Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-713-stj.pdf
COMPETÊNCIA Em caso de conexão entre crime de competência da Justiça comum (federal ou estadual) e crime eleitoral, os delitos serão julgados conjuntamente pela Justiça Eleitoral
A Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos. STF. Plenário. Inq 4435 AgR-quarto/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14/3/2019 (Info 933). STJ. 5ª Turma. HC 612.636-RS, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/10/2021 (Info 713).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Determinada construtora pagou R$ 500 mil a João (Ministro de Estado) para obter favores ilícitos na Administração Pública federal. Além disso, essa mesma construtora, alguns meses depois, doou, de forma não declarada, R$ 600 mil para que esse Ministro de Estado custeasse a sua campanha eleitoral para o cargo de Deputado Federal. Vale ressaltar, mais uma vez, que essas doações para a campanha não foram contabilizadas na prestação de contas, caracterizando aquilo que se chama, na linguagem popular, de “Caixa 2”. Por fim, João ocultou a origem dos R$ 500 mil de propina simulando ganhos com a venda de gado.
Em tese, quais foram os delitos praticados por João?
a) corrupção passiva (art. 317 do CP): delito, em tese, da Justiça Federal comum (por envolver a União):
Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
b) falsidade ideológica (art. 350 do Código Eleitoral): crime de competência da Justiça Eleitoral.
Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular. Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.
c) lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98): infração de competência da Justiça Federal comum (porque o crime antecedente é federal).
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
Vale ressaltar que todos os crimes praticados, aparentemente, são conexos.
Dois crimes são de competência da Justiça Federal comum e um deles da Justiça Eleitoral. Como ficará a competência para julgar estes delitos? Serão julgados separadamente ou juntos? Qual será a Justiça competente?
Justiça ELEITORAL. Competirá à Justiça Eleitoral julgar todos os delitos. Segundo decidiu o STF:
Compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos. STF. Plenário. Inq 4435 AgR-quarto/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14/3/2019 (Info 933).
No concurso entre a jurisdição penal comum e a especial (como a eleitoral), prevalecerá esta na hipótese de conexão entre um delito eleitoral e uma infração penal comum. O fundamento para isso está no art. 35, II, do Código Eleitoral e no art. 78, IV, do CPP:
Art. 35. Compete aos juízes: (leia-se: juízes eleitorais) II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;
Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: (...) IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.
Assim, como há a presença do crime de doação eleitoral por meio de “caixa 2”, conduta que configura o crime eleitoral de falsidade ideológica (art. 350 do Código Eleitoral), a competência para julgar todos os delitos é atraída para a Justiça Eleitoral, considerado o princípio da especialidade:
A doação eleitoral por meio de “caixa 2” é uma conduta que configura crime eleitoral de falsidade ideológica (art. 350 do Código Eleitoral). A competência para processar e julgar este delito é da Justiça Eleitoral. A existência de crimes conexos de competência da Justiça Comum, como corrupção passiva e lavagem de capitais, não afasta a competência da Justiça Eleitoral, por força do art. 35, II, do CE e do art. 78, IV, do CPP. STF. 2ª Turma. PET 7319/DF, Rel. Min. Edson Fachin, Relator p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 27/3/2018 (Info 895).
Como há dois crimes de competência da Justiça Federal, o Juiz Federal “comum” não poderia julgar os três delitos, incluindo o crime eleitoral?
NÃO. Isso porque a Constituição Federal, no art. 109, IV, ao estipular a competência criminal da Justiça Federal comum, ressalva, expressamente, os casos da competência da Justiça Eleitoral. Veja:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
Onde está prevista a competência da Justiça Eleitoral?
A CF/88, em seu art. 121, afirma que lei complementar irá definir a competência da Justiça Eleitoral:
Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
Assim, a definição da competência da Justiça Eleitoral foi submetida à lei complementar. Como essa lei complementar mencionada pelo art. 121 da CF/88 ainda não foi editada, o STF entende que os dispositivos do Código Eleitoral que tratam sobre a organização e competência da Justiça Eleitoral foram recepcionados com força de lei complementar. Logo, o art. 35, II, do Código Eleitoral está de acordo com o art. 121 e com o art. 109, IV, da CF/88 e fazem com que todos os delitos sejam de competência da Justiça Eleitoral.
Conforme explica José Jairo Gomes:
“Note-se que a Justiça Comum é federal e estadual. A ‘vis attractiva’ exercida pela Justiça Eleitoral ocorrerá em ambos os casos. Apesar de a competência criminal da Justiça Federal ser prevista diretamente na Constituição (art. 109) e da Eleitoral ser estabelecida em norma infraconstitucional (no caso, o Código Eleitoral – CE, art. 35, II), a parte final do inciso IV, art. 109, da Lei Maior, ressalva expressamente a competência da Justiça Eleitoral. Em razão da expressa ressalva constitucional, há que se respeitar a competência criminal da Justiça Eleitoral, ainda quando ela seja definida pela conexão. Caso contrário, à luz do ordenamento positivo, o princípio do juiz natural restaria desatendido. Destarte, se houver conexão entre crime federal e eleitoral poderá haver unidade processual com a prorrogação da competência da Justiça Eleitoral. (…)” (Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 325/327).
Seria possível o desmembramento dos crimes, ou seja, a Justiça Federal comum julga os crimes de corrupção e lavagem e a Justiça Eleitoral o crime de “caixa 2”?
NÃO. Essa posição não foi acolhida pelo STF.
Foi mencionado acima que, aparentemente, todos os crimes praticados são conexos. Quem define isso? De quem é a competência para decidir se existe ou não conexão?
Também da Justiça Eleitoral. Compete à própria Justiça Eleitoral reconhecer a existência, ou não, do vínculo de conexidade entre delito eleitoral e crime comum a ele supostamente vinculado:
Cabe à Justiça Eleitoral analisar, caso a caso, a existência de conexão de delitos comuns aos delitos eleitorais e, em não havendo, remeter os casos à Justiça competente. STF. Plenário. Inq 4435 AgR-quarto/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14/3/2019 (Info 933).
STJ
O STJ também aplicou esse mesmo entendimento:
A Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos. STJ. 5ª Turma. HC 612.636-RS, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/10/2021 (Info 713).
A interpretação do precedente formado no Inq. 4435 AgR-Quarto/DF, oriunda da leitura de votos dos Ministros que saíram vencedores no julgamento, indica que a ação de usar dinheiro, de origem criminosa, doado para campanha eleitoral, está prevista como delito de competência da Justiça Especializada, encaixando-se na figura típica descrita no art. 350, do Código Eleitoral. Dessa forma, a competência da Justiça Eleitoral, proveniente da interpretação dada pela Suprema Corte à Constituição Federal e à legislação dela decorrente, aplica-se sempre que na ação penal houver qualquer menção a crime dessa espécie, seja na descrição feita pelo órgão acusatório a respeito da suposta conduta ilícita, seja nas decisões oriundas dos órgãos jurisdicionais. De outro lado, a parte final do art. 82, do CPP, assim como o Enunciado da Súmula 235/STJ, apenas impede a reunião de processos conexos quando um deles já tenha sido julgado, não incidindo se eles caminharam conjuntamente, de forma reunida, desde o início da tramitação, muito anteriormente à prolação da sentença. Havendo reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Federal, a ação penal deve ser remetida à Justiça Especializada, mas com anulação apenas dos atos decisórios praticados e sem prejuízo da sua ratificação pelo juízo competente.
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