18 de outubro de 2021

A ausência de afirmação da autoridade policial de sua própria suspeição não eiva de nulidade o processo judicial por si só, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pelo réu

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-704-stj.pdf


NULIDADES - A ausência de afirmação da autoridade policial de sua própria suspeição não eiva de nulidade o processo judicial por si só, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pelo réu 

Caso concreto: após a condenação, a defesa do réu descobriu que um dos Delegados que participou das investigações – conduzidas pelo Ministério Público – seria suspeito já que seu pai também teria envolvimento com a organização criminosa. Logo, o Delegado deveria ter se declarado suspeito, nos termos do art. 107 do CPP: “Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.” Para o STJ, contudo, o descumprimento do art. 107 do CPP - quando a autoridade policial deixa de afirmar sua própria suspeição - não gera, por si só, a nulidade do processo judicial, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pelo réu. O inquérito é uma peça de informação, destinada a auxiliar a construção da opinio delicti do MP. Vale ressaltar, inclusive, que o inquérito é uma peça facultativa. Logo, possíveis irregularidades ocorridas no inquérito policial não afetam a ação penal. No caso concreto, dentre as provas que fundamentaram a condenação do réu, apenas a interceptação telefônica foi realizada com a participação do Delegado suspeito. A defesa, contudo, não se insurgiu contra o conteúdo material das conversas gravadas nem indicou que seriam falsas. Assim, como não foi demonstrado qualquer prejuízo causado pela suspeição, é inviável decretação de nulidade da condenação. STJ. 5ª Turma. REsp 1.942.942-RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/08/2021 (Info 704). 

Imagine a seguinte situação adaptada: 

João foi condenado pela prática do crime previsto no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal: 

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (...) § 2º Incorre nas mesmas penas: I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; (...) 

Ficou provado que João era cliente de uma rede de prostituição de menores, organizada pela corré Daniela, tendo mantido relações sexuais com 7 vítimas adolescentes. Após o trânsito em julgado, o advogado de João descobriu o seguinte: - o procedimento investigativo que apurou essa rede de prostituição foi instaurado pelo Ministério Público do Estado; - um dos agentes policiais que auxiliou o MP na investigação foi o Delegado de Polícia Civil Sandro; - durante as interceptações telefônicas, foi captada conversa entre Antônio e a investigada Daniela, na qual ele combina com a proxeneta (cafetina) a contratação de uma adolescente para relações sexuais. Em outras palavras, Antônio seria também um dos clientes da rede de prostituição; - ocorre que Antônio é pai de Sandro, um dos Delegados da investigação; - vale ressaltar que Antônio não chegou a ser indiciado ou mesmo investigado; - de igual modo, o Delegado não se afastou da investigação. 

Revisão criminal 

João ajuizou revisão criminal, com fundamento no art. 621, III, do CPP, alegando que somente após o trânsito em julgado da condenação, a defesa descobriu a filiação do delegado: 

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: (...) III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. 

A condenação de João foi anulada em virtude desse fato? NÃO. 

A suspeição da autoridade policial e seus efeitos sobre o processo judicial 

Segundo prevê o art. 107 do CPP: 

Art. 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal. 

Essa previsão é bastante criticada em sede doutrinária. A despeito disso, continua válido e vigente, inexistindo declaração de sua não recepção pelo STF. Para o STJ, o descumprimento do art. 107 do CPP não gera, por si só, a nulidade do processo judicial, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pela parte ré. Vale ressaltar que, segundo a tradicional compreensão doutrinária e pretoriana hoje predominante, o inquérito é uma peça de informação, destinada a auxiliar a construção da opinio delicti do órgão acusador. Logo, possíveis irregularidades ocorridas no inquérito policial não afetam a ação penal. Importante lembrar que, ressalvadas as provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas, nos termos do art. 155 do CPP, não há propriamente produção de provas na fase inquisitorial, mas apenas colheita de elementos informativos para subsidiar a convicção do Ministério Público quanto ao oferecimento (ou não) da denúncia. Também por isso, o inquérito é uma peça facultativa, como se depreende do art. 39, § 5º, do CPP: 

Art. 39 (...) § 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias. 

Todos os elementos colhidos no inquérito, quando integram a acusação e são considerados pela sentença, submetem-se ao contraditório no processo judicial, e é este o locus adequado para rebatê-los. Também as provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas passam pelo crivo do contraditório, ainda que de forma diferida, cabendo à defesa o ônus de apontar possíveis vícios processuais e apresentar suas impugnações fáticas. Por isso, como resta preservada a ampla possibilidade de debate dos elementos de prova em juízo, é correto manter incólume o processo mesmo diante de alguma irregularidade cometida na fase inquisitorial (desde que, é claro, não tenham sido descumpridas regras de licitude da atividade probatória). 

Ausência de prejuízo no caso concreto 

Dentre as provas que fundamentaram a condenação do réu, apenas a interceptação telefônica foi realizada com a participação do Delegado suspeito. A defesa, contudo, não se insurge contra o conteúdo material das conversas gravadas, tampouco indica serem falsas em alguma medida. Assim, como não foi demonstrado qualquer prejuízo causado pela suspeição, é inviável decretação de nulidade da condenação. 

Em suma: A ausência de afirmação da autoridade policial de sua própria suspeição não eiva de nulidade o processo judicial por si só, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pelo réu. STJ. 5ª Turma. REsp 1.942.942-RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/08/2021 (Info 704). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário