12 de abril de 2021

MATERNIDADE; FOTÓGRAFO PROFISSIONAL; PANDEMIA DE COVID-19; IMPEDIDO; PAIS FAMOSOS; AUTORIZAÇÃO; REFORMA DA SENTENÇA

ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO Segunda Turma Recursal Cível Autos n°: 0024491-26.2020.8.19.0209 Recorrente: CASA DE SAUDE LARANJEIRAS LTDA Recorrido: XXX VOTO Fatos: Alega a parte autora que, em maio/2020, foi internada na maternidade ré para realizar o parto de sua filha e que planejou muitas coisas para esse dia, como, lembrancinha para os familiares que fossem visitar sua filha. Entretanto, em razão da pandemia, o fotógrafo profissional que contratou foi impedido de adentrar as instalações da ré. Porém, aduz que, em julho/2020, se deparou com a fotografia, feita por uma fotografa profissional, da atriz XXX, que também realizou o parto na maternidade ré. Salienta que a Perinatal confirmou a autorização da fotografa profissional no parto da referida atriz. Pedido: - Condenação ao pagamento por danos morais no valor de R$ 41.800,00; Prova: Fls.:18 - pedido de internação;19 - guia de internação; 20 - documentos do hospital; 21 - orientação de alta; 22 - cartão de nascimento; 23 - certidão de nascimento; Contestação: Fls.36/49: - Alega a ré que, em razão da pandemia de Covid, precisou impedir a entrada de fotógrafos profissionais na maternidade, seguindo a recomendação do Ministério da Saúde, entretanto, não impediu o registro fotográfico feito pelo acompanhante da gestante. Aduz que, o parto da autora foi realizado em maio/2020, época em que a pandemia se encontrava em estado crítico, bem como, ressalta que um de seus gestores autorizou a entrada da fotografa para o parto da Atriz mencionada pela autora ACIJ: julgamento antecipado da lide; Sentença: Fls.154/157: - homologado pelo Dr(a).: Marcelo Almeida de Moraes Marinho "Isso posto, extingo o processo com resolução de mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgando PROCEDENTES os pedidos autorais, para condenar a parte ré a pagar à parte autora, a título de compensação por danos morais, R$ 10.000,00 corrigidos monetariamente pelos índices oficiais adotados pela CGJ deste Tribunal desde a data da leitura de sentença (súm. 362 do STJ) e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde a data da citação (art. 405 do Código Civil)." Fundamentação: "Presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, bem como inexistindo quaisquer nulidades ou irregularidades que devam ser declaradas ou sanadas, nem preliminares que pendam de apreciação, passo à análise do mérito. Pela narrativa dos fatos e demais elementos constantes dos autos, resta claro que a relação jurídica travada entre as partes possui natureza consumerista, pois presentes estão os pressupostos subjetivos (arts. 2º e 3º, caput) e objetivo (art. 3º, §2º) previstos na Lei Federal nº 8.078/1990. A análise da presente demanda deve, portanto, ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). A facilitação da defesa dos direitos consumeristas é direito básico de todo consumidor e independe da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC). Contudo, é encargo de qualquer pessoa que demande em juízo fazer prova mínima dos fatos constitutivos do direito que alega (art. 373, I, do CPC c/c súm. nº 330 deste E. Tribunal de Justiça). Feita a prova mínima, este E. Tribunal de Justiça enxerga a inversão do ônus da prova nas relações de consumo como um direito do consumidor (art. 6º, caput, CDC), não sendo necessário que o Juiz advirta o fornecedor de tal inversão, devendo este comparecer à audiência munido, desde logo, de todas as provas com que pretenda demonstrar a exclusão de sua responsabilidade objetiva (nesse sentido: Aviso nº 23/2008 da Presidência do TJRJ, item 9.1.2). Nesse contexto, observo que a parte autora trouxe aos autos a guia do pedido de internação para realização do parto; o cartão e a certidão de nascimento; além de cópia da postagem feita pela ''influencer'' XX. A presente ação não discute a legitimidade ou não da política perpetrada pela maternidade ré para lidar com os partos havidos durante a pandemia do COVID-19, razão pela qual a decisões liminares acostadas pela CASA DE SAÚDE LARANJEIRAS não impactam a conclusão a que ora se chega. Os danos morais, como se sabe, não são estáticos nem obedecem a uma regra certeira de incidência, pois variam de acordo com as circunstâncias do ilícito, daquele que o causou e daquele que sofreu suas consequências, já que pressupõe a violação de algum(s) dos direitos da personalidade. No caso em tela, todavia, entende-se que a maternidade ré causou, sim, danos morais indenizáveis à parte autora, que se sentiu aviltada com o tratamento anti-isonômico conferido a pais famosos e ''influentes'', em evidente desrespeito à garantia constitucional e republicana da isonomia material (art. 3º, IV, c/c art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988). Como demonstram os documentos acostados aos autos, a própria maternidade ré reconheceu sua falha com a abertura de exceção ao casal de atores famosos, entretanto, como sabido, a responsabilidade civil do fornecedor perante seus consumidores tem natureza objetiva (art. 14 e 20 do CDC), de modo que a culpa pelos atos que levaram à violação dos direitos dos autores é matéria que interessa exclusivamente à parte demandada e que deve ser por ela perquirida em ação própria, caso queira, pois todo consumidor possui o direito à facilitação da defesa dos seus direitos e à efetiva reparação dos danos que sofreu (art. 6º, VI e VIII, do CDC). A abertura de uma exceção que contempla apenas duas pessoas sem qualquer razão legítima para tanto é ato capaz de ferir a dignidade