AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1807990 - SP (2019/0097781-2)
RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. RAZÕES QUE NÃO ENFRENTAM O FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE SAÚDE. DEMANDA COLETIVA. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. PRAZO PRESCRICIONAL ESPECÍFICO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. PRECEDENTES. NÃO PROVIMENTO.
1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada.
2. Dissídio jurisprudencial não demonstrado nos moldes estabelecidos nos artigos 1.029, § 1°, do Código de Processo Civil de 2015 e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
3. “Na falta de dispositivo legal específico para a ação civil pública, aplica-se, por analogia, o prazo de prescrição da ação popular, que é o quinquenal (art. 21 da Lei nº 4.717/1965), adotando-se também tal lapso na respectiva execução, a teor da Súmula nº 150/STF. A lacuna da Lei nº 7.347/1985 é melhor suprida com a aplicação de outra legislação também integrante do microssistema de proteção dos interesses transindividuais, como os coletivos e difusos, a afastar os prazos do Código Civil, mesmo na tutela de direitos individuais homogêneos (pretensão de reembolso dos usuários de plano de saúde que foram obrigados a custear lentes intraoculares para a realização de cirurgias de catarata)” Precedentes. (REsp 1473846/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/2/2017, DJe 24/2/2017).
4. Agravo interno a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Antonio Carlos Superior Tribunal de Justiça Ferreira e Marco Buzzi votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Marco Buzzi.
Brasília, 20 de abril de 2020 (Data do Julgamento)
RELATÓRIO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se de agravo interno interposto em face de decisão por meio da qual dei parcial provimento ao recurso especial.
A parte agravante, em suas razões, reiterou os fundamentos de que a prescrição para a hipótese é trienal, havendo tese firmada sobre o assunto, tanto para a ação originária, quanto para a execução individual.
Intimada, a parte agravada não apresentou impugnação (fl. 877, e-STJ).
É o relatório.
VOTO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): Observo que os frágeis argumentos desenvolvidos pelo agravante não têm plausibilidade jurídica para infirmar a conclusão da decisão impugnada, visto que apenas reiterados os fundamentos utilizados no recurso especial, razão pela qual o presente recurso não merece prosperar.
Inicialmente, quanto à apontada prescrição de algumas parcelas na ação ordinária, destaco que, como a própria parte recorrente mencionou, essa transitou em julgado e está acobertada pelo manto da imutabilidade, não podendo ser modificada, sob pena de afronta à segurança jurídica e à imutabilidade da decisão, razão pela qual não merece análise a referida questão, a qual deveria ter sido suscitada oportunamente.
Confiram os seguintes julgados: AgRg no AREsp 559.047/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 2/10/2014, DJe 23/10/2014; AgInt no REsp 1254015/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/4/2018, DJe 25/4/2018; AgInt no AREsp 1110107/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/2/2018, DJe 5/3/2018.
Como salientado, tratando-se de ação civil pública, já decidiu esta Corte que, à míngua de disposição legal específica, há de valer o julgador de dispositivo inserido no microssistema das tutelas coletivas, tendo este Tribunal Superior firmado o entendimento de que a prescrição prevista para a ação popular é a que melhor se adequa à situação.
Reitero, assim, que, a despeito da existência de repetitivo sobre a prescrição trienal para ações de cobrança em face de plano de saúde, esse versou sobre as ações ordinárias individuais, de modo que o entendimento referente à aplicação do prazo quinquenal às tutelas coletivas é específico e, consequentemente, prevalece sobre aquele.
Para exame:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, QUE DECLAROU A NULIDADE DE CLÁUSULA DE REAJUSTE E A CONDENOU À REPETIÇÃO DO INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL RECONHECIDO NA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DA ORA AGRAVANTE. AGRAVO INTERNO QUE ALTERA O PEDIDO E A CAUSA DE PEDIR RECURSAIS PARA PLEITEAR A APLICAÇÃO DE PRESCRIÇÃO TRIENAL. NÃO CONHECIMENTO. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO. 1. O direito objetivo superveniente somente será considerado no julgamento da lide se não alterar o pedido e a causa de pedir recursais: "Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior tem admitido a apreciação do fato ou direito que possa influir no julgamento da lide, ainda que em instância extraordinária, desde que não importe a alteração do pedido ou da causa de pedir, porquanto a análise do jus superveniens pode ocorrer até a prolação da decisão final. (Precedentes: REsp 614771/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJ 01.02.2006 ; REsp 688151/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ 08.08.2005; AgRg no Ag 322635/MA, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, DJ 19.12.2003; REsp 12673/RS, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ 21.09.1992.)" (REsp 907.236/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2008, DJe de 1º/12/2008). 2. No presente caso, a agravante, no recurso especial, alegou violação ao art. 205 do Código Civil pelo Tribunal de origem e pleiteou a aplicação do prazo prescricional quinquenal aplicável ao microssistema das ações coletivas, à luz do entendimento jurisprudencial da Corte Especial. A decisão monocrática deu provimento ao recurso especial. Nos embargos de declaração e, posteriormente, em sede de agravo interno, requereu a incidência da prescrição trienal do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil. Utilizou como fundamento o precedente da Segunda Seção, no Recurso Especial repetitivo nº 1.360.969/RS, cujo julgamento ocorreu após a interposição de seu apelo extremo. Alteração do pedido e da causa de pedir recursais que impedem a apreciação do jus superveniens. 