

A situação concreta foi a seguinte: 

Diante do aumento do número de casos de Covid-19, alguns Estados e Municípios editaram decretos restringindo temporariamente atividades religiosas coletivas presenciais a fim de evitar a proliferação da doença. Nesse sentido, o Estado de São Paulo editou o Decreto nº 65.563/2021, que em seu art. 2º, II, “a” proibiu a realização de “cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo”. O Partido Social Democrático (PSD) ajuizou ADPF pedindo para suspender esse dispositivo do Decreto nº 65.563/2021. Segundo argumentou o partido, essas restrições não poderiam ser impostas porque violariam a liberdade religiosa (liberdade de crença e de culto) prevista no art. 5º, VI e no art. 19, I, da CF/88 

Art. 5º (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (...) 

O STF concordou com o pedido do autor? 

NÃO. O STF, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado na ADPF. Ficaram vencidos os ministros Nunes Marques e Dias Toffoli, que julgaram o pedido procedente. A conclusão da Corte foi a seguinte: 

É compatível com a Constituição Federal a imposição de restrições à realização de cultos, missas e demais atividades religiosas presenciais de caráter coletivo como medida de contenção do avanço da pandemia da Covid-19. STF. Plenário. ADPF 811/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 8/4/2021 (Info 1012). 

Liberdade religiosa A

 liberdade de crença e de culto, usualmente caracterizada apenas pela fórmula genérica “liberdade religiosa”, constitui uma das primeiras garantias individuais previstas pelas declarações de direitos do Século XVIII. Trata-se de direito humano fundamental. A liberdade religiosa foi prevista em diversos documentos internacionais, podendo destacar os seguintes: 

• artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); 

• artigo 9º da Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950); 

• artigo 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969); 

• artigo 8º da Carta Africana de Direitos Humanos (1981). 

Dimensões da liberdade religiosa 

A liberdade religiosa pode ser dividida em duas dimensões: 

a) Dimensão interna (forum internum): consiste na liberdade espiritual íntima de formar a sua crença, a sua ideologia ou a sua consciência; 

b) Dimensão externa (forum externum): diz respeito mais propriamente à liberdade de confissão e à liberdade de culto. 

O aspecto interno do direito à liberdade de pensamento, consciência e religião é um direito absoluto, que não pode ser restringido. O aspecto externo, por sua vez, pode estar sujeito a algumas limitações, como no caso das restrições impostas durante a pandemia do novo coronavírus. Embora advinda da interpretação das fontes supranacionais dos Direitos Humanos, a existência dessa dúplice dimensão do direito à liberdade religiosa também pode ser encontrado no texto da Constituição Federal. Sob a dimensão interna, a liberdade de consciência está prevista no art. 5º, VI, da Constituição, e não abrange apenas o aspecto religioso. Por outro lado, na dimensão externa, o texto constitucional brasileiro alberga a liberdade de crença, de aderir a alguma religião, e a liberdade do exercício do culto respectivo. As liturgias e os locais de culto são protegidos nos termos da lei. A lei deve proteger os templos e não deve interferir nas liturgias, a não ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipótese considerada. Os logradouros públicos não são, por natureza, locais de culto, mas a manifestação religiosa pode ocorrer ali, protegida pelo direito de reunião, com as limitações respectivas. 

A própria Constituição afirma que a liberdade religiosa não é absoluta 

Corroborando a tese de que há uma possibilidade de restrição relativa do direito à liberdade religiosa em sua dimensão externa (forum externum), pode-se mencionar que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu inequívoca reserva de lei ao exercício dos cultos religiosos. Nesse sentido, o inciso VI do art. 5º assegura “o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei”. Essa reserva legal, por si só, afasta qualquer compreensão no sentido de afirmar que a liberdade de realização de cultos coletivos seria absoluta. A lei deve proteger os templos e não deve interferir nas liturgias, “a não ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipótese considerada”. 

Constitucionalidade formal do decreto 

Sob o prisma da constitucionalidade formal, a imposição de restrições à realização de cultos religiosos por meio de decretos municipais e estaduais está em conformidade com decisões recentes do STF sobre a temática, dentre as quais destaca-se a ADI 6341, na qual se assentou que todos os entes federados possuem competência para legislar e adotar medidas sanitárias voltadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública. O STF reafirmou o dever que todos os entes políticos têm na promoção da saúde pública e, coerente ao federalismo cooperativo adotado na CF/88, assentou a competência dos Estados e dos Municípios, ao lado da União, na adoção de medidas sanitárias direcionadas ao enfrentamento da pandemia. 

Constitucionalidade material do decreto 

Sob o aspecto material, a medida sanitária em análise mostra-se adequada, necessária e proporcional, bem como em consonância com as diretrizes científicas propostas pela Organização Mundial da Saúde. É possível afirmar que há um razoável consenso na comunidade científica no sentido de que os riscos de contaminação decorrentes de atividades religiosas coletivas são superiores aos riscos de outras atividades econômicas, mesmo aquelas realizadas em ambientes fechados. Essa noção geral — sobre o elevado risco de contaminação das atividades religiosas coletivas presenciais — foi complementada por um exame de fatos e prognoses subjacente à edição do decreto estadual impugnado. As medidas restritivas, dessa forma, foram resultantes de análises técnicas relativas ao risco ambiental de contágio pela Covid-19 conforme o setor econômico e social, bem como de acordo com a necessidade de preservar a capacidade de atendimento da rede de serviço de saúde pública. 

Não foram apenas as atividades religiosas que foram proibidas 

Vale ressaltar que o art. 2º do Decreto impugnado não se limitou a restringir as atividades religiosas coletivas. Também foram impostas restrições a outras atividades econômicas altamente essenciais, tais como o “atendimento presencial ao público, inclusive mediante retirada ou ‘pegue e leve’, em bares, restaurantes, ‘shopping centers’, galerias e estabelecimentos congêneres e comércio varejista de materiais de construção, permitidos tão somente os serviços de entrega (‘delivery’) e ‘drive-thru’ (inciso I)” e ainda “reunião, concentração ou permanência de pessoas nos espaços públicos, em especial, nas praias e parques”.


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