daquele que sentiu diminuído, preterido, indignado, impotente e humilhado com o tratamento díspar conferido a semelhantes em igual situação, mormente se considero o momento único que constitui o pano de fundo do caso concreto em questão: o nascimento de um filho. Trata-se de prática reprovável que ultrapassa os limites do mero dissabor e que merece ser reprimida pelo Judiciário, em homenagem à a Teoria do Desestímulo, que tem a função pedagógica de compensar a vítima e desestimular o lesante a prestar serviços de forma inadequada. Nas palavras de Miguel Barreto, deixar de condenar o fornecedor por ofender o consumidor em processo individual, criando jurisprudência desfavorável, é deixar de punir a empresa pela mesma conduta perpetrada perante milhares de outros que se encontram na mesma situação, o que não se pode admitir. Há de se considerar, ainda, que a parte autora precisou contratar serviços advocatícios e recorrer ao Poder Judiciário para ver ser cumprido um direito que lhe assiste legal e constitucionalmente (art. 5º, XXXII, da Constituição Federal c/c art. 6º, VI, VII e VIII, do CDC), fato este que, por si só, já ultrapassa os limites do que pode ser razoavelmente interpretado como uma simples chateação cotidiana. A quantificação da indenização devida não é tarefa simples para o Julgador, que precisa sopesar todas as circunstâncias do caso concreto, como a extensão do dano e a capacidade econômica das partes, à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Considerando tudo isso e, ainda, visando a que a condenação possa cumprir seu papel compensador/indenizatório, repressivo e preventivo, sem gerar enriquecimento indevido da parte consumidora, fixo a indenização devida à parte autora em R$ 10.000,00." Embargos de declaração: () sim (X) não Recurso: () autor (X) réu Fls.164/192: - requer a reforma da sentença conforme termos da contestação, salientando que a pandemia foi fundamental para a adoção da medida que proíbe fotógrafos profissionais na sala de parto, entretanto, ressalta que não impediu que o acompanhante da gestante realizasse registros do momento do parto. Além disso, aduz que, a autorização do fotógrafo no parto da atriz em questão foi uma medida excepcional realizada por um dos gestores da maternidade, e que já emitiu uma nota sobre o assunto. Recebimento do recurso: Fls.: 235 Contrarrazões: (X) sim () não Fls.249/273: - Impugna as alegações do recorrente, prestigiando a manutenção da sentença. Salienta que a recorrente admitiu que autorizou o ensaio fotográfico do parto da atriz, e com isso, entende-se a dicotomia no tratamento das gestantes que escolhem a maternidade ré para realizarem seu parto. É o relatório. Passo a votar. Trata-se de recurso interposto pelo réu contra sentença que julgou procedente o pedido de indenização por dano moral, condenando o mesmo ao valor indenizatório de R$ 10.000,00. A autora alega que não pode ter a presença do fotógrafo profissional que contratou para registrar o parto ocorrido em 01/05/2020, na Casa de Saúde Laranjeiras - PERINATAL, devido a restrição ocasionada pela pandemia de COVID-19. Aduz que a ré realizou tratamento diferenciado para a autora, pois permitiu a entrada da fotógrafa profissional da Influencer XXX, esposa do ator XXX. Relata que se sentiu discriminada, triste e revoltada, requerendo a compensação pelos danos morais sofridos. Em contestação, a ré afirma que o pedido da autora é fundamentado em uma ocorrência de irregularidade de um gestor que autorizou indevidamente a presença de uma fotógrafa. Aduz que a maternidade ré emitiu nota por meio da qual se retratou perante o público e afirmou ter sido situação excepcional à qual adotou medidas administrativas para evitar reiteração. Destacou que a ocorrência equivocada ocorreu em situação isolada, após cerca de 04 meses, desde a adoção da política de proibir a entrada de fotógrafo além do acompanhante na sala de parto. Com efeito, diante das provas carreadas aos autos, verifico que a maternidade ré seguiu os protocolos existentes para os procedimentos realizados em suas dependências, na forma das diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Ocorre que, diante da retratação demonstrada pela ré, se constata que estamos diante de um ato isolado de um gestor, que indevidamente, contrariando as diretrizes da PERINATAL, permitiu o ingresso de uma fotógrafa. Nesse passo, não ficou demonstrado que a maternidade ré consentiu com o ocorrido. Por outro lado, verifico que a autora não trouxe aos autos nenhuma prova de que contratou uma fotógrafa profissional, ou que a mesma teria sido impedida de entrar no estabelecimento da ré para registrar o parto. Há de argumentando tanto, é fato que as normas pertinentes a pandemia, impedem tal tipo de aparato na maternidade e ainda que tivesse sido deferido ao suposto ator o benefício, não cabe equiparação do mesmo benefício à autora, ou seja, se o ato é ilícito, não é cabível a equiparação a título de ato ilícito, e sim adoção de punições administrativas em face da empresa. Diante dos fatos narrados, não restou caracterizada a ilicitude da conduta da ré/recorrente, capaz de gerar dano moral a ser indenizado. Pelo exposto, VOTO no sentido de conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento para JULGAR IMPROCEDENTE o pedido. Sem honorários, por se tratar de recurso com êxito. PAULO LUCIANO DE SOUZA TEIXEIRA Juiz Relator



0024491-26.2020.8.19.0209 - RECURSO INOMINADO

CAPITAL 2a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS

Juiz(a) PAULO LUCIANO DE SOUZA TEIXEIRA - Julg: 04/03/2021 - Data de Publicação: 08/03/2021

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