8 de janeiro de 2022

É inconstitucional lei estadual que veda o corte do fornecimento de água e luz, em determinados dias, pelas empresas concessionárias, por falta de pagamento

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1036-stf.pdf


COMPETÊNCIA LEGISLATIVA É inconstitucional lei estadual que veda o corte do fornecimento de água e luz, em determinados dias, pelas empresas concessionárias, por falta de pagamento 

Compete à União definir regras de suspensão e interrupção do fornecimento dos serviços de energia elétrica. Em razão disso, é inconstitucional lei estadual que proíbe que as empresas concessionárias ou permissionárias façam o corte do fornecimento de água, energia elétrica e dos serviços de telefonia, por falta de pagamento, em determinados dias (ex: sextas-feiras, vésperas de feriados etc.). STF. Plenário. ADI 5798/TO, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 3/11/2021 (Info 1036). 

Obs1: vide Lei nº 14.015/2020, que alterou a Lei nº 8.987/95 e a Lei nº 13.460/2017. 

Obs2: cuidado com o entendimento excepcional do STF durante o período da pandemia da Covid-19 (STF. Plenário. ADI 6588/AM, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 28/5/2021. Info 1019). 

A situação concreta foi a seguinte: 

O Estado de Tocantins editou a Lei nº 3.244/2017 proibindo o corte no fornecimento de energia elétrica e água, nos horários e dias determinados, naquela unidade da Federação. Veja a redação da Lei: 

Art. 1º É proibida, no âmbito do Estado do Tocantins, a suspensão do fornecimento de energia elétrica e água tratada pelas concessionárias, por falta de pagamento de seus usuários: I - entre 12h de sexta-feira e 8h da segunda-feira; II - entre as 12h do dia útil anterior e 8h do dia subsequente a feriado nacional, estadual ou municipal. 

ADI 

A Associação Brasileira de Distribuidores De Energia Elétrica - ABRADEE ajuizou ADI contra essa previsão alegando que ela usurpou a competência privativa da União para legislar sobre energia elétrica, violou a reserva de lei federal para dispor sobre o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviço público federal e afrontou o princípio do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. 

O STF concordou com o pedido? 

SIM. O STF julgou procedente o pedido e decidiu que a referida lei é inconstitucional: 

Compete à União definir regras de suspensão e interrupção do fornecimento dos serviços de energia elétrica. STF. Plenário. ADI 5798/TO, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 3/11/2021 (Info 1036). 

A Constituição Federal outorgou competência privativa à União Federal para legislar sobre “águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão” (art. 22, IV), sem prejuízo, no entanto, de os Estadosmembros legislarem a respeito de questões específicas relacionadas à matéria, desde que autorizados por delegação concedida por meio de lei complementar federal (art. 22, parágrafo único). Além disso, a Constituição brasileira, ao tratar da competência material concernente à exploração dos serviços de energia elétrica, atribuiu ao Poder Público federal, com exclusividade , a prestação dos serviços públicos em questão, instituindo um regime de monopólio (art. 21, XII, “b”) e autorizando a União a exercer essa função estatal por via indireta, através da utilização dos instrumentos administrativos de delegação de tais atividades privativas do Estado a agentes do setor privado (concessão, permissão ou autorização), resguardado, no entanto, à União, como Poder concedente, o papel de agente normativo e regulador, a quem incumbe, por meio de lei federal, a disciplina normativa do regime especial a que estão submetidas as empresas concessionárias no cumprimento das atividades delegadas (art. 175, parágrafo único). 

Para esse fim, a União, por meio da Lei nº 9.427/96, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), entidade autárquica integrante da Administração Pública Federal indireta dotada de autonomia administrativa e financeira, outorgando-lhe a função de órgão regulador da produção, da transmissão, da distribuição e da comercialização de energia elétrica (art. 2º), com competência para organizar e administrar a prestação dos serviços públicos de energia elétrica em todo o território nacional e para adotar as medidas necessárias à implementação da Política Nacional elaborada, conjuntamente, pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional referente a esse setor econômico. Cabe assinalar que a Constituição Federal, ao atribuir à União, com privatividade absoluta, a competência material para a prestação dos serviços públicos de energia elétrica (art. 21, XII, “b”), autorizou a exploração indireta dessa atividade estatal, mediante delegação a terceiros, estabelecendo, ainda, que, nessa situação, o Poder Público Federal deverá, por meio de lei nacional (art. 175, “caput” e parágrafo único), editada pelo Congresso Nacional (art. 48, XII), disciplinar o regime especial a que estão sujeitas as empresas concessionárias e permissionárias dos serviços públicos em questão, os direitos dos usuários e as obrigações das prestadoras, a política tarifária, a obrigação de manter serviço adequado, além de todos os demais aspectos relacionados à exploração dos serviços de energia elétrica. Desse modo, a União possui competência exauriente em tema de serviços de energia elétrica. Justamente por isso, a intervenção legislativa, por parte dos Estados-membros, no âmbito desse domínio temático, somente seria possível se tivesse sido autorizada por meio da edição de lei complementar federal (art. 22, parágrafo único). 

Vale ressaltar que a ANEEL, para atender seu propósito de fiar “as condições gerais de fornecimento de energia elétrica ” no Brasil, após a realização de Audiência Pública (em 2008) e de Consulta Pública (em 2009), contando com ampla participação de agentes que atuam no setor energético e de representantes da sociedade brasileira em geral, editou a Resolução Normativa nº 414/2010, que dispõe, de forma integral, sobre a suspensão ou a interrupção, pelas empresas concessionárias, do fornecimento dos serviços de energia elétrica, em decorrência da mora ou do inadimplemento por parte dos usuários. Segundo entendimento jurisprudencial firmado pelo STF, a existência de regulamento setorial específico editado pelo órgão regulador competente (a ANEEL, no caso), disciplinando, de forma exauriente, as regras a serem observadas pelas empresas concessionárias, para efeito de suspensão ou de interrupção do fornecimento de energia elétrica ao consumidor em razão do inadimplemento do usuário, impede que as demais Unidades da Federação, a pretexto de exercerem sua competência concorrente, estabeleçam normas regionais conflitantes com o modelo normativo instituído, em âmbito nacional, pela agência reguladora federal. 

Por essa razão, mostra-se inconstitucional a lei estadual que, a pretexto de exercer a sua competência suplementar em matéria de “consumo” (art. 24, V) ou de “responsabilidade por dano (…) ao consumidor” (art. 24, VIII), edita norma dirigida às empresas prestadoras de serviços de energia elétrica, dispondo sobre direitos dos usuários e obrigações das concessionárias, usurpando, em consequência, a competência legislativa privativa outorgada à União Federal em tema de “energia” (art. 22, IV) e intervindo, indevidamente , no âmbito das relações contratuais entre o Poder concedente e as empresas delegatárias de tais serviços públicos. 

Em resumo 

Cabe à União, de forma privativa, legislar sobre energia, bem como dispor acerca do regime de exploração do serviço de energia elétrica, aí incluídas as medidas de suspensão ou interrupção de seu fornecimento. No caso, a norma impugnada não se restringiu à proteção do consumidor, pois, ao estipular regras pertinentes à suspensão do fornecimento dos serviços de energia elétrica, interferiu efetivamente no conteúdo dos contratos administrativos firmados entre a União e as respectivas empresas concessionárias. 

Conclusão 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão “de energia elétrica” constante do art. 1º da Lei 3.244/2017 do Estado do Tocantins. Vencido o ministro Edson Fachin. 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES 

NOVIDADE LEGISLATIVA - Lei nº 14.015/2020 

A Lei nº 14.015/2020 alterou a Lei nº 8.987/95 e a Lei nº 13.460/2017 e, em parte, previu regras parecidas a que foram estabelecidas pela lei estadual acima analisada. Confira os dispositivos inseridos na Lei nº 13.460/2017: 

Art. 5º O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes: (...) XVI – comunicação prévia ao consumidor de que o serviço será desligado em virtude de inadimplemento, bem como do dia a partir do qual será realizado o desligamento, necessariamente durante horário comercial. Parágrafo único. A taxa de religação de serviços não será devida se houver descumprimento da exigência de notificação prévia ao consumidor prevista no inciso XVI do caput deste artigo, o que ensejará a aplicação de multa à concessionária, conforme regulamentação. 

Art. 6º São direitos básicos do usuário: (...) VII – comunicação prévia da suspensão da prestação de serviço. Parágrafo único. É vedada a suspensão da prestação de serviço em virtude de inadimplemento por parte do usuário que se inicie na sexta-feira, no sábado ou no domingo, bem como em feriado ou no dia anterior a feriado. 

A Lei nº 14.015/2020 inseriu o § 4º ao art. 6º da Lei nº 8.987/95 com a seguinte redação: 

Art. 6º (...) § 4º A interrupção do serviço na hipótese prevista no inciso II do § 3º deste artigo não poderá iniciar-se na sexta-feira, no sábado ou no domingo, nem em feriado ou no dia anterior a feriado. 

Como a Lei nº 14.015/2020 foi editada pela União, ela é formalmente constitucional. 

Outra informação complementar importante que gostaria de destacar é o fato de que, durante a pandemia, o STF, excepcionalmente, admitiu como constitucionais algumas leis estaduais versando sobre garantias aos usuários dos serviços de energia elétrica: 

São constitucionais as normas estaduais, editadas em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, pelas quais veiculados a proibição de suspensão do fornecimento do serviço de energia elétrica, o modo de cobrança, a forma de pagamentos dos débitos e a exigibilidade de multa e juros moratórios. As normas objetivam regulamentar a relação entre o usuário do serviço e a empresa concessionária, tratando-se, portanto, essencialmente de normas sobre defesa e proteção dos direitos do consumidor e da saúde pública. STF. Plenário. ADI 6432/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 7/4/2021 (Info 1012). 

Atendida a razoabilidade, é constitucional legislação estadual que prevê a vedação do corte do fornecimento residencial dos serviços de energia elétrica, em razão do inadimplemento, parcelamento do débito, considerada a crise sanitária. STF. Plenário. ADI 6588/AM, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 28/5/2021 (Info 1019).

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