8 de janeiro de 2022

É inconstitucional a vedação ao exercício provisório, de que trata o § 2º do art. 84 da Lei 8.112/90, nas unidades administrativas do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no exterior

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1038-stf.pdf 


SERVIDORES PÚBLICOS É inconstitucional a vedação ao exercício provisório, de que trata o § 2º do art. 84 da Lei 8.112/90, nas unidades administrativas do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no exterior 

O § 2º do art. 84 da Lei nº 8.112/90 afirma que, se o servidor público federal for transferido para local diverso de onde ele morava, o seu cônjuge/companheiro – que também for servidor público – ficará de licença de seu órgão de origem e poderá exercer provisoriamente atividade compatível com seu cargo em órgão ou entidade da Administração Federal no local para onde se mudou. Trata-se do chamado exercício provisório. O art. 69 da Lei nº 11.440/2006 proibiu, nas unidades administrativas do Ministério das Relações Exteriores no exterior, o exercício provisório. Assim, o servidor público cônjuge de diplomata, oficial ou assistente de chancelaria não poderia ter direito à licença remunerada do § 2º do art. 84 da Lei nº 8.112/90. O STF decidiu que essa vedação do art. 69 da Lei nº 11.440/2006 é inconstitucional porque: • confere tratamento anti-isonômico injustificável; • viola a especial proteção constitucional da família; • a possibilidade de exercício provisório também gera benefícios para a Administração Pública. STF. Plenário. ADI 5355/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10 e 11/11/2021 (Info 1038). 

Licença por motivo de afastamento de cônjuge e o exercício provisório do § 2º 

A Lei nº 8.112/90 é o Estatuto dos Servidores Públicos Federais. O art. 84 da Lei nº 8.112/90 prevê que o servidor público federal poderá tirar licença para acompanhar seu cônjuge caso este tenha sido transferido para outra localidade (do Brasil ou do exterior). Essa licença poderá ser de duas espécies: 

a) SEM REMUNERAÇÃO 

Prevista no caput e no § 1º art. 84. 

Ocorre quando o cônjuge/companheiro do servidor público federal se mudou por razões de interesse precipuamente pessoal. Ele não era servidor público ou sua mudança não tem relação direta com esse vínculo que possuía com o serviço público. Ex: se mudou para fazer um mestrado. 

Ex: Andrea, funcionária de uma grande multinacional, casada com um servidor público federal, assume emprego em filial da empresa nos EUA, tendo que se mudar para lá. 

O servidor público ficará afastado do seu órgão/entidade (licenciado), por prazo indeterminado e sem remuneração. Assim, o marido de Andrea receberá uma licença não remunerada para acompanhá-la, ficando com ela nos EUA sem trabalhar, mas também sem receber. 


b) REMUNERADA (também chamado de exercício provisório) 

Prevista no § 2º do art. 84. 

Ocorre quando o cônjuge/companheiro do servidor público federal também é servidor público (de qualquer esfera) e foi transferido do lugar onde trabalhava para outra cidade. 

Ex: Juliana, servidora de um órgão estadual, casada com um servidor público federal, participou de um concurso de remoção e foi transferida de Uberlândia para Belo Horizonte. 

O servidor público ficará de licença de seu órgão de origem. No entanto, ele irá exercer provisoriamente atividade compatível com seu cargo em órgão ou entidade da Administração Federal no local para onde se mudou. Desse modo, o marido de Juliana será lotado provisoriamente em Belo Horizonte. 

Confira a redação do art. 84 e de seus parágrafos, considerando que algumas vezes se cobra nas provas a transcrição do dispositivo. Atente-se para as partes grifadas: 

Art. 84. Poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo. 

§ 1º A licença será por prazo indeterminado e sem remuneração. 

§ 2º No deslocamento de servidor cujo cônjuge ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo. 

Vedação contida no art. 69 da Lei nº 11.440/2006 

A Lei nº 11.440/2006 é o Regime Jurídico dos Servidores do Serviço Exterior Brasileiro. O Serviço Exterior Brasileiro é formado pelos Diplomatas e servidores do Itamaraty que trabalham no exterior, como Oficiais e Assistentes de Chancelaria. O art. 69 da Lei nº 11.440/2006 prevê a seguinte proibição para os integrantes dessas carreiras: 

Art. 69. Não haverá, nas unidades administrativas do Ministério das Relações Exteriores no exterior, o exercício provisório de que trata o § 2º do art. 84 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. 