3. O não conhecimento do apelo impõe-se, outrossim, pela ausência de prequestionamento do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil. Súmulas 282 e 356 do STF. 4. Agravo interno não conhecido. (AgInt nos EDcl no REsp 1663747/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 13/3/2018, DJe 19/3/2018)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE SAÚDE. CIRURGIA DE CATARATA. FALTA DE COBERTURA DE LENTES INTRAOCULARES. CONTRATOS ANTIGOS E NÃO ADAPTADOS. ABUSIVIDADE. DANO MORAL COLETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. CONDUTA RAZOÁVEL. ENTENDIMENTO JURÍDICO DA ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO. TECNOLOGIA MÉDICA E TÉCNICAS DE INTERPRETAÇÃO DE NORMAS. EVOLUÇÃO. OMISSÃO DA ANS. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRETENSÃO DE REEMBOLSO DOS USUÁRIOS. PRESCRIÇÃO. DEMANDA COLETIVA. PRAZO QUINQUENAL. RESSARCIMENTO AO SUS. AFASTAMENTO. OBSERVÂNCIA DE DIRETRIZES GOVERNAMENTAIS. 1. Cinge-se a controvérsia a saber se o reconhecimento, em ação civil pública, da abusividade de cláusula de plano de saúde que afastava a cobertura de próteses (lentes intraoculares) ligadas à cirurgia de catarata (facectomia) em contratos anteriores à edição da Lei nº 9.656/1998 enseja também a condenação por dano moral coletivo. 2. O dano moral coletivo, compreendido como o resultado de uma lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, se dá quando a conduta agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na consciência coletiva (arts. 1º da Lei nº 7.347/1985, 6º, VI, do CDC e 944 do CC, bem como Enunciado nº 456 da V Jornada de Direito Civil). 3. Não basta a mera infringência à lei ou ao contrato para a caracterização do dano moral coletivo. É essencial que o ato antijurídico praticado atinja alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais. Com efeito, para não haver o seu desvirtuamento, a banalização deve ser evitada. 4. Na hipótese dos autos, até o início de 2008 havia dúvida jurídica razoável quanto à abusividade da negativa de cobertura das próteses ligadas à facectomia nos contratos de assistência à saúde anteriores à edição da Lei nº 9.656/1998, somente superada com a revisão de entendimento da ANS sobre o tema, de forma que a operadora, ao ter optado pela restrição contratual, não incorreu em nenhuma prática socialmente execrável; tampouco foi atingida, de modo injustificável, a esfera moral da comunidade. Descaracterização, portanto, do dano moral coletivo: não houve intenção deliberada da demandada em violar o ordenamento jurídico com vistas a obter lucros predatórios em detrimento dos interesses transindividuais dos usuários de plano de saúde. 5. Não há necessidade de condenação da ANS à obrigação de fazer consistente na elaboração de um plano de ação que garanta efetividade ao julgado. Após 15/2/2008 (177ª Reunião da Diretoria Colegiada), nenhuma operadora de plano de saúde pode mais recusar, para os contratos anteriores à edição da Lei nº 9.656/1998, a cobertura de próteses (lentes intraoculares) ligadas à cirurgia de catarata (facectomia). Logo, as operadoras já terão que se adaptar à novel determinação da agência reguladora, podendo o próprio usuário exercer o controle subsidiariamente. 6. Na falta de dispositivo legal específico para a ação civil pública, aplica-se, por analogia, o prazo de prescrição da ação popular, que é o quinquenal (art. 21 da Lei nº 4.717/1965), adotando-se também tal lapso na respectiva execução, a teor da Súmula nº 150/STF. A lacuna da Lei nº 7.347/1985 é melhor suprida com a aplicação de outra legislação também integrante do microssistema de proteção dos interesses transindividuais, como os coletivos e difusos, a afastar os prazos do Código Civil, mesmo na tutela de direitos individuais homogêneos (pretensão de reembolso dos usuários de plano de saúde que foram obrigados a custear lentes intraoculares para a realização de cirurgias de catarata). Precedentes. 7. Não há falar em ressarcimento ao SUS (art. 32 da Lei nº 9.656/1998) quanto aos custos de implante das lentes intraoculares de usuários que procuraram a Saúde Pública para realizar a cirurgia de catarata, visto que as operadoras de plano de saúde não podem ser sancionadas por seguirem diretrizes da própria Administração. Somente após a revisão de entendimento da ANS a respeito da legalidade da cláusula que afastava a cobertura de próteses ligadas à facectomia em contratos anteriores à edição da Lei nº 9.656/1998 é que poderá ser cobrado da operadora o reembolso pelas despesas feitas a esse título no SUS, e segundo normas expedidas pelo próprio ente governamental regulador. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1473846/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/2/2017, DJe 24/2/2017)
Portanto, tendo a prescrição quinquenal, mesmo a ação de conhecimento, transitado em julgado em 8/11/11, como alega a recorrente, verifico que o cumprimento de sentença foi proposto dentro do prazo, em 30/11/15.
Ademais, não se conhece da divergência jurisprudencial, visto que o acórdão firmado no julgamento do REsp n. 1.112.864/MG, julgado pelo rito do artigo 543-C do revogado Código de Processo Civil, não cuidou da hipótese de se tratar de ação civil pública, caso dos autos, de modo que está ausente a necessária semelhança fática entre os casos confrontados, como exige o artigo 1.029, § 1º, do Código de Processo Civil (AgInt no AREsp 1179941/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 23/8/2018, DJe 3/9/2018).
Em face do exposto, nego provimento ao agravo interno.
É o voto.
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