Desse modo, o referido dispositivo proíbe o exercício provisório em unidades administrativas do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no exterior para servidor público cônjuge de diplomata, oficial ou assistente de chancelaria. 

ADI 

Em agosto de 2015, o Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra esse art. 69 da Lei nº 11.440/2006. Esse dispositivo impede, na prática, a transferência remunerada de servidor público para acompanhar seu cônjuge no exterior em qualquer órgão ou entidade da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, para o desempenho de atribuições compatíveis, conforme garantia o § 2º do art. 84 da Lei 8.112/90. 

Ocorre que o § 2º do art. 84 da Lei nº 8.112/90 “têm intuito de preservar a unidade familiar e reestabelecer o convívio do casal, interrompido devido à transferência de um dos cônjuges em razão do serviço”.  permite que o agente “mantenha o cargo no serviço público federal e exerça atividade profissional remunerada, no período em que o consorte se encontre deslocado para unidade diversa daquela em que estava lotado”. 

Essa previsão tem por objetivo, portanto, proteger a família e garantir a manutenção dos vínculos dela decorrentes, valores expressamente consagrados pela Constituição Federal de 1988. A proibição do art. 69 da Lei nº 11.440/2006 obriga os servidores do Serviço Exterior Brasileiro a ficarem longes dos seus cônjuges ou, então, caso estes queiram manter o convívio familiar, terão que tirar uma licença sem remuneração. Assim, o autor pediu a declaração de inconstitucionalidade do art. 69 da Lei nº 11.440/2006, por afronta a dispositivos constitucionais como o da proteção estatal da família e o do direito social ao trabalho. 

O STF concordou com os argumentos do PGR? SIM. 

É inconstitucional a vedação ao exercício provisório, de que trata o § 2º do art. 84 da Lei 8.112/90, nas unidades administrativas do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no exterior. STF. Plenário. ADI 5355/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10 e 11/11/2021 (Info 1038). 

A proibição ao exercício provisório em unidades do MRE no exterior, prevista no art. 69 da Lei nº 11.440/2006, não tem qualquer relação com as funções desempenhadas por esses servidores, sendo injustificável, portanto, o tratamento anti-isonômico conferido pela norma, especialmente, porque não há essa limitação para os servidores que acompanham seus cônjuges quando a lotação se dá no Brasil. A isonomia entre servidores públicos federais e servidores do Serviço Exterior Brasileiro (SEB) resta assegurada pela ressalva final do art. 84, §2º, da Lei nº 8.112/90, que adota como critério de discriminação apenas a peculiaridade inerente aos cargos. Veja novamente: 

Art. 84. (...) § 2º No deslocamento de servidor cujo cônjuge ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97) 

A necessidade de se proteger a família impede interpretações que restrinjam a convivência familiar ou corroborem opressões de gênero. A Constituição Federal garante especial proteção à família e a licença para acompanhamento do cônjuge, com ou sem exercício provisório, configura instituto que instrumentaliza essa proteção constitucional, resultado da ponderação perpetrada pelo legislador entre os valores da família e o interesse da Administração Pública. De igual modo, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa indicam que a dignidade auferida pela realização profissional e pela contribuição ao serviço público não se esgota na correspondente retribuição pecuniária. 

Por essa razão, os benefícios pagos aos agentes do SEB, com vistas a mitigar os prejuízos financeiros decorrentes da impossibilidade de trabalho do cônjuge no exterior ou do afastamento do agente de sua família, não têm aptidão de neutralizar a ofensa ao princípio do valor social do trabalho. Por fim, a possibilidade de exercício provisório também gera benefícios para a Administração Pública. No caso dos servidores cônjuges de diplomatas, a medida gera menor quantidade de exonerações por motivos familiares e, indiretamente, melhor desempenho dos servidores motivados por satisfação geral proporcionadas pela proximidade da família. Da mesma forma, no caso dos diplomatas, a medida pode resultar em menor número de rejeição de postos externos; maior interesse na lotação em postos menos atraentes; menor frequência de ausências e licenças de servidores por motivos familiares; e, sobretudo, maior inserção das mulheres nesse setor. Com base nesse entendimento, o Plenário do STF, por unanimidade, conheceu da ação direta e julgou procedente o pedido formulado, para declarar a inconstitucionalidade do art. 69 da Lei nº 11.440/2006.

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